Entrevista com Antonio Gavazzoni, secretário da Fazenda
“Os municípios levaram muito mais do que têm em haver”
— O recolhimento de valores ao Fundosocial por meio de doações está suspenso?
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Gavazzoni — O Tribunal tem indicado que acha que o conflito de legislação leva a opção pelo convênio do Confaz a um debate de invalidade. Então, recomendamos a suspensão. Na verdade, a discussão é a seguinte: se partilha ou não partilha com municípios e poderes. Poderíamos continuar fazendo e depois fazer a partilha se esta fosse a decisão. Mas resolvemos interromper porque estava ganhando uma dimensão desnecessária.
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—A suspensão será mantida por tempo indeterminado?
Gavazzoni — O governo resolveu interromper, não usar o convênio no momento. O convênio é uma alternativa criada pelo Confaz no âmbito federativo para enfrentar a crise. Cada órgão, poder, tem importância fundamental. Mas é o Executivo quem faz saúde e segurança, que são prioridades. A arrecadação está baixa e a folha cresce. A conta não fecha. O que o governo optou? Foi por usar todos os instrumentos possíveis e legais, mesmo os polêmicos. Este é polêmico. Quando a gente distribui os percentuais obrigatórios, existem órgãos em que sobra dinheiro para dar aumento salarial e existem outros que não têm dinheiro para manter suas atividades. Vamos cumprir as orientações. Mas, ao cumprir a distribuição obrigatória, vai sobrar recursos em algumas áreas e vai faltar em outras. Vão parar serviços que são, no meu juízo, prioritários.
— As medidas que o senhor coloca como instrumento possível e legal, o TCE aponta como engenharia financeira.
Gavazzoni — Não tem nada de engenharia. É um convênio, o Confaz. Esse convênio tem força de lei nacional, federal. É como um órgão legislativo extraordinário para matérias tributárias e que o produto de suas deliberações é lei nacional.
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— O Estado já tem uma defesa preparada?
Gavazzoni — Temos. Esse processo não vai terminar tão cedo. A discussão é boa. Os municípios alegam que têm um crédito. O Estado desde 2011 repassou aos municípios, de forma voluntária, R$ 1,5 bilhão. Na balança de débito e crédito, o Executivo estadual está no crédito. Os municípios levaram muito mais do que têm em haver. O Tribunal diz que saúde e educação perderam. Não perderam. Olha os números. O Estado colocou R$ 400 e tantos milhões a mais do mínimo obrigatório na educação, R$ 150 milhões a mais do que o mínimo obrigatório na saúde. A arrecadação está muito baixa para cuidar dessas áreas. A partir do fato que não podemos usar o convênio agora, a Secretaria da Fazenda terá que ser muito mais criativa para encontrar fórmulas de sustentar áreas de saúde, segurança, educação, assistência social e cidadania porque são áreas que, com a própria arrecadação, não fecham o ano. A gente vai ter que fazer malabarismo, algum milagre.
—O que o Fundosocial perde sem colocar o convênio em prática?
Gavazzoni —Perde, em momentos de crise, um instrumento de desvinculação de receitas, fazendo com que sobre um pouco mais para as áreas sociais do Estado. Nós deveríamos ter um instrumento nesse momento de crise que permitisse a flexibilização como prioridade. No meu ver, não pode parar hospital. Você vai ver, daqui a dois meses, hospital parado.
—Uma fatia considerável foi para o Fundo de Inativos. É uma destinação apropriada?
Gavazzoni — Claro que é. Porque no Fundosocial eu só posso aplicar os recursos onde a lei do Fundosocial permite. Entra um dinheiro e eu distribuo ele conforme a necessidade. Se sobrou recursos, eu aloco na folha ali dentro, na conta do tesouro que consegue arcar com suas obrigações todas. Isto é um instrumento que ajuda as contas a ficarem equilibradas. Salário de servidor inativo é área social, é direito alimentar. É mais importante o fato que desvincula de setores que não precisam e aloca no Executivo, que precisa muito desses recursos. Folha e inativos levam a metade do dinheiro do Estado.
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—A Fazenda reconhece algum equívoco nesse procedimento?
Gavazzoni — O gestor público é obrigado a fazer tudo o que a lei determina e pode fazer o que a lei permite. É que o ambiente está muito restrito a Santa Catarina. Nossa produção sempre deu conta de distribuir recursos para todo mundo. Lá no Norte, Nordeste, o fundo social de apoio ao combate à seca é exatamente isto há 40 anos. O Programa Luz Para Todos, todo ele foi feito desse modo. Isto é um mecanismo utilizado no Brasil todo há muito tempo. Como a nossa característica é de manter o equilíbrio sem medidas emergenciais, aqui isto é novidade. No resto do Brasil é normal.
— O TCE pede um plano de ação para corrigir o que foi questionado. O que a Fazenda vai propor?
Gavazzoni -Suspendemos o uso do convênio para evitar a briga de interpretações com o Tribunal. Se lá na decisão final desse processo entenderem que o convênio Confaz não deveria ter sido aplicado, você vai gerar uma necessidade de partilhar os recursos que entraram no Fundosocial como doação. Vai gerar créditos com os municípios e poderes. Aí eu proponho as compensações. É lógico que o Estado tem o interesse de evitar as indisposições institucionais. Se for esta a decisão, vamos fazer as devidas compensações. Se não forem possíveis, vamos fazer a partilha dos recursos conforme as possibilidades da realidade econômica.
Entrevista com Névelis Scheffer Simão, diretor de Controle da Administração Estadual do TCE-SC
“Determinada aplicação dos recursos não sana a irregularidade”
—Quais são as próximas etapas na apuração do TCE/SC?
Névelis — O processo da auditoria está em fase de defesa. Já houve pedido de prorrogação, encerra em 12 julho. A área técnica vai analisar a defesa e fazer um relatório de instrução complementar com sugestão de decisão da área técnica. A sugestão vai ser encaminhada ao Ministério Público de Contas para emissão de parecer e, depois, vai ao relator do processo para fazer o voto dele e levar à decisão dos conselheiros do Tribunal Pleno.
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—Quais são as possibilidades previstas nessa tramitação?
Névelis — A área técnica vai reavaliar a defesa e colocar a sugestão dela, se o Estado conseguiu justificar aqueles procedimentos ou não. Se a área técnica entender que o Estado conseguiu justificar, ela vai sugerir que se considere regular os atos. Do contrário, ela pode sugerir aplicação de multa aos responsabilizados, também podem haver determinações, prazos, encaminhamento ao Ministério Público e outros órgãos. A área técnica sugere, mas a decisão final é do Tribunal Pleno. Decisão definitiva no âmbito de contas.
— O TCE aponta “engenharia financeira” na arrecadação junto à Celesc. Com que finalidade se enxerga que ocorreu esse movimento?
Névelis — O Tribunal aponta que aquilo chamado de engenharia financeira ocorreu e fez com que os impostos recolhidos pela Celesc, que devem ter suas destinações partilhadas com os municípios, poderes, Udesc e aplicação em educação e saúde, acabaram ficando todos com o poder Executivo.
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A pedido da reportagem, a Fazenda detalhou o direcionamento dos R$ 615 milhões. O TCE tem conhecimento desta destinação?
Névelis -Até o momento, isto não foi relatado nos processos. Pode agora, na reinstrução, fazendo as defesas, haver essa análise e tentar buscar onde esses recursos foram aplicados.
— Mesmo que se comprove o destino dos recursos, o entendimento do TCE ainda será o de que houve irregularidade?
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Névelis — Determinada aplicação dos recursos não sana a irregularidade da não-repartição conforme é prevista.
—A auditoria do TCE implicou em alguma restrição imediata ao Estado?
Névelis — Ainda não implicou em nenhuma penalização ao Estado. O processo está tramitando, sem decisão do Tribunal Pleno. Mas o Estado pode deixar de realizar esses procedimentos a qualquer momento, não precisa aguardar decisão do Tribunal.
Entrevista com Luzia Coppi Mathias, prefeita de Camboriú e presidente da Fecam
“Vamos buscar o que é nosso centavo por centavo”
—Qual a posição da Fecam em relação aos apontamentos do TCE e dos valores mencionados?
Luzia — Elaboramos uma procuração, após assembleia geral entre os prefeitos, para buscar todos os nossos recursos. Porque através de uma contabilidade inapropriada nos foi retirado o direito de receber a cota do ICMS. Em nenhum momento queremos intervir nas ações em que o governo cria fundos. O que não podemos admitir é que os recursos apropriados a esses fundos sejam de recursos destinados aos municípios. Primeiro respeitem nossa cota, que é constitucional, é dever do governo. Nos repassem os 25% e depois, com os 75% que restarem, deem o destino que acharem conveniente.
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— Há consenso entre os prefeitos sobre o que deve ser feito?
Luzia — É unânime entre os prefeitos. Já estamos em difícil situação financeira. Como se não bastasse, o governo federal também usa da mesma coisa. Nos passa alguns programas, nos deixa felizes no início, repassa 100%. É o caso do Samu, do transporte escolar, da Estratégia da Família. E agora não chega a 50%. Então, temos que tirar os recursos das receitas correntes dos municípios. Agora, o Tribunal de Contas aponta isso. Só na Celesc foram mais de R$ 600 milhões. Só aí são quase R$ 200 milhões que não foram repassados aos municípios. É muito dinheiro.
—Existe alguma medida já colocada em prática pela Fecam em relação ao relatório do TCE?
Luzia — Primeiro, estamos indo pelo caminho administrativo. Solicitamos ao Estado que nos mostre o que já foi feito, quais as empresas que fizeram as chamadas doações, porque não é doação. E que de imediato suspendam isso e façam conosco um planejamento de devolução do que é nosso. O Estado já nos deu uma resposta de que suspendeu, não vai mais fazer isto. No entanto, vai sentar com os prefeitos para chegar a um denominador comum sobre como devolver esse dinheiro. Então, já reconheceu que errou. Se isto não for feito no administrativo, iremos acionar o jurídico e entrar na Justiça. Vamos buscar o que é nosso centavo por centavo.