“Um estrangeiro que quisesse hoje vir ao Rio ficaria mais bem informado assistindo a Vendo ou Alugo do que a Cidade de Deus.” Essa frase da produtora Mariza Leão durante o Cine PE poderia soar, mais que presunçosa, um mero factoide, não fosse ela justificada pelo que se vê no filme que acabou consagrado, em maio passado, com 13 prêmios em um dos mais prestigiados festivais de cinema do Brasil.

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Mais emblemático ainda é o fato de que Vendo ou Alugo, que estreia amanhã nos cinemas, tenha conquistado também o aval de boa parte da crítica, que costuma ir na contramão da atual preferência nacional pelas comédias populares locais. Reconhecimento que é justo ao filme dirigido por Betse de Paula, pois trata-se de uma produção localizada degraus acima das que se têm feito no gênero no país.

Começa por um grande atriz, Marieta Severo, em um desempenho notável. Ela é Maria Alice, ex-ricaça que passa os dias fumando maconha e pensando em maneiras de sobreviver à bancarrota financeira e evitar a perda do único bem que restou a sua outrora abastada família: o decrépito casarão deixado pelo pai embaixador na zona sul carioca.

Em um tom que remete às comédias italianas que combinam a graça do caos familiar com a crítica social, Vendo ou Alugo destaca a rotina de Maria Alice ao lado da mãe que mantém a pose de grã-fina (Nathália Timberg), da filha riponga (Silvia Buarque), da neta adolescente (Bia Morgana) e da empregada (Maria Assunção), que é vizinha no morro próximo e, por contingência, virou sócia da patroa.

A convivência delas com um traficante local (Marcos Palmeira), um pastor evangélico (André Mattos) e um investidor estrangeiro interessado na mansão engrossam o caldo de tipos e situações que dizem muito sobre o estado das coisas no Brasil contemporâneo. O humor brota balizado no contraste entre virtudes e mazelas tão características e representativas do país, sejam elas vistas por nós mesmos ou filtradas pelo olhar estrangeiro contaminado por deslumbramento e estereótipos.

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Leia a entrevista com Marieta Severo:

Zero Hora – Qual sua avaliação sobre o respaldo de Vendo ou Alugo junto à crítica, algo raro nas comédias nacionais que tanto sucesso têm feito?

Marieta Severo – O cinema nacional está em bom momento e tem mostrado histórias diversificadas, com filmes mais e menos comerciais. É natural o predomínio da comédia. O público está indo ver mais filmes nacionais, o que é ótimo. Nossa proposta em Vendo ou Alugo não era fazer um filme de piada. Vejo ele mais como uma crítica social em que os personagens vivem situações cômicas. É um painel muito atual da sociedade brasileira, que reflete as transformações das últimas décadas: a violência urbana, a decadência de uma burguesia que não perde a pose, a mobilidade que aproximou a empregada da patroa e, no caso dos morros cariocas, que colocou uma classe vivendo bem em cima da outra. O casarão do Leme que serviu de locação é representativo dessa mudança. Foi construído nos aos 1920, com vista para o mar na frente e para a floresta, nos fundos. Hoje tem apenas uma nesga de mar pelo meio de edifícios que o cercam, e a favela da Mangueira está logo atrás.

ZH – Maria Alice é um tanto ousada se comparada a outra mãe de família que você vive em A Grande Família. Como foi compor esse, digamos, lado B da dona Nenê?

Marieta – Dona Nenê é uma mulher certinha, seguidora de regras e valores éticos. Maria Alice é o oposto, tem algo da minha geração, no sentido de ser uma mulher que participou da revolução sexual, preocupou-se com seu prazer, sonhou alto e, um dia, viu que muito daquilo deu em nada, fracassou. Agora, depende de pequenos expedientes para sobreviver. É o espírito do brasileiro, esse de tocar a bola para a frente, mesmo com o olhar do desencanto. Gostei da personagem, do fato de não haver nenhum julgamento crítico e moral sobre ela.

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ZH – Qual sua opinião sobre as manisfestações pelo país?

Marieta – Este momento em que a sociedade civil se movimenta é importante e muito precioso. A gente tem responsabilidade porque os políticos que estão lá foram eleitos por nós. Somos responsáveis por seus erros.

ZH – Como você tenta encaixar os projetos de cinema em meio a seus trabalhos na TV e no teatro?

Marieta – Eu preciso recusar convites. Gravo A Grande Família três vezes por semana, administro meu teatro (o Poeira, junto com a sócia Andréa Beltrão) e estou ensaiando uma nova peça. Chama-se Incêndios. Já foi adaptada para o cinema e concorreu ao Oscar de filme estrangeiro.

Vendo ou Alugo

De Betse de Paula. Com Marieta Severo, Marcos Palmeira e Nathália Timberg.

Comédia, Brasil, 2013.

Duração: 88 minutos. Classificação:14 anos.

Em cartaz a partir de sexta-feira.

Cotação: 3, de 5 estrelas