O dinheiro das joias sauditas vendidas de forma ilegal por colaboradores de Jair Bolsonaro teria entrado para o patrimônio do ex-presidente e servido para custear as despesas dele e da família nos Estados Unidos, no início do ano passado, segundo inquérito enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) pela Polícia Federal.

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As joias, que teriam sido dadas de presente ao governo brasileiro durante a gestão de Bolsonaro pelo governo da Arábia Saudita eram para ter sido destinadas ao patrimônio do Estado, segundo informações do g1. De acordo com a PF, não foi o que ocorreu. As joias foram parar no patrimônio pessoal do ex-presidente.

No inquérito enviado ao STF, Bolsonaro foi indiciado por três crimes: peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro. Agora, a Procuradoria-Geral da República (PGR) deve decidir se há elementos suficientes para propor denúncia ao órgão.

O que diz o inquérito

Identificou-se, ainda, que os valores obtidos dessas vendas eram convertidos em dinheiro em espécie e ingressavam no patrimônio pessoal do ex-presidente da República, por meio de pessoas interpostas e sem utilizar o sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar a origem, localização e propriedade dos valores“, escreveu a PF no relatório ao STF.

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A polícia explica ainda como o dinheiro teria sido utilizado por Bolsonaro e família nos EUA. O ex-presidente viajou ao país em dezembro de 2022, antes de passar a faixa presidencial para o presidente Lula. Ele ficou lá durante três meses, até março de 2023.

Tal fato indica a possibilidade de que os proventos obtidos por meio da venda ilícita das joias desviadas do acervo público brasileiro, que, após os atos de lavagem especificados, retornaram, em espécie, para o patrimônio do ex-presidente, possam ter sido utilizados para custear as despesas em dólar de Jair Bolsonaro e sua família, enquanto permaneceram em solo norte-americano“, completou a PF.

Os depoimentos de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens e braço direito de Bolsonaro, e Osmar Crivelatti, ex-auxiliar do presidente, ajudaram a PF a concluir que a venda das joias partiram diretamente do ex-presidente.

As declarações prestadas por Osmar Crivelatti, Mauro Cesar Lourena Cid e pelo colaborador Mauro Cesar Barbosa Cid corroboram os demais elementos de prova colhidos demonstrando, de forma inequívoca, que as esculturas douradas de um barco e uma palmeira, presentes entregues por autoridades estrangeiras, ao ex-presidente da República Jair Bolsonaro, foram intencionalmente, subtraídas do acervo público brasileiro, por determinação do ex-presidente, para serem vendidas ilegalmente nos Estados Unidos“, afirma a polícia.

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Osmar Crivelatti disse que ele e Mauro Cid foram quem deram ordens para a retirada de kits de joias do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH) do Planalto.

Crivelatti afirmou ainda que um dos relógios presenteados, de marca Patek Philippe, não foi sequer registrado no sistema de bens do acervo privado de Bolsonaro.

Além disso, segundo o ex-auxiliar do presidente, o kit de ouro rosê, que foi a leilão na casa de leilões Fortuna Auctions, em Nova Iorque, nos EUA, teria sido entregue para o ex-presidente na casa onde vivia, que pertencia ao ex-lutador José Aldo, em Kissimee, na Flórida.

Mas Crivelatti havia mentido no depoimento anterior a respeito da origem do kit de joias em ouro rosê, notou a Polícia Federal. Em sua defesa, ele se justificou afirmando que apenas manteve a versão do colega Marcelo Costa Câmara.

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— Tinha ciência de que o Coronel Marcelo Costa Câmara, em declarações anterior à Polícia Federal, tinha afirmado falsamente que o kit em ouro rosê estaria na fazenda Piquet; que, diante disso, quando foi convocado a prestar esclarecimentos na Polícia Federal, o declarante procurou manter a mesma versão, mesmo ciente da falsidade das afirmações — afirmou Crivelatti na época.

Depois, o ex-auxiliar do presidente informou à Polícia Federal que Jair Bolsonaro havia recebido esculturas douradas de um barco e uma palmeira, que também não foram registrados no acervo privado.

A escultura foi para os Estados Unidos no dia 30 de dezembro e retornou ao Brasil no ano seguinte, segundo Crivelatti. Quem a trouxe ao país foi o general Lourena Cid, que a entregou em frente a um restaurante no Setor Militar Urbano, em Brasília. Depois disso, as esculturas foram levadas ao gabinete de Bolsonaro na sede do PL, com o objetivo de mostrá-las ao colega Marcelo Câmara. Posteriormente, foram deixadas na fazenda do ex-piloto de fórmula 1, Nelson Piquet.

“Enriquecimento ilícito”

Ao todo, as joias presenteadas ao governo somam R$ 6,8 milhões, em valores atuais, conforme apurado pela PF. Isso não significa que todo o dinheiro teria ido para o ex-presidente.

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Para a polícia, o ex-presidente tinha como objetivo o enriquecimento ilícito com a venda das joias.

No sentido de valorar os bens que foram objeto dos atos de desvio (e tentativa de desvio) perpetrados pela associação criminosa com a finalidade de enriquecimento ilícito do ex-presidente Jair Bolsonaro, as joias foram submetidas à procedimento pericial, com o objetivo, dentre outros, de aferir o valor mercadológico dos bens“, explicou a polícia.

Enquanto esteve nos Estados Unidos, Bolsonaro não movimentou as contas correntes, o que indica que os gastos seriam de outras fontes, aponta a investigação da polícia.

Desta forma, a análise contextualizada das movimentações financeiras de Jair Messias Bolsonaro no Brasil e nos Estados Unidos, demonstra que o ex-presidente, possivelmente, não utilizou recursos financeiros depositados em suas contas bancárias no Banco do Brasil e no BB América para custear seus gastos durante sua estadia nos Estados Unidos, entre os dias 30 de dezembro de 2022 e 30 de março de 2023“, informa o relatório.

A polícia também atesta que o general Mauro Lourena Cid, pai do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, teria repassado US$ 25 mil ao ex-presidente, valor que teria sido oriundo das joias.

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Os elementos de prova colhidos, demonstraram que Mauro Cesar Lourena Cid recebeu, em nome e em benefício de Jair Messias Bolsonaro, pelo menos US$ 25 mil, que teriam sido repassados em espécie para o ex-presidente, visando, de forma deliberada, não passar pelos mecanismos de controle e pelo sistema financeiro formal“, escreve a PF.

A Polícia Federal ainda afirma que, quando as reportagens que se referiam aos kits de joias começaram a sair na imprensa, os investigados “estruturaram uma verdadeira operação para resgatar os bens dados de presente a Bolsonaro”.

De acordo com as investigações, as joias estavam localizadas em estabelecimentos comerciais nos Estados Unidos, por meio de intermédio dos auxiliares de Bolsonaro. A operação foi montada, então, para trazer os itens de volta ao Brasil e retorná-los ao patrimônio da União, cumprindo a decisão do Tribunal de Contas da União acerca das joias do acervo.

Conforme já descrito, em termo de depoimento, Mauro Cid confirmou que vendeu e posteriormente recomprou as joias do “kit ouro branco”, em uma loja no centro comercial Seybold Jewelry Building, pelo montante de US$ 35 mil“, escreveu a PF.

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O conjunto de joias masculinas da marca Chopard estava na loja Fortuna Auctions, que fica no estado de Nova Iorque, segundo as investigações. Os itens foram resgatados e encaminhados por uma empresa de transporte de mercadorias para um endereço onde o ex-presidente estava hospedado, em Orlando, na Flórida. Depois isso, o kit foi transportado ao Brasil e entregue no dia 24 de março de 2023 em uma agência da Caixa Econômica Federal.

Um anel, abotoaduras e um rosário islâmico, pertencentes ao segundo conjunto, foi recuperado em uma loja em Miami, na Flórida. Cid então pegou o kit em Fort Lauderdale, na Flórida, e retornou ao Brasil, no dia 27 de março de 2023. Já em Brasília, o ex-ajudante de ordens destinou o conjunto a Osmar Crivelatti, outro assessor de Bolsonaro.

Um relógio da marca Rolex, de ouro branco, também foi recuperado, mas de outra loja, a Precision Watches. Ela fica no estado da Pensilvânia. De acordo com a PF, uma pessoa que ainda não foi identificada que recuperou o relógio, devolvido no dia 4 de abril de 2023 em uma agência da Caixa Econômica Federal.

Um terceiro conjunto de joias, que teria sido negociado pelos investigados, ainda não foram localizados. Porém “as investigações prosseguem”, escreve a PF no relatório.

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Troca de mensagens

Mensagens de aplicativo trocadas entre os integrantes do grupo também estão presentes no inquérito da PF. Em uma das conversas, Mauro Cid questiona Bolsonaro sobre o nome do cunhado do ex-presidente. Com isso, o ex-ajudante de ordens queria incluir o nome na relação e adiantar o visto (provavelmente para os Estados Unidos).

Bolsonaro responde com o nome do cunhado. Logo depois, Cid pergunta se o ex-presidente vai levar a árvore e o barco — fazendo referência às esculturas dos sauditas. O ex-presidente apagou as respostas.

A troca de mensagens ocorreu no dia 29 de dezembro de 2022, antes de Bolsonaro sair do país. No fim do diálogo, há uma frase de Cid: “Sim, senhor”.

Ex-presidente apagou as respostas após mandá-las (Foto: Divulgação)

Valores das joias

Presente no inquérito, a tabela indica os valores das joias dos conjuntos sauditas:

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Tabela expõe joias recebidas por Bolsonaro e seus respectivos valores (Foto: Relatório da PF, Divulgação)

As irregularidades investigadas em outros inquéritos são o desvio de joias, que está ligado à produção de fake news e ao uso indevido de recursos do estado.

Concluindo pela existência de fortes indícios de desvio de bens de alto valor patrimonial entregues por autoridades estrangeiras ao Presidente da República ou agentes públicos a seu serviço, e posterior ocultação da origem, localização e propriedade dos valores provenientes, com identidade de agentes já investigados por outros fatos nesta SUPREMA CORTE, o que evidencia a conexão probatória com diversos inquéritos que tramitam no âmbito do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, que investigam condutas atentatórias à própria CORTE, tal como o lnq. 4.781/DF, das Fake News e, especialmente, a prática de diversas infrações criminais por milícias digitais atentatórias ao Estado Democrático de Direito, investigada no Inq 4.874/DF“, escreveu a PF.

*Sob supervisão de Andréa da Luz

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