Há muitos anos, organizo meu dia em tópicos na agenda – de papel mesmo. Isso me ajuda a entender como planejar melhor o meu tempo. No dia anterior ou antes até, coloco o que preciso fazer nas próximas 24 horas de maneira clara e realista – isso é bem importante, porque não adianta listar mil coisas já sabendo que será impossível dar conta de tudo.
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Como trabalho em home office, a lista envolve atividades profissionais e também de gestão da casa, tarefas maternais, atividades de autocuidado, enfim, de tudo um pouco. Comprar ração para os cachorros, levar a filha ao dentista, terminar um texto (esta matéria, por exemplo), marcar duas entrevistas, pesquisar a próxima pauta, chamar o eletricista para arrumar o chuveiro do quarto, pagar o IPTU e ligar para a irmã que faz aniversário são tipos de tópicos que povoam meu planner.
Ainda assim, imprevistos acontecem o tempo todo e, claro, humana que sou, nem sempre consigo cumprir tudo. Além disso, quem é que, às vezes, não se sente menos produtivo ou mais lento, disperso? Cá entre nós, quem é que não escolhe a próxima atividade pensando – instintivamente, que seja – em um pouquinho de prazer, hein?
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É justamente aí que pode surgir a tal da procrastinação, palavrinha difícil de pronunciar e também de escapar dela… Eu procrastino, tu procrastinas, todo mundo procrastina as tarefas mais chatas, em algum momento do dia, da semana, da vida. Deixamos coisas para a última hora, vamos “empurrando com a barriga” aquele relatório tedioso até quase o prazo de entrega se extinguir. Quem nunca fez isso?
Procrastinar, verbo intransitivo
Recentemente, dados do Google Trends mostraram que as pesquisas pela palavra “procrastinação” no Brasil subiram 90% nos últimos cinco anos, juntamente a temas como “foco”, “preguiça” e “TDAH”. “As pessoas estão descobrindo o tema, se identificando com ele e buscando mais sobre o assunto”, analisa a biomédica e neurocientista Thaís Gameiro, sócia fundadora da Nêmesis Neurociência Organizacional. Para ela, isso tem relação com o estado de constante pressão em que vivemos hoje.
“Fala-se sobre vuca [volatividade, mudanças constantes] e bani [representação da ‘era do caos’], que é esse mundo de muita sobrecarga, hiperconectividade, em que ninguém mais tem tempo para descansar e planejar suas atividades, é tudo muito atabalhoado”, diz. “Essa característica da nossa sociedade atual nos faz viver mais a procrastinação. E isso, claro, incomoda, gera frustração pela baixa performance e produtividade”, completa Thaís.
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Para Thaís, a procrastinação também está muito ligada a questões motivacionais. Funciona assim: uma tarefa que não gostamos de fazer ou que gera receio ou ansiedade desperta em nós alguma emoção negativa. Daí é natural que a gente queira evitar essas situações, não ter contato com elas, seja uma tarefa, uma pessoa ou o que for. Até aí, tudo bem. Aliás, nem sempre o comportamento de adiar algo é necessariamente ruim.
“Assim como a divagação mental pode ser um momento de relaxamento e criatividade, a procrastinação pode ser uma defesa no sentido de autocuidado. A pessoa não está se sentindo bem e prefere ou precisa protelar algo para se preparar melhor, estar mais atenta ou com mais energia”, diz o médico de família e professor do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina da Unifesp, Marcelo Demarzo.
Quando a procrastinação indica algum transtorno
Segundo o médico, o problema surge quando esse hábito de deixar para depois torna-se crônico e começa a atrapalhar as atividades do dia a dia, criando barreiras para a nossa produtividade e gerando até transtornos orgânicos.
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“Procrastinação não é diagnóstico, não é doença, mas pode ser um sintoma de algum outro transtorno, como ansiedade e depressão. E aí pode haver uma retroalimentação, ou seja, a pessoa procrastina com maior intensidade e frequência, e isso faz com que ela se sinta frustrada e angustiada, piorando os sintomas de ansiedade e depressão”, explica Demarzo.
“Freud falava que saúde é a capacidade de amar e trabalhar. Então, se prejudica as minhas relações, minha qualidade de vida ou meu trabalho com frequência, isso pode ser um sintoma de um problema maior, e aí é muito importante buscar ajuda de um profissional de saúde, um médico ou psicólogo”, frisa o especialista.
Tudo começa com autopercepção
O primeiro ponto é perceber o que está acontecendo. Se você tem notado uma tendência maior de esticar prazos até não poder mais, isso já é uma primeira conquista. “Pesquisas mostram que, em metade do nosso tempo, estamos desatentos. E quanto mais desatentos estamos, menos consciência temos de nós mesmos. Então, buscar maneiras de treinar nossa atenção e viver mais em um estado de consciência e atenção plena, que chamamos mindfulness, funciona como uma ajuda transversal importante”, afirma Marcelo, que também é fundador e coordenador do Centro Brasileiro de Mindfulness e Promoção da Saúde Mente Aberta, braço acadêmico da Escola Paulista de Medicina da Unifesp.
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Segundo ele, se não percebemos essa pouca habilidade de lidar com pequenos desconfortos ou mal-estar, isso tende a se perpetuar, ao passo que, quando treinamos mindfulness, começamos a nos notar nessas situações — e isso nos dá chance de tomarmos decisões mais conscientes e sábias, regulando melhor nossas emoções.
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“Eu treino ainda a possibilidade de me expor aos poucos a esses pequenos sofrimentos e não evitá-los, explorando o que aquela sensação de angústia ou inapetência está provocando em mim, na minha mente e no meu corpo. Assim, consigo me aproximar melhor disso, encarar o desconforto e, oportunamente, iniciar uma atividade que estava adiando”.
Há outras formas de aprender a aumentar nosso estado de atenção. Yoga, meditação, atividades recreativas que gerem descontração e relaxamento, tocar um instrumento musical, cuidar do jardim, caminhar, bordar, tricotar, respirar mais profundamente por alguns minutos. Tudo isso são ferramentas que nos levam a um maior grau de autoconhecimento e autopercepção – desde que inseridas na rotina, claro.
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Pequenos passos, grandes resultados
Nesse mundo agitado e acelerado, aprender a se planejar é um dos melhores aliados. “Nosso cérebro tem dificuldade de estruturar tarefas no longo prazo. Se eu tenho 15 dias para entregar um relatório, a tendência é pensar primeiro nas coisas que estão mais próximas, mais urgentes. Vou deixando de lado aquilo que vai acontecer no futuro, e daqui a pouco o futuro chega”, alerta Thaís.
A dica dela é quebrar uma tarefa longa em pequenas ações que funcionarão como marcos para que o cérebro perceba que você está avançando. “Definir pequenas entregas ou pequenas vitórias ajuda a sentir que a demanda não é tão difícil, e isso afasta a ideia de procrastinar”, considera.
Outra dica é não deixar as tarefas mais chatas por último e aproveitar os momentos em que somos potencialmente mais produtivos (em geral, pela manhã, quando estamos mais descansados) para nos livrarmos logo delas e não darmos chance de querer procrastinar.
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Quando não temos como escapar de algo enfadonho, uma saída inteligente é se programar para intercalar a atividade maçante com outra que seja mais prazerosa. “Você pode se planejar para fazer a coisa chata por duas horas e, ao terminar esse marco, programar-se para tomar um sorvete ou dar uma caminhada e depois voltar para continuar o trabalho”, recomenda Thaís, adepta dos intervalos revigorantes e restauradores (diferente de um break em que você vai lavar a louça ou varrer a casa, por favor).
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Uma agenda para chamar de sua
Ter um registro visual das tarefas é essencial. “Deixar as tarefas na agenda mental é perda de tempo e de desempenho porque a gente fica constantemente listando tudo o que precisamos fazer, o que sobrecarrega o cérebro”, ressalta a neurocientista. “É muito importante colocar tudo no papel, no celular, no computador, onde preferir. Isso é muito individual, mas é crucial que seja algo visual”, complementa.
Além de anotar as tarefas, é crucial definir em que momento cada item será feito. “Não basta anotar ‘fazer exercícios físicos’. Você precisa dizer quando vai fazer isso. Caso contrário, começará o dia cheio de demandas e pode se perder nelas. O ideal é ensaiar as ações para diminuir as chances de dar errado, já que você pensou antes sobre aquilo, se planejou.”
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Da mesma forma, fazer check sempre que realiza alguma atividade é uma boa estratégia. “Isso libera certa dose de dopamina no cérebro. Você olha para as pequenas vitórias, vê que não deixou nada ou quase nada pendente e se alegra. Certamente, irá dormir com a mente muito mais tranquila”, diz Thaís.
Por fim, sempre que concluir as principais tarefas do dia, permita-se uma recompensa e pense em algo que você pode fazer por você – afinal, procrastinar em relação ao seu próprio bem-estar não vale, combinado?
Por Giuliana Capello – revista Vida Simples
É jornalista e vive buscando truques para driblar a procrastinação e manter a agenda em dia, com leveza (e canetinhas coloridas).
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