O batom rosa é para combinar com o tom da blusa. O rímel casa com os olhos grandes e expressivos. Vaidosa como qualquer adolescente de 16 anos, Dainara Elis Amaral está pronta para mais um encontro do Grupo de Teatro Arte para Todos, no Centro Cultural Deutsche Schule, em Joinville.

Continua depois da publicidade

Ela chega atrasada, mas corre para tirar os sapatos e se integrar à roda que já “acorda o corpo”, ritual de aquecimento antes dos exercícios de interpretação. Dainara lembra que, há dois anos, não tinha o mesmo capricho para sair de casa, nem o mesmo entusiasmo ao se dirigir para um grupo de pessoas.

– Eu era muda, hoje sou um papagaio – define-se.

Dainara não exagera na comparação, que é endossada pela mãe, Rosângela Amaral. A adolescente de olhos notáveis tem uma deficiência intelectual considerada leve, e diagnosticada quando ela ainda era bebê. Ela passa por tratamento desde os nove anos no Núcleo de Assistência Integral ao Paciente Especial (Naipe), mesma instituição que a encaminhou para um laboratório de teatro oferecido pelo Impar – Instituto de Pesquisa da Arte pelo Movimento, onde começou a sua virada.

Continua depois da publicidade

Dainara foi integrante do projeto, que começou em 2011, no Naipe, em oficinas lideradas pelo ator, diretor e professor Robson Benta a partir de projeto de extensão comunitária da Casa da Cultura. Hoje, a adolescente faz parte do Grupo de Teatro Arte para Todos, que surgiu da vontade de dez participantes de continuar o estudo do teatro após o contato de um ano com o projeto.

– A capacidade que eles têm de produzir é o que me salta aos olhos. Já sabíamos que haveria uma evolução da parte deles, a surpresa é que aconteceu tudo muito rápido – relata Benta, que atualmente conta também com o apoio de terapeutas ocupacionais em formação pela ACE.

A turma é formada por pessoas de diferentes idades e deficiências, como transtornos do desenvolvimento psicomotor, síndromes genéticas, acometimentos na parte física, como diplegia, e paralisia cerebral, e alterações do comportamento e de transtorno de personalidade esquizoide. Em 2013, os dez integrantes estrearam o primeiro espetáculo, Olhares, apresentado no Galpão de Teatro da Ajote e no 1º Congresso Internacional Sobre Saúde da Pessoa com Deficiência, em Brasília.

Continua depois da publicidade

Auxílio extra

Mais do que incluir socialmente os deficientes intelectuais, as artes abrem novas possibilidades de expressão para quem muitas vezes não explora esses recursos. Além das palavras, eles passam a usar o corpo e as obras para representar seu próprio mundo. Este acesso às artes possibilitou que Dainara se tornasse mais confiante para fazer atividades do cotidiano que pareciam impossíveis, como andar de ônibus sozinha e ajudar a mãe nas tarefas com o irmão caçula.

As atividades artísticas não dispensam o tratamento convencional. Os pacientes do Naipe continuam sendo atendidos por psicólogos, fonoaudiólogos e fisioterapeutas, assim como ocorre o contato de Benta com a equipe do núcleo para troca de informações.

O Naipe conta com mais de duas mil pessoas cadastradas e atende a cerca de 500 ao mês. Destes, apenas 14 participam do laboratório de teatro da Casa da Cultura e dez, das oficinas de dança para jovens de 13 a 17 anos. Os resultados surpreenderam a coordenadora do Naipe, Cinthia Friedrich, e sua equipe, que aguarda por mais iniciativas na área.

Continua depois da publicidade

– A contribuição para a autoestima é a diferença que mais conseguimos notar, além da melhora na consciência corporal, ritmo, equilíbrio, postura e atenção.

Liberdade de movimentos e expressão

Quando a mãe Rony Salvador percebeu que havia um interesse nato de Victor Hugo, 13 anos, pelas apresentações do Festival de Dança de Joinville, ela não teve dúvidas de que ali estava um dos caminhos para ajudar no desenvolvimento do filho. Victor tem uma deficiência intelectual rara, com apenas 22 casos constatados no mundo, o que desafia a família e os médicos na busca por tratamentos que contribuam com sua melhora. O encontro com a dança todas as quintas-feiras tem sido uma das alternativas adotadas por Rony e que vem dando resultados significativos.

A arte do movimento foi incluída na rotina do menino a partir das oficinas também promovidas pelo Programa Arte para Todos, o mesmo que proporciona a Dainara o acesso ao teatro. A atividade é oferecida pelo segundo ano consecutivo e tem patrocínio do Mecenato do Simdec e apoio do Naipe, responsável pela triagem e encaminhamento dos pacientes para o projeto.

Continua depois da publicidade

Além dos movimentos, Victor tem a criatividade estimulada, tanto que Rony pensa em intensificar a atividade artística na rotina do filho, que já pratica tênis e faz aulas de canto.

– A arte oferece a liberdade de expressão que ele precisa. Não tem o certo ou o errado. A dança é onde ele se solta – diz Rony.

A professora Maria Fortuna encabeça as oficinas de dança desde o ano passado, após acompanhar durante um ano as turmas de artes cênicas de Robson Benta. A observação rendeu sua pesquisa de especialização em arte-educação, que mostra como a dança pode ser mais do que uma atividade prazerosa. A profissional identificou melhoras nos aspectos sociais, motores e psicológicos dos alunos.

Continua depois da publicidade

– A dança propicia que o deficiente conheça a si próprio. Eles passam a não ter vergonha de se expor, o que acontece muito nesses casos, porque eles costumam ser superprotegidos pela família – afirma Maria.

Como o desenvolvimento dos alunos é imprevisível, o trabalho nas oficinas é constantemente revisto por Maria, revelando um desafio diário também para quem atua na área.

– Às vezes, algo funciona num dia, e no outro não. Depende muito do humor e da disposição deles – avalia a professora.

Continua depois da publicidade

Para colorir a vida

As cores atraem a atenção de Carolina Correia, 37 anos, como um ímã. Desde que ela descobriu que poderia dominá-las e transformá-las em algo somente seu, pintar se tornou a atividade mais aguardada pela aluna do Instituto Cultural Ademar Cesar. É só o ônibus de transporte especial parar perto de sua casa, no bairro Fátima, que a mãe Maria da Paz Correia sabe que a viagem até o Costa e Silva é obrigatória.

– Já é prioridade na nossa rotina – avisa Maria.

Há três anos, a mãe de Carolina conheceu o projeto liderado pelo artista plástico Ademar Cesar e de lá para cá vem somando bons resultados. O mais significativo é a transformação na forma de socialização de Carolina, além de ter encontrado uma atividade que a tranquilizasse também em casa.

O diferencial do instituto, que também atende a alunos de escolas públicas e idosos, é oferecer atividades também para os cuidadores dos deficientes.

Continua depois da publicidade

– Aqui ninguém é especialista, mas encaramos os desafios e aprendemos a administrar cada deficiência por meio do contato – explica Ademar.

O instituto realiza durante o ano pelo menos duas exposições de trabalhos artísticos produzidos durante as aulas. A ação também é uma forma de inclusão, segundo o artista plástico.

– Eles chegam aqui com problemas de autoestima. O que fazemos é inseri-los em um mundo que eles achavam que não era para eles. Esse também é o papel da exposição – avalia.

Continua depois da publicidade

Mostra Arte para Todos

Hoje, às 10 horas, no Teatro Juarez Machado, em Joinville, será realizada a terceira edição da Mostra Arte para Todos, promovida pelo Impar em parceria com o Naipe. O evento reúne em cena apresentações dos projetos desenvolvidos pelo Programa Arte para Todos. A programação abre com um painel sobre Os reflexos da arte nos processos terapêuticos e de inclusão da pessoa com deficiência intelectual. As apresentações de dança e teatro iniciam na sequência.

O que é deficiência intelectual?

A deficiência intelectual é definida a partir de limitações importantes que afetam o funcionamento intelectual, significativamente abaixo da média, acompanhado de limitações no funcionamento adaptativo em pelo menos duas das seguintes áreas de habilidades: comunicação, autocuidado, competência doméstica, habilidades sociais, interpessoais, uso de recursos comunitários, autossuficiência, habilidades acadêmicas, trabalho, lazer, saúde e segurança. O diagnóstico deve ocorrer antes dos 18 anos.

Fonte: Associação Americana de Deficiência Intelectual e do Desenvolvimento.

Programas que ajudam deficientes intelectuais em Joinville

– O Programa Arte para Todos funciona desde 2012 no Centro Cultural Deutsche Schule, e conta com o auxílio do Sistema Municipal de Desenvolvimento pela Cultura (Simdec) pelo segundo ano. A iniciativa oferece oficinas gratuitas de dança e teatro para pacientes encaminhados pelo Naipe. Contato: (47) 3028-7311.

Continua depois da publicidade

– O Instituto Cultural Ademar Cesar, no bairro Costa e Silva, presta atendimento gratuito com atividades de artes plásticas e dança para cerca de 50 pessoas com algum tipo de deficiência. O trabalho de inclusão social por meio da arte é uma iniciativa do artista plástico Ademar Cesar, que conta com a ajuda de voluntários e empresas apoiadoras. Contato: (47) 3435-8195.

– A Casa da Cultura Fausto Rocha Júnior mantém um projeto de extensão comunitária, que oferece o laboratório de teatro em parceria com o Naipe. Contato: (47) 3433-2266.

– O artista Fábio Salun e a psicóloga Elisabeth Cardoso deram início neste ano a um projeto que estimula quem tem sindrome de Down a ter contato com a pintura. A iniciativa teve apoio da Adesd. Contato:

Continua depois da publicidade

(47) 9196-3382 e 9199-9802.