Sentir-me um extraterráqueo pousando sua nave para tomar um café em plena Avenida Paulista foi um ponto importante, mas não o único, para eu, aos 11 anos de idade, ter feito da biblioteca da escola o meu refúgio. A introspecção e ter uma mãe professora também ajudaram a transformar os corredores tomados por livros em um infinito e confortável labirinto.
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Foi por volta dessa época que a poesia desabrochou em mim e, a partir de então, li e escrevi milhares de versos. As palavras eram, e continuam sendo, meu maior canal de expressão e de compreensão acerca de mim mesmo e do mundo ao redor.
Mesmo assim, quando me preparava para ingressar no Ensino Médio, acabei por querer cursar o técnico em Alimentos, o qual prepara o futuro profissional para planejar e coordenar atividades relacionadas à produção alimentícia, assim como supervisionar o processamento e conservação de variadas matérias-primas. O porquê da escolha eu não sei, mas não tinha nada a ver com poesia.
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Depois, no Ensino Superior, retornei para as palavras, cursei Jornalismo e fiz dele meu plano A de carreira, atuando na área exclusivamente por quase duas décadas. Porém, sete anos atrás, casado e com a primeira filha nascida, lá estava eu começando a fazer pão para o nosso dia a dia. A mesma mão que me conecta com a escrita, com a energização, com o tocar violão e com a massagem me guiava pelo processo de sentir e perceber as massas.
Não demorou para o fazer pão mudar o status de hobby para o de profissão, e hoje, morando no interior paulista, ter uma marca artesanal de longa fermentação em crescimento. Enfim, o plano A se tornou B, e esse, que há pouco era desconhecido por completo (será mesmo?), assumiu o protagonismo.
Reflexão sobre os talentos
O que aconteceu comigo talvez já tenha acontecido com você ou vá acontecer. Afinal, já se sabe que o modelo de carreira única na vida está ultrapassado, sendo necessário explorar a noção de multicarreiras. Isso não quer dizer que alguém seja obrigado a mudar de trajetória profissional e se lançar a empreender. Mas é muito bem-vindo refletir sobre seus talentos, ainda mais quando estão adormecidos, talvez ocultos. Será esse o seu caso?
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Você pode indagar: se temos uma série de dons, talentos e habilidades, como reconhecê-los e como transformá-los em um projeto que se deseja tirar do papel? Ou como direcioná-los para que realizemos o desejo primário de encontrar mais satisfação pessoal e profissional?
O primeiro e mais importante caminho é olhar para dentro, opinião unânime entre todas as pessoas que compartilham seu conhecimento nesta matéria. Uma delas é Rita Monte, fundadora da Escola de Mulheres Criadoras, terapeuta e educadora somática para mulheres. Em sua visão, vivemos em uma sociedade que não estimula a descoberta dos talentos pessoais ao longo do período mais importante para isso acontecer, que é durante os três primeiros setênios de vida de uma pessoa.
Ou seja, até seus 21 anos de idade, podendo se estender até os 28. “Quem tem a chance de ter uma escolarização vive muito voltada para o mercado, e este não é um ambiente que estimula o autoconhecimento e a conexão com os próprios talentos. Ele já tem postos de trabalhos prontos, e a gente precisa se adequar e entrar nesses modelos. Acabamos, então, por camuflar talentos e dons, pois nunca houve estímulo para buscá-los. No caso das mulheres, isso é ainda mais hostil”, destaca.
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Investigação interna
Nesse processo de não validação, o caminho profissional acaba pautado por escolhas equivocadas. Como atesta Cecilia Barretto, especialista em neurociência e coaching de carreira, muitos optam por uma profissão porque o pai já atua naquela área ou porque a mãe disse que dá dinheiro. “A melhor maneira de ajustar a rota é tendo consciência do que realmente deve impactar a nossa escolha profissional, que é a partir do autoconhecimento”, conta.
Por isso, o movimento de olhar para dentro de si, observar-se, pesquisar-se, é a chave-mestra. E também ouvir sobre você buscando essa ajuda com profissionais confiáveis, já que, como Rita acredita, o processo de fazer isso sozinho é mais difícil.
“O autoconhecimento é o caminho para percorrer a própria história em busca de suas habilidades. Na sua história houve momentos em que você se conectou com seus dons e talentos, e você precisa se lembrar desses momentos e validá-los numa sociedade que não os validou”, enfatiza a educadora somática.
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Formas de identificar aptidões
Se você, depois de ler isso e refletindo sobre si, percebe que precisa identificar suas aptidões e desenvolvê-las como um possível plano B, quem sabe C ou D, uma das formas é investigando brincadeiras, pensamentos, vontades que tinha quando criança ou em estado de espírito de criança, gerando percepções que sinalizam partes adormecidas.
É o que ensina a terapeuta com visão holística Carol Bassitt, que pontua também a possibilidade de se pensar atividades que trazem muita satisfação em servir, algo que a pessoa faria mesmo não sendo paga. “Recomendo pegar as impressões e vontades geradas na imaginação e colocá-las em pequenas ações no dia a dia. Experimente essa atividade em você, em outras pessoas que podem provar do seu produto ou serviço. Peça feedback. Então, veja como aprimorar suas competências e gerenciar recursos para planejar com mais detalhes e começar a crescer. Se algo não fluir, vasculhe dentro de você onde pode ter um bloqueio”, aponta.
Não esqueça igualmente de fazer determinadas perguntas que são verdadeiras fagulhas para bons insights: como posso servir melhor? Como posso viver da minha missão? Onde posso fazer a diferença? Que atividade me faz transbordar? “Faça essas perguntas, fique atento aos sinais e sincronias e deixe as respostas chegarem cada uma a seu tempo”, orienta Carol.
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Segurança e planejamento
Não se pode romancear a ideia de empreender ou de mudar de carreira. O empreendedorismo, inclusive, pode ser uma das grandes ilusões da vida profissional. Ciça lembra que muitos que a procuram com esse objetivo tendem a achar que o caminho é pavimentado com muita liberdade, autonomia e expectativa de ganho otimista.
Como ela esclarece, esse pacote dos sonhos pode até ser verdadeiro de certo ponto de vista, mas uma carreira empreendedora de sucesso cobra seu preço alto a quem quer trilhá-la. É preciso fazer isso com planejamento e existem meios de trazer mais segurança ao processo.
Um dos pontos obrigatórios, claro, é buscar formações necessárias, tanto para a parte técnica quanto para a comportamental. Existem inúmeros cursos complementares, acadêmicos ou livres, que podem ampliar seu conhecimento nessa jornada de ter um plano B.
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Aliás, mais do que um ou dois cursos, o lifelong learning, ou seja, o conceito de aprendizado contínuo ao longo da vida, é a premissa para o desenvolvimento e ampliação de talentos e habilidades. Imagine que, se a expectativa de vida hoje é muito superior ao que era meio século atrás, você terá mais tempo de explorar todos os seus dons e, quem sabe, desenvolva planos que vão além do A, do B e do C. Talvez, inclusive, eles coexistam.
“Outro aspecto muito importante é o financeiro. Compreender de onde virá o dinheiro da sua nova fase profissional, qual a expectativa de ganho que você tem, se teria a quem recorrer num momento difícil. Tudo isso é importante. Mais um aspecto que vale considerar para uma transição de carreira bem-sucedida para o empreendedorismo é o voltado aos relacionamentos, o famoso network. Nessa nova fase, quem são as pessoas que podem contribuir com você, abrindo portas, facilitando sua jornada, te ajudando a evitar muitos erros?”, salienta Cecilia Barretto.

A prática é diferente da teoria
E fazer pequenos experimentos em vez de lançar mão de tudo? Ou, então, começar a vivenciar a jornada do plano B sem abandonar de imediato o plano A? Todas essas possibilidades são válidas, mas limitadas. Segundo a coaching de carreira, como a prática sempre será diferente da teoria, é muito interessante expor-se a alguma vivência antes de dar passos maiores e mais arriscados.
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Porém, como destaca, existe um limite de até onde a gente pode experimentar, justamente para não ficar preso em um looping de tentativas. “Se eu ainda não testei o suficiente, se eu ainda não tenho certeza absoluta, isso pode ser um problema e expor um traço grave de insegurança. Porque todas as decisões implicam certo grau de incerteza, e saber lidar com isso será essencial em nossa carreira.”
Inseguranças podem surgir
Mesmo que já tenha tateado o suficiente e aprendido a minimizar as inseguranças, pode ser que uma pessoa continue a sentir grandes dificuldades e precise curar feridas ocasionadas pela frustração de ter, muitas vezes, se anulado por um longo período.
A terapeuta Carol Bassitt percebe, em muitos dos que a procuram, que o ímpeto para se concretizar um projeto está encoberto por decepções passadas, medos e traumas, sejam da própria pessoa ou de seus pais, antepassados ou do ambiente em que convivem.
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“É muito difícil ver pessoas realizadas que não passaram por frustrações. A diferença é que elas utilizam o fracasso como investimento em aprender como não fazer e impulso para a nova fase, mas nem para todas esse é um movimento fácil. Assim, percorrer sua história, seu sistema familiar, curar-se e permitir criar novas percepções abrem o espaço para a força interna se manifestar”, ressalta.
A terapeuta também fornece uma dica crucial a quem sente que a carreira profissional não faz mais sentido, mas não consegue desapegar dela devido a uma formação sólida e ao longo investimento na área. Ou, ainda, a quem não se solta da ideia errônea de que o trabalho dos sonhos é um só e que seguirá nele a vida toda.
As atitudes que facilitam renovar tudo e iniciar uma nova jornada são a determinação (agir como se não existisse um plano B); a flexibilidade (nem tudo acontece do jeito que planejamos); o desapego (não se apegar ao modo que as coisas funcionavam no passado); a proatividade (promover melhorias antes que o externo te force a isso); o aperfeiçoamento (sempre há uma forma de se lapidar); a superação (enfrentar a dor do crescimento); e o servir com amor (quem faz e quem recebe se beneficia).
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Potência criadora
Não há um ser passando por este planeta que não reúna habilidades e talentos. Contudo, a jornada do plano B não deve jamais ser encarada como um quebra-galho. Devemos vivenciar a nova rota, se para ela migrarmos, como o melhor trajeto que pode existir neste momento.
Ainda assim, se te faltar o ímpeto ou a força criadora, se desejar enormemente fazer uma mudança profissional, mas, na prática, não souber bem como, e de que forma fazer isso, abrace os três conselhos da terapeuta Rita Monte:
O primeiro é para quem só sabe o que não quer, mas não tem ideia da direção que deseja: abra-se para fazer algo inusitado todos os dias. Dê brecha para o acaso, saia um pouco do controle. Isso vai arejar sua cabeça e permitir que insights aconteçam. O segundo, para quem já sabe a direção, mas tem muita insegurança: peça ajuda para pessoas que já fizeram uma transição profissional. Marque conversas, agende uma sessão com algum profissional indicado.
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O terceiro é exclusivo para mulheres: se você quer dar um voto de confiança para seu corpo cíclico e se encontrar com sua vocação como criadora, passe a menstruar com calma, deixando-se afetar pela limpeza dos excessos, que é o que a menstruação é. Ou comece a se dar tempo para se conectar com seu útero, ou com o espaço onde ele ficava, caso não o tenha, já que ele é um centro capaz de te dar as direções para trazer ao mundo o que ainda não existia.
Depois de tudo isso, saiba que, na jornada do plano B, C ou D, o medo tende a nos acompanhar. É natural que seja assim quando nos lançamos rumo a algo novo ou quando rompemos com alguma paralisia. Porém, não se pode permitir que ele impeça nossos passos. O segredo é justamente respeitá-lo, agradecê-lo como um alerta a ser seguido ou como o sinal de que precisamos nos projetar mais. Assim, um novo lugar irá se abrir, e a sua jornada do plano B terá, com certeza, mais sucesso e alegria.
Por Gustavo Ranieri – revista Vida Simples
É jornalista e padeiro artesanal. Ou será o contrário? Conta em cada pão a história desse alimento sagrado e escreve para alimentar as pessoas.
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