O vazamento de 12 nomes apontados pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa à Polícia Federal como recebedores de propina – um deles, já morto – coloca em discussão o instrumento jurídico da delação premiada. Defensor desse tipo de recurso, o advogado criminalista e professor da Universidade Estadual de Montes Claros (MG) Erik Rodrigues da Silva faz uma ressalva:

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– É preciso separar a delação como instrumento jurídico do vazamento do conteúdo da delação. É evidente que o segundo não pode acontecer. Os apontados podem prejudicar o processo, ocultando provas, por exemplo, antes de serem comunicados formalmente. Mas a delação, puramente, é útil. Até porque, se não for, é desconsiderada.

Os nomes e fatos citados pelo delator só serão considerados para efeito de redução de pena à medida que forem checados e cruzados com o restante da investigação. Na opinião do advogado criminalista e coordenador do Departamento de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católoca do RS (PUCRS), Alexandre Wunderlich, isso não é suficiente para tornar a delação um instrumento confiável:

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– Na prática, é uma manipulação da prova. O delator não vai ser fiel ao que aconteceu. Vai narrar os fatos conforme a sua conveniência. E, como quanto mais delatados, menos pena, pode se estabelecer uma relação complicada. Algo como: “Se você conseguir envolver mais fulano e beltrano, te consigo uma diminuição”.

Wunderlich aponta problemas além da ética no mecanismo. Para ele, a delação é muito precária no país do ponto de vista processual:

– A jurisprudência é muito tímida. Ainda é um instrumento a construir. Hoje, há um sentimento de insegurança jurídica.

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Advogado questiona credibilidade da prática

O problema foi atenuado pela Lei de Organizações Criminosas (PL 12.850/2013), que ampara o procedimento. Ela normatizou, por exemplo, que o conteúdo da delação é tornado público assim que oferecida denúncia, ampliando acesso à defesa dos citados. Antes, havia entendimentos de que apenas na conclusão do processo um réu deveria ser comunicado de que seu nome surgiu por meio da delação de um terceiro.

Segundo Marcelo Leal, um dos advogados atuantes no processo do mensalão, sete leis esparsas regulam a delação premiada. Veementemente contrário à prática, ele vê uma questão de credibilidade na base dos problemas:

– Acho incrível como se dá valor maior para um criminoso, para quem denuncia em benefício próprio, do que para uma testemunha isenta. A tendência é de que uma pessoa nessas condições tente imputar algo a terceiros para que possa se beneficiar.

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Não é só no banco dos réus que Leal vê problema, mas também na própria Justiça ao fazer uso de um réu para imputar terceiros:

– É altamente questionável o Estado se valer quase de uma extorsão e colocar uma pessoa nesse papel: o algoz, o verdugo. Sem contar que coloca esse delator em uma posição de risco, para ele e para a sua família.

Colaboração começa com acordo prévio

A delação premiada ainda é vista por juristas como “um instrumento em construção”. Embora haja interpretações divergentes, o modo de operá-la é regulamentado pela Lei de Operações Criminosas.

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1 – É feito um acordo de colaboração prévio entre investigadores e delator, com manifestação do Ministério Público. Ambos podem tomar a iniciativa da delação. Ali são debatidos limites. O que o delator tem a oferecer e o quanto ele pode ser beneficiado. O juiz não participa dessa negociação.

2 – Os depoimentos do delator são colhidos. Para terem validade, precisam ser úteis para: identificar coautores do crime, revelar a estrutura hierárquica da organização criminosa, prevenir outras infrações, recuperar proveitos ou localizar vítimas da organização.

3 – O acordo e os depoimentos são remetidos ao juiz para a homologação. O magistrado pode recusá-la se entender que o conteúdo não atende aos requisitos legais. Em razão do número de investigados com foro privilegiado relacionados pela Operação Lava-Jato, o juiz e eventual relator do caso será Teori Zavaski, do Supremo Tribunal Federal.

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4 – Assim que recebida a denúncia, o conteúdo da delação deixa de ser sigiloso. Os citados pelo delator podem, então, defender-se.

5 – O delator passa a estar a serviço da Justiça sempre que necessário ao longo do processo para depoimentos em juízo, renunciando ao direito ao silêncio e firmando o compromisso de dizer a verdade. Ele passa a usufruir de medidas de proteção.

6 – A sentença ao delator apreciará os termos do acordo homologado e sua eficácia. Nenhuma sentença condenatória deve ser fundamentada apenas nas declarações do delator.

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7 – A delação premiada pode ser utilizada para beneficiar um réu mesmo depois de ele ser condenado. Nesse caso, o benefício é uma redução de até metade da pena. Se acordada antes do julgamento, pode ocorrer redução de até 2/3 da pena ou até perdão judicial.

Fonte: Lei nº 12.850/2013

Quem é o delator, Paulo Roberto Costa

Foto: Fábio Motta, Estadão Conteúdo

– Engenheiro mecânico formado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 1976, Paulo Roberto Costa (foto acima) ingressou na Petrobras no ano seguinte.

– Entre 1979 a 1994, participou das instalações de plataformas na Bacia de Campos.

– Em 1995, Costa se tornou gerente geral da Exploração e Produção do Sul, responsável pelas Bacias de Santos e Pelotas. Mais tarde, atuou por três anos como gerente de Gás da empresa.

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– Costa ainda atuou como diretor da Gaspetro, gerente geral de Logística da Unidade de Negócios Gás Natural, diretor-superintendente da Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia Brasil (TBG), até se tornar diretor de Refino e Abastecimento, cargo que ocupou até abril de 2012. Após a saída, Costa criou uma empresa de consultoria.

– Preso pela Polícia Federal em 20 de março, acusado de tentar ocultar provas que o ligavam ao esquema de lavagem de dinheiro do doleiro Alberto Youssef, Costa foi libertado dois meses depois, em 19 de maio, graças a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

– Voltou a ser detido três semanas mais tarde, em 11 de junho, mesma data em que o governo suíço bloqueou US$ 23 milhões em contas supostamente pertencentes a ele e alguns de seus familiares, registradas em nomes de empresas com sede em paraísos fiscais.

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– No último dia 22, Costa aceitou fazer um acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal para tentar reduzir a sua pena.

* Zero Hora