Quase duas décadas depois, o momento é o da desintrusão. Fase do processo demarcatório que é considerada a penúltima antes que a Presidência da República determine em definitivo a favor dos índios. Nesta segunda-feira chega à região o Comitê Permanente de Análise de Benfeitorias da Funai, para acertar o valor da indenização com cada uma das 69 famílias que vivem dentro da área – oito proprietários não tem direito a indenização, pois ocuparam as terras depois da portaria do MJ.
Continua depois da publicidade
A quantia será paga por cada investimento feito ao longo dos anos e deve seguir o valor de mercado, segundo informou a procuradora do Ministério Público Federal Analúcia Hartmann. Somente depois que for efetuado o pagamento por parte da Funai, começa a contar os 30 dias do prazo dado para a desocupação dos terrenos. Se não houver acordo, o valor – que nunca foi divulgado para as famílias – será depositado na Justiça Federal, que vai decidir qual a quantia deve ser paga.
Pela terra, a Funai não indeniza. Porém, há um artigo na Constituição Estadual – 148 A – que prevê que o estado compense as famílias que tenham de deixar terras que sejam da União, inclusive, com convênios com o governo federal. Só que ainda não há uma regulamentação para fazer cumprir a lei.
Mulher comanda a aldeia Itaty
Continua depois da publicidade

Karaí, um dos filhos de Eunice
Kaigang, paraguaia ou paranaense? A cacique da aldeia Itaty, Eunice Antunes, ouviu várias versões sobre sua origem, ao defender a demarcação no Morro dos Cavalos.
– Sou guarani, nascida no lado guarani da aldeia Linha Limeira, no município de Entre Rios (SC). As índias não se manifestam muito, são mais reservadas, mas como eu falo e defendo o direito da minha comunidade, sou chamada de mestiça – argumenta Eunice, que é casada e mãe de três filhos.
A cacique nega que vá controlar a água, após o fim do processo.
– A água é um dos quatro elementos sagrados para nós. Não temos direito de privar qualquer ser vivo deste bem. A água é um bem público e não sou dona dela. Ninguém aqui é.
Continua depois da publicidade
Apesar da tensão existente entre índios e o movimento contrário à demarcação, nunca houve conflito. Só protestos e inúmeras ameaças – o cano de abastecimento da aldeia foi cortado com facão em fevereiro- registradas na Polícia Federal. O maior impasse se deu em novembro do ano passado, quando Eunice expulsou o índio Milton Moreira e mais 41 índios que estavam com ele dentro da área no Morro dos Cavalos.
– Ele invadiu a área em abril e foi ficando. Mas ele só falava contra os índios. Estava aqui e só falava contra a gente, aí a aldeia se reuniu e pediu para que ele se retirasse. Foi dada a opção para que os outros índios ficassem, mas eles preferiram seguir ele.
Milton e os demais se mudaram, então, para a Praia de Fora, há poucos quilômetros ao norte da área.
Entenda o caso
::: O processo demarcatório teve início em 1993, quando, a pedido de índios que viviam em Palhoça, a Funai lançou a portaria 973 para começar os estudos técnicos, sob coordenação do antropólogo Wagner de Oliveira.
Continua depois da publicidade
::: Concluído em 2000, o relatório não foi aceito pela comunidade indígena presente no Morro dos Cavalos, por desacordo com o que previa a Constituição Federal.
::: Em 2001 a Funai cria um novo grupo, coordenado pela antropóloga Maria Inês Ladeira, que entrega o relatório final, publicado no Diário Oficial da União em 18 de dezembro de 2002.
::: De 2003 até 2008, foram várias contestações por parte de moradores da região, Ministério Público Estadual, Fatma, prefeitura de Palhoça e Procuradoria Geral do Estado. Todas julgadas improcedentes pela Funai e encaminhadas ao Ministério de Justiça.
Continua depois da publicidade
::: Em 2005, o Tribunal de Contas da União encaminhou ao Dnit buscar uma alternativa de traçado para a duplicação da BR-101 que contemplasse o meio ambiente, o aspecto econômico e o direito indígena. O traçado em dois túneis foi o que melhor se encaixou na solicitação do tribunal.
::: Em abril de 2008, Tarso Genro, então Ministro da Justiça, assina a Portaria Declaratória da área de 1988 hectares no Morro dos Cavalos, a Terra Indígena (TI) guarani Mbya e Nhandèva.
::: Somente em 2010, a Funai fez a medição das construções e concluiu a demarcação física da área.
::: Dezembro de 2012, são publicados no Diário Oficial da União os nomes dos 69 proprietários que teriam direito a indenização, caso apresentassem os títulos de posse. Oito famílias terão que deixar a terra após notificação, pois ocuparam a TI depois de 2008.
Continua depois da publicidade
::: 2013 iniciou com protestos na BR-101, ameaças constantes aos índios e pressão da comunidade da aldeia Itaty para que a Funai agilize o processo. A última informação é que no dia 1º de abril chega à região o Comitê que vai pagar as indenizações. A partir do pagamento ou notificações (no caso de quem ocupou depois de 2008), o que deve levar dias, o prazo para saída da área é de 30 dias.
Leia mais:
Índios da aldeia do Morro dos Cavalos esperam há 20 anos a demarcação da terra