Domingos de Abreu Miranda

Jornalista, morador de Joinville

Agora, quando a humildade e a simplicidade ficaram mais em evidência por causa do papa Francisco, seria interessante lembrarmos de dom Helder Câmara, portador dessas características. Ele foi arcebispo de Olinda e Recife durante a ditadura, quando a oposição foi quase destroçada e a censura proibia tudo o que fugisse aos padrões definidos pelos generais. Dom Helder não se calou, mesmo sendo perseguido e seus auxiliares presos, torturados ou mortos. No exterior, seu nome era muito respeitado e era a voz que denunciava a violência e as torturas nos porões da ditadura.

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Eu cursava a faculdade de Odontologia em Alfenas (MG) e, mesmo não estando ligado a nenhum partido, enfrentávamos o arbítrio da maneira que podíamos. Ainda éramos calouros, em 1973, e tentamos fazer um jornal para os estudantes, mas os agentes do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) – órgão de repressão do Estado – apareceram antes da distribuição dos exemplares e todos os envolvidos foram fichados e ameaçados.

Neste clima de perseguição, a voz de dom Helder era uma luz na escuridão. Em dezembro de 1974, eu e meu colega de faculdade, o poeta Tarcísio Bregalda, resolvemos visitar o arcebispo em Recife. Não tínhamos dinheiro, mas decidimos ir assim mesmo, uma parte de trem (de Belo Horizonte a Salvador) e o resto de carona. Alfenas fica no Sul de Minas, a 400 quilômetros de Belo Horizonte, e teríamos de rodar mais de 4 mil quilômetros.

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Conseguimos chegar lá e fomos direto para a residência do arcebispo, uma casinha nos fundos da Igreja das Fronteiras, em Recife. Tocamos a campainha e ficamos espantados quando ele veio abrir a porta com a tradicional batina preta e um crucifixo de madeira no peito. Não imaginávamos que aquela figura conhecida internacionalmente (foi o único brasileiro indicado quatro vezes para receber o Prêmio Nobel da Paz) vivesse de maneira tão humilde. Mesmo cansados, recebemos uma carga de energia positiva ao falar com o defensor dos pobres e da justiça social.

Ali, entendemos porque o ditador Garrastazu Médici havia proibido a mídia de citar o nome de Helder Câmara, um partidário da não violência. Compreendi que uma ideia justa é capaz de vencer as baionetas e fazer tremer os tiranos. Essa data ficou marcada em meus 61 anos de vida.

Para participar

O espaço O passado valeu a pena é publicado todos os domingos, com a colaboração de leitores. Para participar, basta enviar uma foto antiga que marcou a sua vida e contar em até 20 linhas sobre as lembranças que aquela imagem lhe traz. O telefone para contato é (48) 3216-3943 e o e-mail é diariodoleitor@diario.com.br. As colaborações podem ser enviadas também por carta, para o endereço SC-401, nº 4.190, torre A, Bairro Saco Grande, Florianópolis. O CEP é o 88032-005. A participação é gratuita.