Superar a distância de Cuna não será exatamente uma novidade para José Manuel Gonzalez Perez, 55 anos. O médico que chegou a Gaspar na semana passada já participou de projetos de cooperação durante quase nove anos em países como Mali e Moçambique, na África, e Guatemala, na América Central. Após retornar da última etapa, na Bolívia, conheceu o Mais Médicos e começou a fazer aulas de português ainda na terra natal.

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José Manuel foi um dos 40 médicos cubanos que chegaram na semana passada a Santa Catarina. Eles vão substituir membros do programa que já cumpriram os contratos de três anos com o governo brasileiro e que entre julho e agosto devem retornar para seus países. Oito deles desembarcaram no Vale do Itajaí — dois em Ituporanga e os demais em Gaspar, Timbó, Benedito Novo, Guabiruba, Pouso Redondo e Witmarsum. José Manuel passou por treinamentos na policlínica nos últimos dias e vai trabalhar na unidade de saúde do bairro Lagoa, em Gaspar.

A chance de retribuir o conhecimento recebido e de ajudar outros foram algumas das motivações para vir ao Brasil. A experiência a ser obtida no contato com profissionais brasileiros também é algo que anima o cubano de fala ainda calma no novo idioma. Por enquanto, achou a cidade tranquila e segura.

— Embora a cultura seja parecida com a nossa, é uma chance de conhecer outros costumes, outro povo. Quero ajudar a fazer prevenção e contribuir com os indicadores familiares — conta José Manuel.

Até um mês atrás o bairro Lagoa era atendido por outra médica cubana, que deixou a cidade após o fim do vínculo. Gaspar tem hoje dois cubanos, uma argentina e mais cinco profissionais brasileiros pelo Mais Médicos.

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— Eles são muito acessíveis, estão próximos da comunidade e têm uma postura frente à equipe que é muito interessante e desperta muitos elogios — avalia o enfermeiro Arnaldo Munhoz, supervisor da atenção básica da Secretaria de Saúde de Gaspar.

Novo médico estrangeiro também em Timbó

Outra cidade que ganhou o reforço de um médico cubano foi Timbó. Michel Milanes Sanchez, 30 anos, começou a trabalhar ontem no posto de saúde do bairro Imigrantes. Os primeiros 10 dias serão de adaptação com o idioma, com a nova equipe e com os sistemas utilizados no atendimento. Para isso ele contará com o apoio do também cubano Deykin Valencia, 35, que está desde 2014 em Timbó e mora no mesmo prédio do novo colega.

— Ele vai gostar da cidade. É um lugar seguro, que tem quase tudo. No começo disseram que seria difícil porque a cultura alemã é muito forte, mas hoje conheço cada um, as pessoas gostam muito da gente — diz Valencia.

Em todo o Estado há 259 médicos estrangeiros atuando em 138 cidades. No fim de junho, pesquisadores da Univali divulgaram um estudo mostrando que até março de 2016 havia 437 médicos do programa distribuídos em 194 municípios catarinenses.

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Nas conclusões do projeto estão constatações de que o programa expandiu equipes de atenção básica, diminuiu desigualdades evitáveis em saúde, sobretudo no interior, sensibilizou médicos brasileiros para a atenção básica, recuperou a confiança de usuários desassistidos e revelou espaços em que as relações de tolerância requerem investimento humano. Representou ainda avanço nos municípios que aderiram ao programa de incentivo PMAQ.

Em contrapartida, ainda necessita de eixos de médio e longo prazo voltados à formação médica.

Uma quase brasileira

O cubano Michel Milanes Sanchez também chegou a Timbó para substituir uma profissional que deixará o município. Ela é Zeinab Dominguez Bicet, 34 anos. Movida pelo internacionalismo comum aos valores cubanos, ela chegou ao posto de saúde do bairro Vila Germer em março de 2014. As primeiras consultas foram feitas com ajuda das enfermeiras, mas aos poucos se construiu um forte vínculo entre médica e pacientes. Zeinab encontrou nos enfermeiros, colegas de trabalho e outros médicos cubanos da região novas famílias que a ajudaram a se ambientar na cidade, que descreve como organizada, segura e acolhedora.

— Sou filha única e ligo todo dia para minha mãe. Hoje ela diz que quase não entende o que falo. Me sinto uma quase brasileira — brinca a médica, que troca o bom humor pela seriedade assim que começa a falar sobre o trabalho feito junto aos 4 mil pacientes da unidade de saúde.

Ela encontrou na comunidade muitos casos crônicos de hipertensão, diabete e asma. Espantou-se com o alto número de pacientes que tomam ansiolíticos e antidepressivos. Em compensação, deixou sua marca com visitas a domicílios e trabalhos em conjunto.

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— Conseguimos fazer as pessoas mudarem de estilo de vida, terem uma alimentação mais saudável, participarem de grupos de fisioterapia, atividades físicas, gestantes, trabalhar com prevenção — enumera.

O contato olho no olho e a confiança que busca despertar nos atendimentos para que as pessoas relatem tudo o que sentem é reconhecido por pacientes como Rita Menegazzo.

— Ela não faz aquela consulta corrida, tem conhecimento e paciência, tira todas as nossas dúvidas. No começo foi diferente, mas hoje é como se eu estivesse falando com uma amiga, a ponto de eu ter ficado muito triste quando soube que ela iria embora — conta.

Na mesa de trabalho, Zeinab mantém uma minibandeira da ilha socialista e faz questão de mostrar aos pacientes no pequeno globo terrestre a diferença de tamanho e a distância entre os países. Apesar do carinho e da gratidão pelo acolhimento em Timbó, a distância de casa apontada pelo dedo indicador que circunda o Atlântico tem deixado mais forte a saudade e a vontade de voltar. Quer fazer uma especialização em Obstetrícia. Mas antes de tudo quer reencontrar a mãe e o noivo em Santiago de Cuba. Dedicar-se a constituir a sua própria família, sob o sol caribenho. Planos que devem começar quando agosto chegar.

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— Já estou sentindo o cheirinho de Cuba – conta.