Filho de pai pescador e mãe do lar Valdir Agostinho, o multiartista mané que faz parte da cultura popular manezinha, nasceu de uma família de nove irmãos. Desde muito cedo sabia que não queria seguir a vida na pesca, desejo dos irmãos, e profissão tradicional para os nascidos na Barra da Lagoa. Valdir queria mais, seu desejo não era viajar para o Rio Grande, no Rio Grande Sul, e viver do pescado, como fizeram os irmãos mais velhos. A viagem dele era ir para o ‘centro’. Florianópolis era Nova York na sua imaginação, era na capital catarinense que ele via a oportunidade de estudar, ser alguém importante e dar orgulho para família. Começou na arte com o desenho, seu hobby quando criança.
Continua depois da publicidade
— Desde criança eu desenhava. Alguém me contava: ‘Fulano de tal roubou batata’. Eu ia lá e desenhava aquela cena. Na verdade eu tinha medo do papai, porque ele dizia que eu estava ‘sujando’ o caderno. Quando vi o Aldo Beck desenhando aqui na beira do rio, eu fui correndo ver o que ele estava fazendo na prancheta. Ver o desenho do que ele estava vendo, uma árvore, o rio… aquilo pra mim foi a glória. Aquele momento foi algo incrível, nem mesmo a visita no museu do MoMA, em Nova York, superou aquela sensação — conta Valdir sobre o momento que sentiu a arte como algo importante na sua vida.
Chegou a trabalhar com a pesca, era bom. Mas foi vendendo siri que conseguiu dinheiro para, aos 14 anos, mudar para Florianópolis, na década de 70. Trabalhou como frentista por alguns anos, até que o jornalista Beto Stodieck ofereceu a sua primeira oportunidade profissional relacionada com a arte. Beto abriu uma das primeiras galerias de arte da cidade, na Rua Padre Roma, e o manezinho Valdir foi trabalhar. Lá teve contato com grandes artistas catarinenses como Vera Sabino, Rodrigo de Haro e Eli Heil.
As famosas pandorgas
Foi nos festivais de pandorgas promovidos pelo famoso colunista da cidade — onde se tornou hors concour —, que ganhou destaque nacional e internacional. As pandorgas se tornaram o rótulo do artista mané, e ele recebeu premiações e viajou para outros países apresentando o seu trabalho.
— A pantorga deu o colorido na minha vida, foi uma inspiração, algo muito louco. Demorou para descobrir que eu era um escultor de papel e fazia uma arte diferenciada, que encantou até os franceses.
Continua depois da publicidade
De vários formatos e cores, pintadas à mão, construídas com utilização de vários materiais, as pandorgas de Valdir trazem a identidade do artista. Com elas também esteve em várias escolas ministrando oficinas, ensinando sobre o processo de produção artística, sobre a reciclagem – um dos temas da sua obra – e principalmente divulgando a cultura manezinha.

— Eu trago muito da cultura da Ilha na minha obra. Lembro bem do pão por Deus, dos recortes. Isso tudo ficou na minha memória e hoje eu aplico no que eu faço.
Valdir é do tipo que tem orgulho da sua arte. Valoriza. Reconhece que isso, de alguma forma pode ter complicado um pouco a sua trajetória, mas não desanima. Produz as pandorgas no seu tempo. Certa vez, ao receber uma encomenda, de uma figura importante da cidade, e cobrado por agilidade comentou: “Eu estou fazendo pela tua alma, não pelo teu dinheiro”.
— Eu quero ser livre. Eu não queria ser consumido por uma única coisa. A pandorga me dá dinheiro, então eu embarco na pandorga? Não, arte não é isso. Tem várias manifestações artísticas. E eu vou para todas. Eu faço uma música, uma letra, uma pandorga. Tanto que se a pessoa me encomenda algo, eu cobro. Tem que estar de acordo com a minha sensibilidade, a minha espera. É uma criação. O dinheiro e arte não tem essa relação imediatista.
Continua depois da publicidade
Música
Na música cantou Florianópolis, a Barra da Lagoa e o folclore. Na canção ´sereia manezinha, uma das mais conhecidas da sua carreira, vários trechos falam dos peixes:
Eu quero beijar a sardinha do teu rosto
E me perder nas curvinas do teu corpo
Hoje nem que enchova eu vou fazer
Um beijo de linguado vou robalo de você.
A música lhe trouxe um sonho, cantar no Centro Integrado de Cultura, palco que já recebeu nomes internacionais, e que até mesmo Valdir já havia pisado, mas não em um show próprio. O desejo jogado para o universo – como ele mesmo gosta de falar – será realizado hoje, em um show que irá contar os seus quase 50 anos de carreira.
— Eu achava que eu tinha perdido muito por investir somente nas artes, mas agora estou vendo que não. Tem várias coisas acontecendo, me dando retorno. Esse momento é mágico.
Ativismo ambiental
Os peixes aparecem em vários momentos na carreira de Valdir. Na Barra da Lagoa, para onde retornou e onde hoje mora, ele mantem um galpão e ateliê. Lá ele guarda uma parte do seu acervo. Do que produziu para vários carnavais de Floripa e além de várias outras peças. Um grande peixe feito com uma prancha de surfe, um anjo de quase dois metros de altura feito somente com panelas, máscaras de galões reciclados. O espaço é colorido e múltiplo, assim como Valdir.
Continua depois da publicidade
O ativismo ambiental aconteceu de forma natural. No início ele recolhia o que encontrava no mar atraído pelas cores. Com o tempo ele foi percebendo o aumento da quantidade de plástico e tecido que encontrava, e isso pesou na sua consciente.
— Eu acredito que eu tenho um papel importante nesse questão, as vezes eu não acredito muito. Mas eu fui o primeiro a juntar o lixo, de fazer roupa. De fazer um terno de jornal. Ninguém nunca falou isso, eu criei da minha cabeça. Lá na galeria do Beto, aqueles homens importantes iam tudo de ternos caríssimos. Porque eu não poderia ser feliz com um terno de jornal? E sem pagar nada. Sendo diferente, me transformei em um artista. Cada vez mais eu descubro que a simplicidade me facilita e me deixa mais feliz — finaliza Valdir.
Reconhecimento
Durante a entrevista, feita no ateliê de Valdir, no pé do Morro da Barra da Lagoa, uma surpresa: Gerry, da banda Dazaranha, foi parabeniza-lo pelo espetáculo. A visita inesperada chegou no exato momento que Valdir falava sobre se reconhecer como uma figura importante na cultura da cidade. A resposta não foi respondida por ele, mas pelo percussionista:
— Sabe o que é pertencimento? Tu pertence as pessoas. As pessoas sentem como se tu fosse delas. Tu é um patrimônio nosso, da Ilha. Infelizmente o reconhecimento financeiro não está ligado ao valor pessoa, espírito. Mas acho que o poder público deveria tratar pessoas do teu nível e da tua entrega com mais atenção. Não é qualquer um que pega um pedaço de plástico ali na rua e pensa num resignificado para ela. Mas não é só isso, você está pensando em mudar o mundo.
Continua depois da publicidade
Serviço
A Vida é Uma Festa – Com Valdir Agostinho E Bernunça Eletrica
Endereço: Avenida Governador Irineu Bornhausen, 5600, Florianópolis – SC
Quando: 1º de novembro de 2019, a partir das 20h30
Ingressos: Site Ingresso Nacional
Classificação: 12 anos, acompanhado de maior
Estacionamento: Sim