O cenário econômico está favorável ao aumento do número de negociações de fusões e aquisições, mostram estudos variados. Em momentos históricos em que predominam as instabilidades e quando há dificuldades crescentes de muitas empresas de se manterem ativas e competitivas, surgem, igualmente, oportunidades de transações em diferentes segmentos. Claro que a decisão final de compra ou não depende de fatores múltiplos.

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A segurança jurídica, a estabilidade econômica, a previsibilidade das regras do jogo e uma clara política macroeconômica ajudam a encaminhar posicionamentos. Especialmente os das companhias que estão à captura de um novo negócio para crescerem. De parte dos eventuais vendedores, as incertezas sobre resultados e o enfraquecimento de sua estrutura e importância no setor em que atuam só contribuem para desvalorizar seus ativos.

É natural, então, que as circunstâncias inevitavelmente favoreçam uns em desfavor de outros. Sempre é assim. Muitas vezes, a aquisição pode tornar excessivamente poderoso o grupo proponente de compra. Nestes casos, os órgãos reguladores da concorrência fazem análises mais aprofundadas sobre os impactos de uma possível transação pretendida.

Em situações nas quais o processo de concentração de mercado se revele excessivo, o órgão que cuida disso no Brasil, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), pode aprovar transações mediante condicionantes para não prejudicar concorrentes. Ou até mesmo rejeitar por completo a intenção das duas partes que querem fechar negócio e impedi-lo.

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Nesta entrevista, a advogada Juliana Martinelli, uma das dez mais reconhecidas e destacadas profissionais dedicadas ao direito societário do País, aborda temas variados, desde o ambiente macroeconômico até como empresas devem se portar no processo de negociação quando se colocam na perspectiva de venda. Confira:

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A Notícia – Vivemos um momento crítico da economia brasileira. Como a senhora enxerga o ambiente?

Juliana Martinelli – É um momento emblemático para o nosso País. A nossa geração vive algo inédito. Nunca tivemos casos de corrupção de tamanho impacto. Estamos expostos a sérios desafios. Basta ver os escândalos que se sucedem. Dois são exemplos disso: as operações Lava-jato e a Zelotes. Vivemos as dores do parto. Isso tudo tem um ensinamento: o de que é preciso tirar a ideia de que o jeitinho resolve.

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AN – Onde está o maior problema na sua avaliação?

Juliana – É claro que há uma crise brutal de desconfiança. Esse ponto é fundamental. Temos de recuperar a confiança.

AN – Em razão da situação conhecida, como os investidores estrangeiros percebem o Brasil? Qual é a sua análise?

Juliana – Para o investidor estrangeiro, o Brasil está barato. Tanto pelo fator câmbio – o dólar gira ao redor de R$ 3,20 – como pelo interesse crescente dos empresários brasileiros em se desfazerem dos negócios aqui.

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AN – Os brasileiros então procuram negócios lá fora?

Juliana – Está aumentando o número de empresários brasileiros que querem internacionalizar seu patrimônio. Este é o dado fundamental, em razão da realidade. Repito: há empresários interessados em colocar seus bens no exterior. Isso significa que negócios que antes não estariam, agora estão à venda. Em alguns setores, há maior interesse em vender. Por exemplo, nas áreas de tecnologia e de distribuição e varejo, as buscas por movimentações são significativas.

AN – Há fatores que estimulam os empresários nacionais a desejarem ir para o exterior?

Juliana – Há possibilidade de mudar a regra envolvendo a distribuição de juros sobre o capital próprio por parte das companhias, prejudicando os acionistas. Este é um ponto.

AN – A senhora acredita que virá a taxação sobre fortunas, algo muito falado há algum tempo? Isso também gera fuga?

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Juliana – É menos provável que isso ocorra. Não acredito. O que deve acontecer é maior cobrança de impostos sobre heranças e doações. Isso, sim! Temos convicção de que isso vai acontecer. Neste ponto, é muito mais questão de quando e de como isso vai acontecer do que de se vai acontecer.

AN – Como anda o mercado de fusões e aquisições?

Juliana – Percebemos que muitos empresários estão interessados e buscam comprador. Ou para vender mesmo ou para encontrar empresa de perfil semelhante para uma negociação.

AN – Que fatores devem ser considerados no desenho das operações de fusões e aquisições?

Juliana – Muitas operações são desenhadas com o objetivo de se achar investidor estratégico ou procurar recursos financeiro e aporte de tecnologia para modernizar a companhia. Uma frase caracteriza o momento: a crise serve como uma peneira a identificar que tipo de empresa se sustenta ou não.

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AN – Atualmente, há mais negócios de fusões e aquisições do que em tempos anteriores?

Juliana – O número de operações concretizadas no Brasil caiu 6% entre janeiro e maio deste ano na comparação com o mesmo período do ano passado. As incertezas sobre a política e sobre os rumos da economia foram os motivos principais. No entanto, é alto o volume de propostas de fazer due dilligence, espécie de verificação detalhada de todos os processos, contas, ativos e passivos da companhia que se coloca à venda. Triplicou o número dessas análises. Mas nem tudo vira fechamento.

AN – Como deve agir o empresário ao expor sua empresa à venda?

Juliana – Gosto de uma expressão que nós usamos: é necessário “vestir a noiva” para esses casos. O empresário vendedor deve fazer muito bem sua própria due dilligence interna antes de se oferecer ao mercado. Isso é importante para o investidor que pensa na compra. Ele quer, naturalmente,conhecer tudo da empresa, detalhadamente. Muitas negociações e possíveis vendas não dão certo justamente porque isso não é tão bem feito assim.

AN – Que fatores o empresário vendedor tem de considerar para atrair comprador?

Juliana – O vendedor tem de compreender que deve considerar essencial preparar-se corretamente para este momento. Do ponto de vista do comprador, há pelo menos quatro elementos a merecer absoluta atenção ao se negociar: a governança, a cultura empresarial, o lado financeiro com passivo e ativo e o mercado no qual se insere a companhia.

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AN – Há muitos processos de fusões e aquisições em andamento no escritório da Martinelli atualmente?

Juliana – O nosso escritório está envolvido em 20 negócios. A grande maioria é de companhias localizadas na região Sul do País. Mas há também no Rio de Janeiro e na região Sudeste. Nada que se possa divulgar.