O uso de uma quadra de esportes por duas crianças autistas e os familiares delas causou polêmica na noite deste domingo (7), em Florianópolis. Eles estavam utilizando a arena pública da Beira-Mar Continental, no bairro Estreito, quando um grupo de frequentadores questionou o fato de eles não estarem praticando futevôlei, que seria a modalidade a ser praticada “preferencialmente”, segundo informa uma placa fixada no local.

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A bacharel em Direito Laryssa Christine de Souza Smith, mãe de um dos meninos, explica que as duas famílias estavam brincando com bola na quadra por volta das 19h, quando a presença deles teria “causado estranheza” a um grupo de pessoas que aguardava para jogar futevôlei no espaço.

– Eles começaram a questionar que a forma como a gente estava jogando não era a que podia jogar naquela quadra, que a bola que estávamos usando não era a adequada para futevôlei. Eu ainda fui muito educada, eu falei: a gente já está terminando. E realmente, nós estávamos cansados, a gente estava para sair da quadra. Mas o que aconteceu (depois) foi uma sucessão de falta de respeito, que, aí sim, nos fez ficar ali até a polícia chegar – conta.

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Segundo ela, uma das pessoas presentes chegou a chutar a bola da família para o meio da avenida, no meio dos carros, fazendo com que eles tivessem que deixar as crianças para ir buscar o brinquedo. Os frequentadores chamaram até a Guarda Municipal de Florianópolis (GMF) para resolver a situação.

Laryssa afirma que quando a Guarda chegou ao local, teria agido de forma despreparada por não reconhecer que pessoas com deficiência têm direito de usar todos os espaços de forma adaptada. Os agentes teriam dito inclusive que os familiares “estavam usando da deficiência das crianças para não cumprir a regra (sobre uso da quadra)”, o que revoltou os pais.

– Mesmo que não fosse futevôlei, é um direito usar um espaço público. Se eu estou com uma bola na quadra, eu estou ali brincando, é meu direito. E a Guarda também não teve esse tato e não quis compreender o nosso lado – afirmou.

Menino perguntou se seria preso

A mãe explica que a placa afirmava que a quadra era para prática preferencial de futevôlei, mas não exclusiva, e defende que faltou preparo dos agentes.

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– Em muitos momentos, nossos filhos que são autistas não estavam jogando, pelo contrário, eles corriam para fora, um ou outro ia lá, buscava. Essa é a forma que o autista participa do meio. Ele não vai jogar uma hora completa de futevôlei. A gente precisa entender que precisamos nos adequar às necessidades específicas daquela pessoa, não é como a sociedade impõe. A gente estava socializando em um espaço público, jogando bola, entre nós, que também são momentos raríssimos de lazer – explica.

Laryssa conta que o filho da amiga dela, uma criança também autista, de 16 anos, ficou muito assustado com a situação e a abordagem dos guardas.

– Ele perguntava a todo momento se a gente achava que ele ia ser preso. É uma pessoa que, de fato, tem dificuldade de compreender algumas ações e que aquilo pode gerar algum trauma. Ele estava entendendo como se fosse um risco à família dele – alerta.

Guarda Municipal vai fazer treinamento sobre o tema

Placa na quadra informa sobre uso
Placa na quadra informa sobre uso “preferencial” para futevôlei (Foto: Tiago Ghizoni, Diário Catarinense)

O secretário de Segurança Pública de Florianópolis, órgão ao qual a Guarda Municipal de Florianópolis é subordinada, Araújo Gomes, afirma que vão ser feitas diligências para entender o que ocorreu considerando também o relato das famílias. No entanto, ele reconhece que o foco principal da equipe está em trabalhar melhor nessas situações futuramente.

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O município pretende aproveitar projetos de inclusão como o Pró-Autismo Floripa para melhorar o desempenho da Guarda Municipal nessas ocorrências.

– Em primeiro lugar, vamos analisar minuciosamente a ocorrência para entender porque o desfecho não foi satisfatório ou a repercussão foi ruim. Com base nisso, vamos baixar um procedimento específico para lidar com situações envolvendo pessoas com autismo. Esse procedimento vai gerar um treinamento ainda esta semana com apoio da Polícia Militar, que já tem expertise nessa área, com apoio dos técnicos da prefeitura que lidam com o tema e também com famílias, inclusive aquelas que estavam envolvidas nesse incidente – afirmou Araújo Gomes.

No mês que vem, quando ocorre a campanha de sensibilização sobre temas ligados ao autismo Abril Azul, a GMF também pretende desenvolver projetos educativos e de sensibilização para orientar a população. Segundo o secretário, isso seria importante porque o caso deste deste domingo segundo ele “ocorreu por demanda de terceiros, de pessoas que não perceberam o caráter especial daquelas pessoas”.

Placa vai alertar sobre prioridade a pessoas com deficiência

Sobre a placa instalada no local informando que o uso da quadra é preferencial para prática de futevôlei, o secretário afirma que será colocado um novo informativo alertando para o caráter excepcional da prioridade de uso por pessoas com deficiência. Uma reunião também deve ocorrer com as famílias envolvidas para discutir o caso ocorrido.

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– Achamos que a percepção (das famílias) será fundamental na rediscussão de protocolos de treinamentos – pontuou o secretário.

A mãe de um dos meninos, Laryssa, diz que esse foi o principal intuito da postagem feita sobre a ocorrência deste domingo.

– Eu vejo que a situação foi, sim, infeliz, mas que ela pode servir para um lado positivo para a sociedade, principalmente para pessoas com deficiência. Essas situações infelizes quando vêm a público e repercutem nas redes podem, sim, ser positivas para reverter a situação e para que aquilo não ocorra novamente. Tenho certeza que a Guarda Municipal vai fazer isso – confiou.

* Colaborou André Zanfonatto, da NSC TV

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