Um dos saldos positivos das delações dos ex-executivos da Odebrecht e o fim do sigilo judicial sobre elas é que nunca alguém vai poder dizer “é só caixa 2”. A revelações, mesmo que ainda pendentes de investigação e comprovação, descortinam a relação promíscua entre a empreiteira e a classe política – e não tenhamos ilusões de que o modus operandi seja muito diferente com outras empresas acostumadas ao generoso patrocínio da nossa democracia.

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Como surge nas delações, o antes menosprezado caixa 2 é exposto como a droga que viciou nosso sistema político-eleitoral. Em um de seus depoimentos, o ex-presidente da Odebrecht Ambiental, Fernando Reis, faz uma análise muito clara sobre os efeitos que essa prática continuada teve sobre a relação com os eleitos. Segundo Reis, “estas doações se distorceram e passaram a ser majoritariamente uma forma de ter ‘porta aberta’ com os políticos, sendo esta relação de certa forma banalizada, passando a ser natural apresentar aos políticos uma ampla agenda de interesses e esperar que fossem atendidos, tendo em vista a ‘boa relação’ existente”.

O delator prossegue, completando o raciocínio: “Com a naturalização desta relação, fica até mesmo difícil separar interesses (agendas) legítimos dos ilegítimos, mas é certo que a relação em si tinha passado as fronteiras de uma relação republicana, passando a ser regra do jogo o apoio mútuo de interesses, círculo vicioso que se retroalimentava”.

Nos casos que envolvem personagens catarinenses, o que se vê é uma relação em que às vezes a iniciativa da doação irregular parte do candidato e às vezes parte da própria empreiteira. Os casos de Navegantes e Imbituba são emblemáticos. O delator Paulo Welzel, responsável pela Odebrecht Ambiental na região Sul, percebe nas duas cidades a possibilidade de uma parceria na área de saneamento e procura os candidatos favoritos para ofertar sua generosidade. Em Blumenau, onde a empresa já opera, também teria procurado os três candidatos competitivos para garantir a tal “boa relação”.

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No caso que envolve o governador Raimundo Colombo (PSD), a iniciativa dos pedidos de doação teria partido do candidato. Mesmo assim, não há nas delações nenhuma frase em que Reis ou Welzel digam que o catarinense prometeu vender à Odebrecht parte das ações da Casan ou mesmo toda a estatal. Era um tema dentro da “agenda de interesses” de ambos e os ex-executivos esperavam obter vantagem após tanta generosidade. Se Colombo tivesse levado em frente a venda de 49% das ações da Casan, como tanto defendeu no início de seu mandato como forma de melhorar o desempenho da companhia, hoje seria impossível separar interesses legítimos ou ilegítimos.

O exemplo catarinense é muito pequeno diante de uma República quase desmoronada, mas ajuda a entender como a promiscuidade entre líderes políticos de todas as matizes ideológicas e seus financiadores ocultos ajudaram a macular todo o sistema. Nunca foi e nunca será apenas caixa 2.