Sob pressão da opinião pública, a União Europeia (UE) é a principal trincheira de resistência ao avanço dos transgênicos. Nas lavouras dos 28 países do bloco, a área cultivada com sementes geneticamente modificadas mal chega a 130 mil hectares, o equivalente a uma extensão só um terço maior do que o Brasil dedica ao amendoim.

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A aparente aversão aos organismos geneticamente modificados (OGMs), no entanto, não representa risco à agricultura brasileira. A desconfiança se reflete mais em barreiras ao plantio do que no apetite dos importadores. A UE é a segunda maior importadora de soja brasileira, só atrás da China. Panorama semelhante é verificado no destino das remessas gaúchas. Entre os 15 principais clientes, seis são países europeus. Para a diretora-executiva do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB), Adriana Brondani, a postura europeia é contraditória:

– O consumidor tem uma postura ideológica muito forte, e os governos acabam assumindo essa posição não muito honesta no sentido de não permitir o cultivo, mas por outro lado importar transgênicos pela necessidade.

Dados do Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Agrobiotecnológicas mostram que na Europa existem 67 variedades de transgênicos com algum tipo de aprovação, principalmente para importação (veja ao lado). Só é permitido o plantio de um tipo de batata da Basf – que não é praticado -, e um de milho da Monsanto, que é autorizado em Portugal e Espanha, mas proibido em países como Alemanha e Itália por possíveis ameaças à biodiversidade.

A relutância de parte de consumidores da Europa e do Japão também abre oportunidades. Apesar do domínio dos transgênicos, o Brasil é o maior produtor mundial de grãos convencionais, segundo a Associação Brasileira de Produtores de Grãos Não Geneticamente Modificados.

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Grão convencional voltará a ter espaço

Enquanto consultorias estimam que a área de soja convencional seja inferior a 10%, a Associação Brasileira de Produtores de Grãos Não Geneticamente Modificados (Abrange) acredita em extensão de até 20%.

– A busca está muito forte na Alemanha, França, Escandinávia, Inglaterra, Japão e Coreia do Sul. Muitas empresas já fazem a rotulagem positiva. Colocam no rótulo que aquele frango, por exemplo, comeu ração de não transgênicos – diz Ricardo Sousa, diretor-executivo da Abrange.

Especialistas apostam que a soja convencional pode recuperar parte da área perdida, até no Estado, pioneiro no cultivo dos transgênicos no país.

Membro do Comitê Estratégico Soja Brasil, o gaúcho Décio Gazzoni, pesquisador da Embrapa de Londrina (PR), entende que a área com soja geneticamente modificada no Brasil “bateu no teto” e, daqui para frente, a procura por semente não transgênica pode crescer:

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– Devido à resistência de plantas daninhas ao glifosato em determinadas lavouras ou regiões, pode ser preciso uma rotação de material genético.

Para o engenheiro agrônomo da Emater Alencar Rugeri, o produtor percebe que a vantagem da soja transgênica, em razão do manejo facilitado, aos poucos, fica menor devido à adoção prolongada de uma única tecnologia.

Até na Monsanto – que também vende sementes não transgênicas – há a opinião de que a soja convencional pode ter espaço.

– É um balanço entre oportunidade de mercado e necessidade agronômica – diz Geraldo Berger, diretor de regulamentação da Monsanto no Brasil.

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Pouca opção

A União Europeia permite o plantio de duas variedades de sementes transgênicas. Uma é o milho MON 810, da Monsanto, e o outro é a batata Amflora, da Basf. A autorização para o plantio do milho da multinacional americana varia conforme o país.

Onde há restrição

Itália, Hungria, Luxemburgo, Grécia, Áustria, Polônia e Alemanha

Onde é permitido

Espanha, Portugal, República Checa, Romênia, Eslováquia e França

Entrevista

O botânico suíço Klaus Ammann esteve esta semana no Brasil. Ex-membro do comitê de biossegurança da Suíça e da Federação Europeia de Biotecnologia, considera uma hipocrisia a postura do continente de resistência aos transgênicos.

Por que a Europa é resistente aos transgênicos?

Existem várias razões. A primeira é que as ONGs são bem organizadas. Eles escolheram o lema anti-organismos geneticamente modificados e pensam estar lutando por uma boa causa, mas na verdade, estão lutando contra a ciência. Há, porém, um dado interessante sobre a opinião pública. Se perguntasse a um europeu se gostaria de comer um alimento transgênico, ele diria que não. Mas à frente das prateleiras, não se importa.

Por que alguns países da Europa importam mas não plantam transgênicos?

Economicamente, a Europa precisa de soja geneticamente modificada. A maioria das pessoas não está ciente de que nós, europeus, importamos grande quantidade de soja e milho. É hipocrisia. Por que achar que transgênicos não são bons para plantar mas são para comer e alimentar o gado? A economia mudará essa atitude. A Europa logo perceberá que não pode sustentar uma agricultura altamente subsidiada.

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Existe uma resposta definitiva sobre a segurança dos transgênicos quanto ao consumo?

Sim, são seguros. Existem milhares de estudos em todos os setores e eles não mostraram efeitos negativos. Nada.

E ameaças à biodiversidade?

A agricultura sempre foi inimiga da biodiversidade, transgênica ou não. Mas, como você pode ter maior produtividade e menor uso de herbicidas e pesticidas em cultivos transgênicos, há a chance de preservar mais a biodiversidade.