A força do episódio que relata este texto deve ser mensurada com a utilização de uma velha estratégia: pôr-se no lugar. No caso, imagine-se um venezuelano. A principal TV privada do país teve sua licença cassada, e a emissora pública passou a transmitir telenovelas, com enredos feitos sob encomenda para mostrar um país exuberante.

Continua depois da publicidade

Exemplo hipotético: em vez de Salve Jorge, uma novela com todas as características do gênero, mas repleta de cenas politicamente direcionadas é veiculada em horário nobre, buscando captar a preferência nacional.

Pois isso está ocorrendo desde 29 de outubro na Venezuela. A emissora RCTV, cuja concessão não foi renovada pelo governo venezuelano em 2007, havia 53 anos era o canal das telenovelas. Cinco anos depois de ela ter sido tirada do ar, a emissora pública que a substituiu, a TVES, colocou no ar a primeira trama do gênero: Teresa em Três Estações, cujos 40 episódios de 30 minutos vão ao ar às 21h, de segundas a sábados, com as histórias de María Teresa de 48 anos, Cruz Teresa, 28, e Ana Teresa, 18. Diz a divulgação da emissora: “São três mulheres cujas vidas se veem marcadas pela criação do sistema de transportes mais importante do país. Uma histórica dinâmica, emotiva e cheia de esperanças”.

Dinamismo, emotividade e esperança. O governo venezuelano tenta vender ao público esses sentimentos em um momento delicado. O presidente Hugo Chávez, que já passou por três cirurgias para retirar um câncer, foi reeleito em 7 de outubro para fechar 20 anos no poder. Só que seu adversário, Henrique Capriles, chegou a 44,13%. Parece pouco, mas é a primeira vez, depois de anos, que a oposição se fez presente. Aliás, presente é o que o presidente não tem sido. Na semana passada, foi a Cuba para tratamento médico, deixando uma desconfiança acerca de sua saúde. No governo, fez mudanças. A principal delas foi a colocação do ex-chanceler Nicolás Maduro, um chavista de extrema confiança, como vice-presidente, o homem que o substituirá em caso de necessidade.

Analista critica “onipresença” cotidiana do presidente

Continua depois da publicidade

O Ministério das Comunicações não parece ter muitos pruridos ao definir a novela remetendo à ideia de propaganda oficial: trata-se da história de “três mulheres lutadoras” de nome Teresa, que querem mudar de vida “à medida que o país cresce e lhes oferece oportunidades para melhorar de vida”.

– Nosso objetivo é refletir o momento épico que está vivendo este país, que se move – resume a diretora da novela, Delfina Catalá, fazendo coro com o governo, que investiu US$ 4 milhões no projeto (o presidente, um aficionado por novelas, escolheu até mesmo cenários onde ocorrerão as tomadas externas, segundo Catalá).

– Como em tantas outras facetas da vida cotidiana, a onipresença de Hugo Chávez é mais norma que exceção. O presidente quer que sua TV transmita telenovelas, mas não qualquer telenovela. Para que um folhetim que se preze possa ser transmitido pela TV bolivariana, deve ser um folhetim socialista – diz o historiador Carlos Malamud, especialista em América Latina do espanhol Real Instituto Elcano de Estudos Internacionais e Estratégicos.

Cenário é trecho de ferrovia construída pelo presidente

O universo principal da novela Teresa em Três Estações é um trecho do sistema de trens que liga Caracas à região metropolitana, obra estratégica do governo. Com o folhetim, Chávez tenta subir a audiência dos tradicionais 2% que a TVES (Televisora Venezolana Social) mantém, em média. Por ora, não há aferições a respeito da novela. A RCTV atingia entre 40% e 50% de audiência – hoje, pode ser vista apenas pela internet.

Continua depois da publicidade

Aliás, desde a estreia de Teresa no Canal 2, o clima na antiga emissora é de indignação e tristeza.

– A qualidade dessa nova novela não se compara com a das nossas, que não tinham o objetivo de fazer propaganda para o governo – diz uma funcionária da RCTV, que não quis se identificar.