No fogão a lenha, a oma prepara o aipim e o marreco recheado para o almoço. No lado de fora da casa, pai e filho tratam os peixes da lagoa que compõe a paisagem diária da família e observam os outros animais criados no quintal. A família mora no interior da Vila Itoupava, o distrito conhecido como a região mais germânica de Blumenau. Nesse ambiente, o alemão é idioma presente nas conversas há pelo menos três gerações. Esse apego à linguagem e à tradição é o que permitiu que o pequeno Pablo Mickael Siewerdt, mesmo com apenas seis anos, também já dominasse o idioma antes mesmo de começar a estudar.
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Fortalecer a relação de proximidade com o alemão, comum em famílias da Vila Itoupava, é uma das metas da Semana de Língua Alemã, que ocorre de 5 a 13 de abril em todo o país, mas com diversas ações em Blumenau, Joinville e outras cidades do Estado).
Com a mãe de Pablo, a agricultora Roseane Klabunde Siewerdt, 32, essa relação com o alemão desde cedo ocorreu exatamente igual. Ela conta que quando era criança, todas as conversas em casa até ela ir para a escola ocorriam em alemão. O contato com o português veio somente com os professores e colegas de escola, e a adaptação não foi das mais fáceis. O relato é comum entre moradores da Vila Itoupava, onde famílias de imigrantes alemães sempre fizeram questão de manter viva a língua desde o início da educação dos filhos. Um hábito que ajuda a manter vivo o idioma alemão no dia a dia da população de toda Blumenau.
Foi esse mesmo desejo de manter vivas a tradição e a cultura que fez Roseane e o marido Joacir conversarem com o filho Pablo desde pequeno em alemão e em português.
– Repassar essa tradição é muito importante. Além disso, todo lugar hoje em dia pede outros idiomas e se eles aprendem desde cedo, fica mais fácil – conta o pai de Pablo.
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As conversas e brincadeiras no idioma germânico surtiram efeito. Hoje, o menino até prefere usar o idioma da terra dos ascendentes para falar sobre quase tudo. O alemão está presente nos ensinamentos passados pelo pai sobre o trabalho deles na agricultura e criação de animais.
O idioma aparece também nos hábitos, como a Osterbaum feita na entrada de casa para esperar a Páscoa, e na herança cultural. Joacir é músico e toca instrumentos como trombone e trompete em bandas alemãs. Pablo já assistiu a apresentações do pai e começa a despertar interesse pela música germânica.
Aprendizado em mão dupla
Essa relação entre o alemão e o povo também ocorre de forma inversa. O mecânico Rogério Marcos Cipriano, 32, veio do Rio de Janeiro há 12 anos para morar na Vila Itoupava. A esposa até falava alemão com os pais, mas o idioma sempre foi algo distante para Rogério até que a filha Raiane, cinco anos, começasse a estudar na escola do distrito, no começo deste ano. A pequena tem duas aulas de alemão por semana e já aprendeu algumas lições, que com entusiasmo transmite ao pai à noite, quando ele chega em casa.
– Ela aprendeu as cores, os números, algumas músicas, e tudo que ela aprende ela gosta de falar e repetir em casa. Eram coisas que eu não conhecia e que agora vou aprender junto. Acho que isso é bom para o desenvolvimento dela, principalmente porque ela está gostando muito – avalia o pai.
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Escola bilíngue renova vínculo da nova geração com o alemão
Pablo e Raiane estudam na mesma escola, que inclusive leva o nome do bisavô de Pablo: a Erich Klabunde, na Vila Itoupava. Desde o começo do ano a instituição é uma das duas escolas da rede municipal que passaram a ter turmas com ensino bilíngue. Os 23 alunos do 1º ano têm aulas de todos os assuntos com uma professora que apresenta o conteúdo em português e outra educadora que busca interagir com explicações complementares em alemão. As primeiras aulas até agora estiveram voltadas ao aprendizado dos dias da semana, meses, cores, partes do corpo e conversas básicas, com foco especial neste primeiro período na oralidade.
Por mais que muitas crianças já tenham contato com a linguagem germânica em casa com os pais e avós, o alemão falado pelos moradores, chamado de dialeto, é bastante diferente do alemão padrão. A intensão do projeto é aproximar cada vez mais os alunos da escrita e do chamado idioma padrão.
– Aos poucos eles vão mudar o repertório, vão passar a falar de uma forma diferente, mas esse processo ocorre de forma natural e espontânea – conta a coordenadora curricular Rosimeli Zech Matias.
A troca de experiências é a principal contribuição do formato de ensino bilíngue, na avaliação da diretora da escola, Adriane Sasse Eichstadt.
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– Esta era a expectativa da comunidade e o objetivo é este, de levar a língua padrão para quem já tem o dialeto – pontua a diretora.
Semana da Língua Alemã busca manter riqueza da cultura local
Há diferenças entre o alemão aprendido em casa com as famílias, e o que é ensinado em uma escola de idiomas, por exemplo. Quando as lições vêm no dia a dia familiar, o significado é aprendido de uma forma mais afetiva, associando as palavras aos objetos e à convivência com os pais. Já na escola, o ensino costuma ser mais voltado ao chamado alemão padrão.
Estreitar os laços da população com as formas de aprender o idioma germânico é o objetivo da Semana da Língua Alemã. A iniciativa envolve as embaixadas de países que têm o alemão como língua oficial: Alemanha, Áustria, Bélgica, Luxemburgo e Suíça. A programação inclui diversas ações.
O cônsul honorário da Alemanha no Brasil em Blumenau, Hans Dieter Didjurgeit, explica que o objetivo da semana especial é dar novas oportunidades e divulgar a cultura dos países:
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– Nossa região é privilegiada pelo contato que muitos jovens têm com idioma nas famílias desde cedo. Temos aqui uma cultura alemã muito forte e a língua é fundamental para manter essa riqueza – avalia.
Muita gente se apoia em uma máxima de que é difícil aprender alemão para adiar um maior aprendizado do idioma. Para essas pessoas, o cônsul da Áustria, Mauro Kirsten, tem uma resposta, que soa até mesmo como incentivo. Ele foi aprender a linguagem germânica aos 53 anos, para mais tarde poder assumir o desafio de se tornar cônsul. Hoje, diz ter um compromisso diário com a língua alemã na rotina.