Mulheres que desempenham o papel de mães e esposas tendem a ser mais frustradas do que as que conquistaram o mercado de trabalho? E a plenitude feminina está mesmo em acordar de madrugada, levar os filhos para a escola, sair para trabalhar, discutir longamente o futuro da empresa, correr para a academia, encarar a segunda jornada de trabalho doméstico e nunca, nem por um segundo, deixar a vaidade de lado?

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Se a sua resposta para as duas perguntas for “não” é provável que você já nem encare mais esses tipos de perguntas como questões de gênero. Mas o dilema persiste. E entre flores, presentes e homenagens, a discussão é retomada a cada Dia da Mulher.

Em uma entrevista à revista Veja desta semana, a escritora Camille Paglia, autora do livro Personas Sexuais – Arte e Decadência de Nefertite a Emily Dickinson, vai direto ao ponto:

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-O máximo que uma mulher jovem e bem colocada na carreira tem a oferecer é uma instigante conversa sobre trabalho ou um empolgante almoço de negócios. É um tédio conversar com elas-, diz Camille, que é conhecida pela crítica ao feminismo.

Concordar ou discordar da polêmica afirmação não resolve o dilema. Talvez a melhor saída seja uma nova pergunta:

-E então é isso que um homem jovem bem-sucedido na carreira tem a oferecer?

Na mesma entrevista, Camille diz que é um dilema terrível quando as mulheres aspiram a ter filhos e carreira – um dilema que não afeta os homens.

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-Não por uma questão de discriminação da sociedade, mas simplesmente porque a natureza escolheu deixar o enorme fardo da gravidez para as mulheres-, diz ela.

Os estudos de Betsey Stevenson e Justin Wolfers, pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, que foram tema de reportagens no Brasil, uma delas da revista Época, mostram um cenário de crescente sentimento de tristeza entre as mulheres.

Mas as entrevistas realizadas com 1,5 mil homens e mulheres desde 1972 também mostram que os homens não estão longe no quesito insatisfação com a vida atual. Mesmo diante de oportunidades de trabalho, possibilidades de educação e, sobretudo, liberdade para decidir sobre a própria existência, a vida tornou-se complexa – para homens e mulheres.

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Historiador enxerga “frustração de vidas arruinadas pela pressa”

Apolinário Ternes, escritor e historiador

Camille Paglia, escritora americana e intelectual que gosta de espinafrar o feminismo, está nas amarelas da revista Veja dizendo poucas e boas: “As mulheres pedem aos homens que eles sejam o que não são e, quando eles se tornam o que não são, elas não os querem mais”. Fulminante, certeira, quase cínica. Mas é o que acontece, sem tirar nem pôr.

O feminismo das décadas de 1960 em diante está colhendo frutos. Um mundo de valores femininos está “apagando” a masculinidade do mapa, diz a moça, do alto de seus 66 anos de políticas afirmativas.

O mundo feminino de hoje não é nem um pouco melhor do masculino dos últimos três milênios. É efeminado, sim, das novelas à política, da escola às empresas. Mas é tão falso quanto o outro. Machista às avessas.

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Falsificado do começo ao fim. Talvez a caminho da bissexualidade, como insistem os novelistas brasileiros. E para o gosto de Camille, que “aprecia” mulheres.

O endeusamento do corpo e do sexo não poderia chegar a outro lugar: o empobrecimento das relações entre homens e mulheres. Elas querem o papel de comando dos homens, mesmo que isto signifique a esterilização de suas vidas, consumidas numa guerra pelo dinheiro e o poder.

As mulheres, a custo altíssimo, avançam, mesmo com retrocessos na qualidade de suas vidas. Estão se tornando ansiosas, competitivas e desinteressantes. Estressadas e tediosas, diz Camille. As jovens mulheres chegam aos 25 anos adolescentes, aos 45 já não chamam a atenção, reclamam muitas. O feminismo encurtou “a vida útil” de milhões de pessoas do sexo frágil.

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Mulheres bem-sucedidas continuam miragens do mundo capitalista. Subordinam casamento e maternidade ao sucesso e, ao final, alcançam a frustração de vidas arruinadas pela pressa. Vivem a angústia de terem perdido o fascínio de vidas partilhadas em companheirismo, de forma a colherem, no futuro, o patrimônio das emoções duradouras.

Poderosas, elas estão perdendo o sabor da feminilidade e do mistério de ser mulher. Estão se isolando no mundo masculino por excesso de ambição, comando e confiança. Encurralam os homens na cultura gay, que se alastra mundo afora.

No Brasil, sob a pressão dos autores de novelas. Ora pelo gay mau, ora pela mulher que se apaixona por outra, como agora. Para a perplexidade de milhões de pessoas inseguras e atônitas com os “valores” da modernidade. Não era bem isso o que elas queriam, mas é o que o mundo e a vida lhes oferecem. O prêmio da emancipação.

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Advogada diz que discriminação e machismo ainda persistem

Cynthia Maria Pinto da Luz, advogada

Eis aqui uma pergunta muito instigante e que merece todo cuidado ao ser respondida: tantos anos pós-feminismo e as mulheres parecem continuar a viver em conflito diante de seus diversos papéis. Há solução à vista? Foi assim que a revista se reportou à escritora americana Camille Paglia nesta semana, abordando um tema sensível e que diz respeito à vida das mulheres em todo o mundo.

Ao contrário do que seria esperado, ao menos pelas mulheres que leram a entrevista, a resposta veio recheada de pessimismo, críticas inadequadas à vida de artistas estadunidenses e uma torrente de elogios à cantora Daniela Mercury, porém nenhum comentário merecedor de reflexão e credibilidade no que diz respeito à importância da pergunta que lhe fora feita.

Não acredito que os problemas que assolam a vida de uma mulher que opta tanto pela maternidade quanto por uma carreira profissional possam ser relegados às peculiaridades da natureza humana. Até porque gravidez não é um fardo, mas as condições econômicas, políticas e sociais impostas às mulheres é que o são.

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A discriminação que secularmente vitimiza as mulheres é fruto de um sistema liberalista no qual se funda a cultura ocidental, em que, desde o início do patriarcado, o homem fez o mundo para si mesmo e a mulher, sua serva. É o que diz a antropóloga e patrona do feminismo brasileiro Rose Marie Muraro em seus inúmeros escritos.

Para Rose, uma das primeiras intelectuais a levantar o problema da mulher no Brasil moderno, se nos dias atuais não superamos todos os conflitos, mesmo após sangrentas lutas feministas pelo direito ao voto, ao trabalho e outros direitos fundamentais, é porque a discriminação e o machismo que orientam o mundo contemporâneo ainda persistem.

A octogenária antropóloga jamais preocupou-se com a textura dos braços de outra mulher ou sua aparência, mas com seus sofrimentos, com o debate sobre o aborto, a igualdade de gênero, a repressão à sexualidade, a violência física e psicológica contra a mulher, a luta contra o regime militar, o restabelecimento da democracia e tantas outras violações de direitos cunhadas pelo sistema.

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De fato, infelizmente os desafios abraçados pelo movimento feminista ainda não foram vencidos, mas acredito que muitas mulheres têm mais a dizer sobre isso do que a ilustre entrevistada.