Fazia um frio de doer em Florianópolis em junho de 1965, quando a cidade recebeu a turnê do ator Procópio Ferreira. Acusado de decadente pelos modernos, para os quais seu teatro era antiquado, Procópio havia sido o maior ator do país por mais de três décadas, o que era suficiente para causar alvoroço na pequena ilha, pouco acostumada a presenças ilustres.
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A aristocracia ilhoa viu ali boa oportunidade para aparecer. Rapidamente foi organizada uma comitiva de recepção e planejou-se a inauguração de uma placa comemorativa no Teatro Álvaro de Carvalho, a ser descerrada pelo cômico na noite da estreia. O prefeito ordenou ao diretor do TAC que fizesse o meio de campo com o artista e coordenasse a logística do paparico.
Na manhã de sábado o diretor mandou chamar Procópio no hotel para um passeio oficial. Governador e prefeito, suas excelentíssimas senhoras, médicos, juízes e socialites esperaram durante uma hora até que a estrela surgisse no saguão. Baixinho e narigudo, Procópio parecia ainda mais feio com a cara sonolenta e esboçava sorrisos forçados entre um bocejo e outro.
A alta estirpe desterrense espremeu-se ao redor de Procópio nas fotos tiradas na Catedral, no Palácio Cruz e Souza e na figueira da Praça XV. O astro era atencioso com os populares que o reconheciam, mas quando a comitiva chegou ao Ponto Chic ele não conseguiu mais esconder o mau humor para com a turma de baba-ovos.
Ao meio-dia Procópio suplicou ao diretor que o tirasse dali. Com a desculpa de que o cômico tinha que descansar o diretor arrastou-o para longe e ousou uma manobra arriscada. Levou-o para almoçar na casa de um amigo no Morro do Mocotó. Lá o ator foi recebido com simplicidade e fartura.
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Adorou a feijoada e recusou a cerveja, afinal tinha função dali a algumas horas, mas decidiu provar a cachaça produzida no Ribeirão, só pra esquentar. Logo Procópio estava falante, alegrando os convidados com piadas sarcásticas sobre a sociedade brasileira. Todos perceberam porque era ator tão gigante, pois transbordava carisma e inteligência.
Ao final do dia, o diretor percebeu o estado alterado do ator e viu que era hora de levá-lo para o hotel. O pessoal achou engraçado aquele homenzinho feliz descendo o morro, bêbado e trôpego, cantarolando sambas antigos com seu vozeirão.
Mas para frustração do jet set ilhéu o artista, totalmente sem condições, mandou cancelar a estreia. O diretor inventou que Procópio estava rouco devido ao vento sul. Os ingressos foram transferidos para o dia seguinte, quando enfim começou a temporada triunfante de Procópio Ferreira.
A cerimônia de descerramento da placa em sua homenagem nunca aconteceu, mas quem duvida da história pode ver a prova ainda grudada na parede do foyer do Teatro Álvaro de Carvalho, ao lado direito da entrada principal.
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*Renato Turnes é ator, diretor e produtor