Desde de 2011 marcando presença em festivais audiovisuais nacionais e internacionais, a Novelo Filmes tem no currículo produções que dão orgulho e motivam as três sócias que permanecem na produtora. Ana Paula Mendes, Cíntia Domit Bittar e Maria Augusta V. Nunes celebram, em 2020, 10 anos de inauguração da empresa, que mesmo com as adversidades e retrocessos que as artes enfrentam, conseguem motivos para celebrar.
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O mais recente trabalho “Baile”, de 2019, participou de 14 festivais e recebeu seis premiações, entre elas o de “Melhor Curta” no Festival Internacional de Cine de Cartagena de Índias 2020. E nesta semana, mais uma conquista, a aprovação do projeto de um longa contemplado no edital Prêmio Catarinense de CInema 2020. Esse poderá ser o primeiro longa da produtora que está com outros dois projetos dessa magnitude parados no momeno em virtude da pandemia e atraso do repasse de verba federal.
Na última década, as sócias estiveram presentes e lutaram pelo fortalecimento do setor engajadas com a política cultural e de entidades. Acreditando que o cinema realizado fora dos grandes centros e do tradicional eixo de produção é necessário, as três reúnem experiência e repertório para falar sobre a evolução do audiovisual em Santa Catarina e a importância da figura feminina no setor.
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Em 10 anos, quais mudanças foram mais perceptíveis no cenário audiovisual catarinense?
Cíntia: Há mudanças positivas e outras negativas. De positivo, a presença da cinematografia catarinense em festivais, canais de TV e streaming é muito maior e mais consistente. Isso é fruto do encontro de políticas públicas com talentos do setor. Também há uma diversificação maior nos formatos e linguagens aqui no estado, como na animação, nos games, no conteúdo infanto-juvenil, nas séries. Como outros estados fora do eixo Rio-São Paulo, aqui foi muito beneficiado por incentivos federais do FSA – Fundo Setorial do Audiovisual, ainda que o estado e prefeituras perderam muitas oportunidades de coinvestimento ao longo dos anos. Também tivemos anos em que ficamos sem editais estadual e isso causou descontinuidade. O mesmo ocorreu com edital municipal de Florianópolis. Hoje vivenciamos uma falta de perspectiva no âmbito federal devido ao conjunto de retrocessos nas políticas públicas e culturais, o que nos afeta diretamente.
Ana: Certamente as universidades tem um papel importante no cenário catarinense, pois muitos profissionais se formaram através delas nessa última década e foram inseridos no mercado local, renovando esse mercado nas suas várias regionalidades. Além disso, nos últimos anos acompanhamos o fortalecimento dos sindicatos estadualizados Santacine e Sintracine, e a formação de novas associações e setoriais do audiovisual em diversas cidades, que são organizações da sociedade civil para discutir e pautar políticas públicas para o setor.
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Quais os principais desafios para quem trabalha com cinema em Santa Catarina?
Maria: O principal desafio é conseguir ter estabilidade pela descontinuidade e as fragilidades de nossas políticas públicas a nível estadual. E com o caos que se instaurou nos importantes órgão de fomento federal, como o FSA e a ANCINE, os fomentos estaduais e municipais de fazem necessários para manter uma cadeia de produção sustentável.
Ana: Não é raro termos políticas de financiamento descontinuadas ou com valores que oscilam ano a ano, fazendo com que não seja possível a produtora ter uma previsibilidade mínima sobre quais projetos poderão concorrer ao recurso, e muito menos se haverá recurso disponível para se concorrer. Então esse é um dos desafios que encontramos, a cada ano é uma nova aventura.
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O que a pandemia causou para produção de cinema catarinense e qual o panorama para a retomada?
Cíntia: É importante frisar que a pandemia veio agravar uma crise pré-existente desencadeada pelo desmonte das políticas públicas federais a partir de 2016 e com muito mais força a partir de 2019. Mesmo crescendo a mais de 8% a.a. o audiovisual brasileiro vem sendo atacado por motivos ora ideológicos ora entreguistas, o que prejudica não só a cultura, mas a economia do país, visto que nossos índices a nível nacional já se equiparavam (ou superavam) a indicadores de tradicionais setores como o têxtil, farmacêutico, do turismo e automobilístico.
Ana: Florianópolis desde maio tem um protocolo sanitário para orientar a retomada, pois a produção de publicidade voltou à ativa ainda no primeiro semestre do ano. Aqui na cidade o protocolo foi publicado como uma portaria do executivo. Em outubro ele passou por uma atualização, já considerando alguns aprendizados. O panorama da retomada pro cinema e projetos de maior complexidade logística, no sentido de jornadas longas com semanas de filmagem, por exemplo, ainda é de muito aprendizado e desafios, financeiros e sanitários. Temos protocolo para balizar as decisões mas por muito tempo ainda seguiremos contando com a responsabilidade e o bom senso de cada um que compõe um set de filmagem.
A Novelo filmes é uma produtora tocada por mulheres, qual a importância do papel feminino neste espaço?
Cíntia: Não somos apenas mulheres, somos mulheres feministas. Isso significa que acreditamos e buscamos a igualdade de direitos, de tratamento, de oportunidades. Para quebrar o paradigma da opressão patriarcal, precisamos de mais mulheres feministas e progressistas em cargos de tomada de decisão em todos os setores, da iniciativa privada à esfera pública. A diferença no audiovisual é que, para além das relações de gestão e trabalho, o discurso pela igualdade, liberdade e transformação está refletido em nossas obras, podendo impactar de alguma forma espectadoras e espectadores. Também é muito bom quando jovens mulheres, muitas vezes estudantes, dizem-se representadas e inspiradas por nós. Que elas consigam construir suas carreiras e inspirem também outras mulheres. Assim se transforma.
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Ana: Em Santa Catarina temos diversas produtoras chefiadas por mulheres. Aqui, diferente de outros Estados, as mulheres de fato estão à frente em muitos espaços: sindicatos, produtoras, estúdios, entidades, coordenação de cursos superiores de cinema, etc. Desde 2018 articulamos o grupo elaSCine – Mulheres do Audiovisual Catarinense, composto por várias dessas mulheres, onde trocamos informações, experiências e nos mantemos em constante fortalecimento.
Fala um pouco do primeiro e do último trabalho produzidos por vocês.
Cíntia: Como o primeiro e o mais recente trabalho da Novelo foram escritos, dirigidos e montados por mim eu consigo enxergar um crescimento não só da produtora, mas em mim mesma como realizadora. E espero seguir enxergando esse crescimento nos próximos, porque uma verdade é que sempre aprendo muito em cada projeto executado. Também é muito gratificante que tanto o “Qual Queijo Você Quer?” quanto o “Baile” tenham participado de grandes festivais, ganhando reconhecimento no país e também fora. Em uma exposição realizada no CIC sobre a história do cinema catarinense, em 2012, o nosso primeiro curta estava mencionado como marcando a retomada aqui, o que nos dá orgulho e também uma certa responsabilidade. E Baile ainda segue em festivais, sendo que este ano devido à pandemia a maioria desses eventos são online e bastante acessíveis ao público. Sempre divulgamos em nossas redes quando há exibições. São 10 anos de uma cinematografia continuada, construída de forma coletiva, sempre presente em eventos de destaque e nas mais diversas telas para o público, desde escolas até grandes festivais. Foi assim com o primeiro curta, com o mais recente, e trabalharemos para que assim seja com os futuros projetos.
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Quais são os próximos projetos da Novelo Filmes?
Ana: Atualmente estamos trabalhando no desenvolvimento de uma série de ficção e de alguns projetos de longa-metragem tanto de ficção quanto de documentário. Também estamos nos preparando para retomar as gravações em 2021, entendendo melhor como voltar a filmar com segurança nesses novos tempos. Ano que vem devemos começar filmando projetos menores, com poucas diárias de gravação. Temos perspectiva de rodar algumas obras com direção da casa (Cíntia e Maria), e também voltar a produzir com profissionais externos à Novelo na direção, prática que sempre esteve em nosso DNA.
Cíntia: E além da produção audiovisual, também temos projetos de ações formativas como laboratórios e oficinas que serão retomados em 2021. Também este ano iríamos realizar a segunda edição da ISHPIA – Mostra de Curtas de Florianópolis, porém preferimos aguardar o próximo ano visto o impacto da pandemia. Preciso dizer que não vejo a hora de voltar a um set de filmagem, de sentar na ilha de edição e montar um novo filme. De, principalmente, assistir à obra junto com o público. Espero mesmo que possamos retomar em breve e que as gestões públicas enxerguem o setor audiovisual como um grande aliado na retomada econômica, pois é o que somos. Geramos renda, geramos empregos, geramos cultura. Somos um setor estratégico e multiplicador.
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