Apaixonado por cruzeiros, o jornalista Sérgio Oliveira estava no navio Costa Concordia até a manhã de sexta-feira, poucas horas antes da embarcação chocar-se contra as rochas da ilha de Giglio. Ele embarcara no dia 6 de janeiro, em Civitavecchia. Durante uma semana percorreu no Concordia todo o roteiro previsto no cruzeiro: passou por Savona, Marselha, Barcelona, Palma de Mallorca, Cagliari, Palermo e, finalmente, de volta a Civitavecchia, onde desembarcou na manhã do fatídico dia 13 de janeiro, para encerrar o passeio.
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No texto a seguir, ele relata a sensação de ver os mesmos lugares onde viveu momentos felizes do passeio, agora, debaixo d’água:
“Aguardávamos, no Gran Bar Berlino, o momento de partir. O local era o ponto de encontro da excursão, onde jogava-se bingo e ocorriam as danças. Em uma das passagens laterais, havia uma coleção pequena, mas atraente, de porcelana alemã, em pequenas caixas de vidro que encimavam colunas.
Quase exatamente abaixo de onde estávamos sentados, ficava a mesa de jantar no restaurante Roma, onde havíamos comemorado meu aniversário com gente amiga. Ali, com muito espumante e bolo, conversamos, rimos, tiramos muitas fotografias. Mais acima, bem mais acima, a céu aberto, a piscina onde certa noite me posicionei ao centro, de forma a ver o sol se por de um lado e Cagliari ficar, em tons pastéis e mornos, do outro, mesmo no inverno.
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Um pouco mais atrás, uma quase esquina onde vi passar o MSC Fantasia em um cair de noite em Barcelona, com Monte Jüic ao fundo. Entre esse ponto e o que agora estávamos, na interseção, a sacada de onde via às vezes o sol nascer, às vezes se por, a silhueta de Palermo, a baia de Toulon, embalado por vezes suavemente, por vezes com um pouco mais de intensidade.
Lá ao topo, aquela torre em amarelo, que em tantas fotos coube. Um pouco abaixo, aquele outro restaurante onde comemoramos, com boa conversa e excelente menu, o aniversário de minha mãe. No belo Spa quase não fomos e no cassino passávamos a rir das senhoras idosas que pareciam dedicadas a acariciar com os dedos os botões das máquinas caça-níqueis.
Da capela, nos despedíramos mais cedo naquela manhã, com a tranquilidade na qual sempre a encontramos. No Salão Viena, na noite anterior, assistimos a uma apresentação muito bonita e informativa. No Londra, havíamos presenciado as renovações de votos de vários casamentos inclusive um de 60 anos de um casal italiano. No teatro, que era nosso ponto de referência de todas as noites, vivemos bons momentos.
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Chamam a nossa cor de etiqueta, deixamos o Berlino, passamos pelo Atrium, damos adeus aquele mural sobre a Europa, tomamos um dos elevadores com aquelas portas verdes uma última vez e, antes de sair, saudamos alguns membros do staff perfilados.
Assim, deixamos o Costa Concordia na manhã de 13 de janeiro, uma sexta-feira. Um navio bom de mar, com um staff jovem, talvez inexperiente, mas dedicado, com mais trabalho do que poderiam dar conta, e talvez mal renumerados, mas que nos deram uma semana de muitas boas lembranças.
Era o momento de tomar o ônibus para o aeroporto e, no caminho, ainda avistamos o navio várias vezes. Acenamos em alguns momentos, e lamentei, naquele último dia, não ter tirado uma foto do navio que estava tão resplandecente como sempre o encontramos.
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Fica incompreensível como um mundo assim, tão ordenado, tombou de lado. E, na mistura de água e objetos, tornou-se obstáculo para os que vivem, desafio para os que queriam continuar a viver. Muito do que relatei acima agora está embaixo d’agua. Uma cena triste e sem esperança.

