Nascido na comunidade da Caieira do Saco dos Limões, região central de Florianópolis, Márcio Luiz Alves, 50 anos, é coronel da Polícia Militar, foi campeão de ciclismo, esteve à frente da Defesa Civil de Santa Catarina e atuou na Fundação do Meio Ambiente (Fatma), além de ter dirigido a escola de samba Dascuia. No dia 3 de fevereiro, foi nomeado secretário da recém-criada Secretaria de Cultura, Esporte e Juventude de Florianópolis. Se um PM à frente da cultura pode simbolicamente soar como, no mínimo, curioso, Alves tem respostas prontas para desconstruir o estereótipo.

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Em entrevista ao DC, dois dias depois de ter assumido o cargo, afirmou ser um consumidor de cultura popular e definiu como prioridade a difusão da cultura nas comunidades menos assistidas da Capital. Leia trechos da conversa:

Relação com a cultura

Sou muito mais um usuário do que um profissional da cultura. Como manezinho, sou da época de que o boi-de-mamão era uma tradição muito forte. Fui diretor de escola de samba, participo dos movimentos culturais e sempre fui muito ligado à cultura açoriana e tradicional. Eu sou da Costeira do Saco dos Limões e tenho uma relação grande com as questões locais.

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Trajetória como gestor público

No período de PM, fui gestor de várias atividades. Trabalhei na Defesa Civil do Estado (de 1993 a 2013), da qual fui diretor, secretário e secretário adjunto. Enfrentei os principais desastres e tivemos atuação exitosa, que me deu credibilidade como gestor. Em 2013, assumi a chefia do Parque do Rio Vermelho, da Fatma, a convite de Gean Loureiro. Eu tinha a missão de reabrir o parque em um ano e cumpri o prazo. Acredito que isso tenha me dado credibilidade junto a ele.

Contribuição para a cultura da Capital

Será na questão da gestão. E aí a experiência na Defesa Civil é muito importante, porque lá aprendi que não se consegue fazer nada sozinho. Saber o que as ruas pensam, o que os artistas querem, o que a população quer e o que falta. Quero levar cultura para as comunidades mais vulneráveis. A cultura é linda, mas não adianta estar dentro do cinema do shopping. Tem que estar no parque do Morro da Cruz, dentro das comunidades. Todas as formas de cultura têm que estar disponíveis. É importante que nós façamos com que o jovem desperte para a cultura e para o esporte. Temos que ter teatro na Costeira, no Saco dos Limões, nos Ingleses… Não pode ser privilégio de alguns bairros.

Plano de governo

Ainda não temos. No primeiro dia de trabalho (dia 6 de fevereiro), tive reunião com o Conselho Municipal de Políticas Culturais e essa pergunta me foi feita. Existe a política municipal de cultura, que é ampla. Quero ajuda para implementar o plano. Não temos motivos para pensar no que aconteceu antes. Nós vamos fazer, mas ouvindo todas as pessoas ligadas ao setor. A secretaria não tem porta, somos abertos a críticas, mas principalmente a sugestões. Estamos convocando as pessoas que querem uma cultura melhor que se apresentem, mostrem ideias e projetos. A principal diretriz é que a cultura tem que estar nos bairros. Queremos que a cultura seja uma opção nas comunidades mais vulneráveis.

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Demandas represadas

O Conselho tem muita informação, e as angústias nos foram trazidas na primeira reunião. Se alguém deixou de fazer, não é responsabilidade nossa. Temos várias outras preocupações, como em relação à Escola Livre de Música — queremos que seja uma escola de arte. Porque escola de arte abrange todas as linguagens artísticas. Tudo isso está sendo discutido. Tem muitas demandas represadas da classe, que estão vindo com voracidade. Temos o compromisso de fazer um planejamento para este ano. Se todos nos ajudarem, conseguiremos mais rápido.

Claro, enfrentamos um problema financeiro. Mas mesmo com pouco, queremos fazer muito, por meio de parcerias com empresas, por exemplo. É um equívoco pensar em Carnaval apenas em fevereiro, por exemplo.

Contradição: um PM à frente da cultura

Acho que é compatível. A banda de música da PM tem mais de 100 anos e é conhecida como o “piano catarinense”. Militar é uma profissão, como qualquer outra. Que tem regime próprio, treinamento próprio. As pessoas costumam associar o militar a rigor, punição, repressão. Eu não consigo me ver assim. O que aprendemos na polícia é tratar bem as pessoas. É o que vamos fazer aqui. É o que faço na minha comunidade. É o que eu faço na minha escola de samba.

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Eu acompanhei algumas manifestações a respeito da minha nomeação, achei até que seriam mais críticas e não me chateei, não me ofendi e não fiquei preocupado. A resposta para isso, eu tenho certeza absoluta, eu vou dar com meu trabalho. Partindo do princípio do que eu li, o secretário ideal de cultura, esporte e juventude seria um cara de 25 anos, campeão mundial, que tenha escrito um livro, pintado um quadro, feito teatro, cinema e escrito uma peça.

O policial militar

A PM é a ponta do iceberg. Quando nada dá certo, sobra para a PM resolver. A educação falhou, a saúde falhou, a cultura, o esporte, a família falhou. Então resolve a polícia. Ou tem-se a pretensão de que ela vai resolver. Queremos estar na cadeia aqui embaixo. Antigamente eu só recebia o resultado de todas as falhas. Agora não quero ser responsável por elas.