Encontrar uma identidade artística pode levar anos de pesquisas, testes e adaptações. Sem dúvida, esta busca constante não se aplica ao caso de Juarez Machado, que, desde o início da carreira, optou por trilhar pelo caminho que continua o consagrando. O multiartista criou seu próprio desenho e pincelada, que hoje dispensam assinatura.

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Ver um quadro de Juarez é reconhecê-lo como o autor, e não é preciso ser um habitué de museus e galerias. Pintor de homens e mulheres – essas, donas de sua atenção especial – que dançam, bebem, celebram, namoram e flutuam com suas bicicletas, o joinvilense retrata personagens de um mundo particular. Às vezes, é ele quem passeia pelas telas – e a maioria destes autorretratos tem tom irônico, adjetivo comumente resumidor de suas obras.

– Acho o trabalho de Juarez genial, uma pintura figurativa extremamente pessoal, que não se influencia pelas correntes. Ele sempre foi fiel aos seus princípios, nunca se engajou com grupos de artistas – avalia o arquiteto e galerista Waldir Simões de Assis, que há 30 anos acompanha a produção do artista. Waldir coordenou a itinerância pelo mundo de algumas exposições de Juarez, entre elas, a comemorativa aos 100 anos de Copacabana. No início deste mês, ele também montou em sua galeria em Curitiba Juarez Ontem, Hoje e Sempre, mostra com viés retrospectivo que reúne obras do acervo pessoal e de instituições públicas e privadas.

Os temas são uma constante na obra do artista joinvilense. Ele mergulha em pesquisas e observações até esgotar as possibilidades de suas fontes. Desta dedicação – para não dizer rigor de trabalho -, ele leva para as séries cenários ricos em arquitetura e paisagens por onde seus protagonistas estão sempre em movimento. Embora já tenha trabalhado com a temática social na série sobre Copacabana, a proposta de Juarez não é retratar mazelas, segundo Waldir.

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– Neste percurso de 50 anos de produção, Juarez sempre teve a imagem como fio condutor, buscando extrair dela a poesia. A obra dele é um canto à vida – sintetiza o galerista.

No grupo dos poucos artistas brasileiros vivos a serem reconhecidos internacionalmente, Juarez tem obras espalhadas pelo mundo, e não é difícil encontrar seus quadros em leilões especializados no exterior. Vaidoso, ele também se autocoleciona. Seus apartamentos em Joinville, Rio de Janeiro e Paris estão abarrotados de obras, incluindo séries inteiras das quais ele não abre mão.

“Ao pintar uma figura, Juarez Machado o faz pelo processo de introduzir o espectador no ambiente e no tempo da personagem – isto é, cria um cenário que evidencia a sua maneira de ser e estar – iniciando-nos nos seus mistérios. O cuidado construtivo faz com que arquiteture o espaço, organizando os volumes de forma que curvas, ângulos e diagonais se harmonizem ou se contraponham de forma violenta, acentuando a expressão plástica. Tal processo criativo remete-nos à fase azul de Picasso, que também, mediante o processo de expressão lírica, cria mais ?tipos? do que retratos. Ele faz contrastar fortemente as zonas de luz, mesmo quando joga com a monocromia das cores. Frequentemente, cria, porém, um universo policrômico muito especial que, no fundo, é a recriação imperturbável deste mundo feérico que a TV coloca diante de nossos olhos, tentando transformar ilusoriamente nosso cinzento cotidiano num jogo de faz de conta, fantástico e perene. Juarez sabe dosar a leveza, o romantismo e a profundidade de um Busch, com os dons de prestidigitador de um Machado.”

Adalice Araújo, historiadora e crítica de arte (1984)

“Toda esta organização e disciplina não o isentam da angústia criativa. Mas, antes de ser paralisante, ela é a alavanca para saltos cada vez mais altos e estudos mais profundos. A inquietação pelo novo não diminuiu ao longo dos anos. Com o tempo, o que muda na obra de Juarez, além do fato de passar dedicação exclusiva à pintura, é sua técnica, cada vez mais sofisticada, praticamente irreconhecível para quem acompanhou seus primeiros passos.”

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Joana Faro, jornalista (2009)

“As mulheres, a nudez, o silêncio, a luz, os três personagens femininos sempre presentes e o tratamento das atmosferas que os encerram nos transmitem o caráter sério e culto que o artista deseja projetar em seus quadros. Celebra-se na obra de Juarez Machado um hino à mulher sofisticada, intimista e sensualmente poética. Essas mulheres têm uma voluptuosidade refinada repleta de um perfume noturno. Elas constroem, no silêncio, um diálogo secreto ao longo das horas. É nesta espera filtrada por uma luz difusa que elas vão se reunir e se identificar com as musas da noite; o espírito feminino desperto, esperando o sinal, o apelo distante. Certamente, elas nos lembram as mulheres de Van Dongen, mas estas três graças têm uma pose, uma sensibilidade mais cativante; sua nudez ou suas transparências projetam um outro perfume, a essência fugitiva do amor e da aventura. Uma aventura que é a viagem iniciática destas mulheres fulgurantes.”

Isaac Ortizar, crítico de arte (1991)

“Há artistas da escassez e outros da exuberância. Um desenvolve uma música intelectual e experimental, porque lhe falta o dom da melodia. O contrário disso é Mozart. Juarez Machado é desta última estirpe, dos fecundos. A ?melodia? de suas imagens pode ser um cabaré em Paris, um castelo em Bordeaux ou uma cena casual em Copacabana. Entretanto, não é na temática que sua baraka, que sua virtù fica mais patente: é no uso da cor e do movimento. Algo que o dom associado ao perfeccionismo vem exacerbando em quadros cujo triunfo é promover certa benéfica virtualidade – em que o espectador pode se projetar no quadro, em que uma figura do quadro pode ir abraçar o seu observador. Como um jogo de espelhos sem espelhos, hologramas antes da palavra existir.”

Mário Hélio Gomes de Lima, crítico de arte, poeta, curador e jornalista (2014)