Uma pesquisa inédita de um professor de Santa Catarina concluiu que a fundação de duas cidades do Norte do Estado está ligada com a instalação de uma indústria francesa na região. A descoberta foi feita por Gleison Vieira, historiador e doutor em Políticas Públicas e Educação e publicada no livro “Jardim das Utopias”, que foi lançado em 2024 e reúne um estudo de duas décadas.
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Banhada pela baía da Babitonga, à época, a região ainda pertencia a São Francisco do Sul. Com base na pesquisa, o espaço ficava em meio a um sertão constituído por fazendas isoladas. Uma primeira colonização teria ocorrido no local em 1841 pelas mãos de imigrantes franceses que deixaram o país de origem devido às intensas crises e em busca de melhores condições de vida.
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Entre os que desembarcaram em terras catarinenses estavam dois líderes franceses da cidade de Lyon: o médico Benoît Jules de Mure, considerado “o pai da homeopatia”, e Michel Derrion, criador de uma das primeiras cooperativas do mundo, na França, e que protagoniza a obra de Gleison Vieira. Ele liderou a então “Colônia Palmital”, situada por entre fazendas escravocratas e veredas percorridas por caiçaras e indígenas Xokleng.
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Desacordos entre os líderes, no entanto, deram origem a dois núcleos: uma colônia no Saí (atual Itapoá), chefiado pelo Dr. Mure, e outra colônia no Palmital (atual Garuva), chefiada por Derrion.
Anos mais tarde, em 1920, o francês Edmond Charles Paix, um filantropo de Courchelettes (França), proprietário da petrolífera Paix et Cie, arrendou 25 mil hectares de terra na península e instalou a Colônia Hercílio Luz (Palmital) e o Porto Elisabeth (Saí), possibilitando a fundação de Garuva e Itapoá.
— Garuva e Itapoá são resultados de um projeto industrial. À época, Paix se juntou a outros investidores, contraiu todas as terras, através de um acordo com o Estado, e iniciou a abertura de estradas, implantação de vias férreas, abertura de portos, estabelecimentos e escolas. Então, o verdadeiro fundador dos dois municípios foi a empresa Paix et Cie — destaca o professor.
A estrada Três Barras, inclusive, que hoje pertence à Garuva, foi uma importante via de comunicação da colônia. Era através dela que os imigrantes conseguiam se comunicar com o litoral para obter alimentos a preços menores.
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Objetivo era construção de “um mundo perfeito”
Na obra, o professor retrata que o objetivo inicial do grupo de franceses que veio a Santa Catarina no século 19 era o de criar um falanstério (mundo perfeito) na Península do Saí, inspirados na ideologia do filósofo francês Charles Fourier, onde cada um trabalharia nos conformes de suas paixões e vocações.
Os locais escolhidos para essa utopia foram o Rio Palmital, atual Garuva, e a Península do Saí, atual Itapoá.
— Ali, buscavam criar um mundo perfeito, uma utopia, em um jardim sertanejo repleto de recursos naturais. A ideia era criar uma cooperativa em que trabalhariam quatro dias por semana durante quatro horas. O restante do tempo dedicariam às artes, leitura e teatro — cita.
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Entretanto, com a morte de Edmond Paix, em 1947, o projeto se encerrou. Sem herdeiros, seu feito de colonização industrial, tanto no Brasil quanto na França, “caiu no mais completo esquecimento”, complementa.
Passos da pesquisa
Gleison conta que a pesquisa começou em 2004 e que, durante as décadas, consultou centenas de mapas, milhares de documentos, cartas, registros e fotos, além do trabalho de campo, conversando com moradores e sondagens de terreno. A busca, segundo ele, partiu da “completa inexistência de fontes bibliográficas e de fontes primárias” da história dos municípios.
Após publicar o livro, passou uma semana na França e deu palestras nas cidades de Courchelettes e Lyon, de onde saíram os personagens centrais da obra. Na ocasião, encontrou-se com os membros da família Paix, que, segundo ele, ficaram impressionados e emocionados com a “Utopia industrial” de Edmond Paix no Brasil. Agora, o professor planeja lançar o volume 2 da obra.
— A partir de tudo isso, abre-se a possibilidade de, através da história de Garuva e Itapoá pautada nas iniciativas de Edmond Paix, recontar a história da cidade de Courchelettes por ele reconstruída. Agora, há a possibilidade de, por meio do projeto Jardim das Utopias – Parte 2, implementar no material didático das escolas daquela região a pesquisa gestada há duas décadas — destaca.
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O que se fala sobre a história oficial das cidades
Atualmente, segundo o pesquisador, a história de Garuva e Itapoá se restringe a dois fatos: 1) Em 1963, Garuva se emancipava de São Francisco do Sul; 2) Em 1989, Itapoá conseguia a sua emancipação em relação ao município de Garuva.
“Esse lapso de 60 anos, que marca a história política dos dois municípios, encobre uma história mais distante do presente, repleta de paixões, aventuras, decorrências heroicas e incomuns. Essa história soterrada, que remonta há 200 anos, permanecia secreta”, diz.
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