O entendimento do fenômeno das violências – com recorte da violência contra a mulher – só pode ser compreendido situando-as contextualmente nas desiguais relações de gênero, tanto na forma de reprodução do controle do corpo feminino e das mulheres, como na exacerbação da violência contra as mulheres. A dimensão epistemológica mais ampla pondera que numa sociedade machista, sexista e patriarcal como a brasileira, a Violência de Gênero “remete a um fenômeno multifacetado, com raízes histórico-culturais, permeado por questões étnico-raciais, de classe e de geração.”(BRASIL, 2011b, p.21).

Continua depois da publicidade

Portanto, fica a cargo do Estado e seus entes uma abordagem intersetorial, holística e multidimensional, envolvendo setores como saúde, educação, assistência social, segurança pública, cultura, justiça, dentre outros. Deriva daqui a compreensão da política que não apenas combate a violência, mas o enfrentamento à violência, já que a “noção do enfrentamento não se restringe à questão do combate, mas compreende também as dimensões de prevenção, de assistência, e da garantia dos direitos das mulheres.”(BRASIL, 2011b, p.25).

A legislação e o Pacto Nacional

A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) fortaleceu-se como uma das mais avançadas legislações mundiais principalmente com a formulação por parte do governo federal, em 2007, do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, que integra a agenda de ações nos estados e municípios, estruturando-se basicamente entre cinco eixos (veja tabela abaixo).

O pano de fundo do pacto baseia-se em três pressupostos: a transversalidade de gênero (que garante que a violência de gênero e contra a mulher atravesse as mais diversas políticas setoriais), a intersetorialidade (com parcerias entre organismos setoriais e governamentais além da articulação entre políticas nacionais e locais em diferentes áreas) e a capilaridade em níveis local e federal.

Continua depois da publicidade

A Lei Maria da Penha foi posteriormente sedimentada com a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (2011), ferramenta esta que tem por escopo estabelecer conceitos, princípios, diretrizes e ações de prevenção e combate à violência contra as mulheres, assim como de assistência e garantia de direitos às mulheres em situação de violência, conforme normas e instrumentos internacionais de direitos humanos e legislação nacional.

Esta Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres adota uma definição sociologicamente mais abrangente e ampla sobre violência, escorada na Convenção de Belém do Pará (1994), consoante a qual “a violência contra a mulher constitui qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano, ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado” (leia mais abaixo).

Estrutura de atendimento no Estado

A Polícia Civil do Estado de Santa Catarina conta com 30 Delegacias de Proteção a Criança, ao Adolescente, a Mulher e ao Idoso (DPCAMI), que foram criadas através do Decreto nº 4.196, de 11 de janeiro de 1994, que estabeleceu nas sedes de Delegacias Regionais uma unidade especializada de DPCAMI.

No ano de 2015 foi formalizada a criação da Coordenadoria de Delegacias de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (CDPCAMIs), órgão interno ligado diretamente ao Gabinete do Delegado Geral da Polícia Civil e que tem participado e sido membro dos Grupos de Trabalho Intersetoriais, das conferências e reuniões com os demais integrantes da Rede de Atendimento à Mulher, sempre buscando o aprimoramento e a excelência no atendimento prestado pela Polícia Civil, além de servir como mediador entre a instituição e demandas externas, dando amparo técnico às Delegacias Especializadas de todo o estado.

Continua depois da publicidade

Reflexão

O que resta evidente é que nestes 10 anos muitos avanços foram alcançados pelo dispositivo legal, principalmente por trazerem à tônica das discussões as questões de gênero, dos feminismos e dos direitos humanos, tirando do ocaso uma prática até então restrita ao universo privado e encerrado na dor de cada família que convive com estas violências. No entanto, justamente por se tratar de fenômeno social complexo e multifacetado, exige de todos os entes que tangem sua área de atuação (rede) a constante discussão e aprimoramento deste que é um processo exitoso mas que necessita estar em constante atualização e revisão.