*Por Pam Belluck

Nos últimos tempos, uma cena curiosa tomou conta de inúmeros hospitais dos EUA: pacientes deitados de barriga para baixo. Em geral, eles ficam deitados de barriga para cima, uma posição que ajuda os enfermeiros a cuidar deles e lhes permite olhar em volta enquanto estão acordados. Mas, para muitos doentes, a crise do coronavírus está virando as coisas do avesso.

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A estratégia de baixa tecnologia, conhecida como posição prona, pode ajudar os pacientes afetados pelos problemas respiratórios típicos da Covid-19 a respirar melhor, de acordo com os médicos. A ideia se baseia em princípios básicos de fisiologia e gravidade. Deitar-se de barriga para baixo ajuda a abrir as passagens de ar dos pulmões que foram comprimidas pelo fluido e pela inflamação causada pela infecção.

"Quando os pacientes estão deitados de costas, o coração pesa sobre os pulmões e os comprime ainda mais. Assim, a caixa torácica não se move da maneira usual porque está espremida contra a cama. Entretanto, quando você vira o paciente de barriga para baixo, os pulmões começam a se abrir, permitindo que o ar entre", disse a dra. Michelle Ng Gong, chefe das divisões de cuidados críticos e de medicina pulmonar da Faculdade de Medicina Albert Einstein e do Sistema de Saúde Montefiore, no Bronx, em Nova York.

Além disso, uma parte maior do pulmão fica na parte de trás do corpo, o que significa que os pacientes que se deitam de barriga para baixo não precisam suportar uma parcela tão grande do peso do pulmão.

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Pronar pacientes entubados em condição crítica já era uma estratégia utilizada, embora não fosse muito comum. Isso se deve, em parte, ao fato de que virar o corpo de pacientes sedados dá muito trabalho e, anteriormente, exigia a ajuda de até oito pessoas para evitar o deslocamento do tubo de respiração ou das linhas intravenosas.

À medida que o coronavírus resultou em uma avalanche de pacientes com problemas pulmonares, os hospitais passaram a usar essa manobra não apenas para pacientes entubados e sedados, mas também para pacientes que não foram entubados, mas que enfrentam grandes dificuldades para respirar. Nas UTIs, os médicos orientam os pacientes a ficar de barriga para baixo, esperando que, assim, eles não precisem usar os respiradores. Nas salas de emergência e nas alas clínicas, os médicos orientam até os pacientes que não estão em condição tão grave a ficar de barriga para baixo, supondo que isso pode ajudá-los na recuperação.

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(Foto: Lyndon French / The New York Times )

Experiências anteriores revelaram que os pacientes entubados com síndrome do desconforto respiratório agudo, ou SDRA – uma condição desenvolvida por muitos pacientes com casos graves de Covid-19 –, colocados em posição prona por muitas horas consecutivas por dia apresentam uma melhora no resultado médico mais importante: a sobrevivência.

"Existem muitas evidências de que isso diminui a mortalidade, e não há muitas outras coisas que ajudem", afirmou o dr. C. Corey Hardin, médico pneumologista e de cuidados intensivos do Hospital Geral de Massachusetts.

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"Em muitos pacientes com SDRA, apenas alguns dos alvéolos pulmonares entram em colapso; portanto, embora a pressão dos respiradores ajude a abrir esses alvéolos, a pressão excessiva pode encher demais os que não estão em colapso. Pronar o paciente permite que a pressão do respirador seja colocada no mínimo, de modo que os alvéolos prejudicados voltem a ficar cheios, mas sem o perigo de encher demais os outros", explicou Hardin.

Um estudo publicado em 2013 convenceu muitos profissionais da área das vantagens de pronar os pacientes. A pesquisa revelou que pacientes entubados com SDRA que ficavam de barriga para baixo durante 16 horas por dia tinham duas vezes mais chance de sobreviver que os pacientes que ficavam o tempo todo de barriga para cima. O grupo que ficou em posição de prona também teve menos paradas cardíacas que o grupo que ficou em posição supina.

Estudos subsequentes revelaram benefícios similares. Ainda assim, a técnica foi usada em apenas 15 por cento dos pacientes entubados com SDRA, informou Gong. Uma das razões para isso é o risco de virar os pacientes. "Algumas dessas pessoas têm níveis muito baixos de oxigênio no sangue e o simples ato de virá-las de lado, e não de barriga para baixo, pode causar uma queda ainda maior nos níveis de oxigênio. É como uma batalha. A capacidade de virar esses pacientes com segurança, sem desentubá-los, sem derrubar algo por acidente nem causar uma parada cardíaca, exige a coordenação de toda a equipe", disse ela.

Recentemente, o tubo de um paciente com coronavírus se soltou e a equipe foi obrigada a desvirá-lo novamente para que o tubo fosse recolocado. "Virar o paciente é um movimento que causa muita ansiedade em quem não fez isso muitas vezes. Mas, uma vez que já se fez isso algumas vezes, as pessoas acham quem não é nada complicado", observou.

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Para limitar a exposição da equipe médica a pacientes infectados durante a pandemia, os hospitais passaram a pronar os pacientes com equipes muito menores, muitas vezes formadas por três ou quatro pessoas.

Os pacientes pronados devem ser colocados novamente de barriga para cima, pois a posição supina é melhor para alguns cuidados de enfermagem, e porque ficar muito tempo de barriga para baixo pode levar à formação de escaras no rosto. Os pacientes entubados geralmente ficam em posição prona por 16 horas, mas, de acordo com Hardin, no Hospital Geral de Massaschusetts alguns pacientes chegam a ficar de 24 a 48 horas ininterruptamente na posição.

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(Foto: Lyndon French / The New York Times)

"Alguns pacientes seriam prejudicados se fossem colocados em posição supina e, por isso, teríamos de proná-los novamente. Por isso, alguns deles são virados e revirados muitas vezes ao longo dos dias", disse Gong.

Susan Zhang, de 56 anos, de Long Island, Nova York, foi colocada em posição prona todos os dias durante a semana que passou sedada e entubada, em abril deste ano, no Centro de Tratamento Intensivo Montefiore.

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Primeiramente, Zhang precisava de 85 por cento de oxigênio do respirador. Esse percentual diminuiu quase diariamente e caiu para 35 por cento no sétimo dia, de acordo com o marido, o clínico geral dr. William Liang, que criou um fluxograma do status diário da esposa.

"Eles a colocavam em posição prona o dia todo, depois a deixavam descansar um pouco de barriga para cima e, então, ela era colocada em posição prona novamente durante a noite", contou. Zhang também foi medicada, por isso é difícil saber quanto a posição prona ajudou, mas Liang acredita que isso contribuiu para "uma ótima progressão do quadro".

Durante uma entrevista por telefone, diretamente de um quarto de hospital no começo do mês, Zhang, que ainda estava recebendo oxigênio pelo nariz, contou que era grata ao hospital por salvar sua vida. Agora, ela está se recuperando em um centro de reabilitação.

Os benefícios para os pacientes entubados levaram os hospitais a pesquisar se a posição prona pode contribuir para evitar que os pacientes sejam colocados nos respiradores. Uma pesquisa realizada no Centro Médico da Universidade Rush, em Chicago, está avaliando se os pacientes da UTI colocados de barriga para baixo têm menos chances de ser entubados.

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"As pessoas dizem que preferem ficar em posição prona, mas ainda precisamos descobrir se isso realmente é relevante em relação à queda de mortalidade, ao tempo na UTI ou à necessidade ou tempo de uso de ventilação mecânica", afirmou a dr. Sara Hanif Mirza, professora assistente de pneumologia e tratamento intensivo da Universidade Rush e uma das responsáveis pelo estudo.

É igualmente importante compreender se pronar o paciente pode causar efeitos negativos, de acordo com David Vines, outro responsável pelo estudo e professor associado da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Rush. Segundo ele, às vezes é melhor entubar pacientes em situação crítica, dependendo de quanto os pulmões podem se beneficiar se estiverem parados enquanto a máquina respira por eles.

"Se colocá-los em posição prona significar que estamos apenas prolongando a situação e será inevitável entubá-los, pode ser que essas pessoas acabem em uma situação pior", explicou. Um dos pacientes mais recentes de Vines era um homem idoso que recebeu oxigênio pelo nariz na UTI. "Recomendei que ele ficasse em posição prona, mas isso apenas retardou sua entubação de 24 para 36 horas. Ele acabou precisando ser entubado de qualquer maneira", disse Vines.

Devido a essas preocupações, Vines afirmou que a pesquisa avaliará os pacientes logo depois de ficarem em posição prona e, "se não houver melhora em uma hora, vamos entubá-los". Outra questão é que alguns pacientes acham difícil, ou desconfortável, ficar de barriga para baixo, o que pode afetar os resultados. Alguns hospitais estão usando colchões especiais para mulheres grávidas com o objetivo de deixar os pacientes mais confortáveis.

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Pronar também pode ter ajudado Leticia Espinoza, de 50 anos, de Elmwood Park, Illinois, que procurou a emergência do Hospital Rush no fim de março. Depois de vários dias com febre e calafrios, ela tinha tanta dificuldade para respirar que foi transferida para a UTI, onde, de acordo com Mirza, parecia que teria de ser entubada.

"Eles pediram que eu me deitasse de barriga para baixo no leito. Não era uma posição muito confortável; não estou habituada a ficar assim. Só fiz porque queria melhorar", contou Espinoza, durante uma entrevista.

Espinoza, uma das participantes da pesquisa, ficava deitada de barriga para baixo durante cerca de 20 horas por dia, com interrupções apenas para usar o banheiro, comer ou se virar de lado quando precisava de um descanso. No fim das contas, ela não precisou ser entubada, pois a necessidade de oxigênio diminuiu e, após três dias, ela pôde sair da UTI. Pouco depois, Espinoza pôde voltar para casa.

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