Seu Alisson Timm não jogava futebol, mas criou um time. Também não curtia dançar, mas foi um dos fundadores de um dos clubes mais tradicionais de Joinville. Por esses motivos, a vida dele já merecia ser muito celebrada.

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Mas seu Alisson está pertinho de mais um feito e tanto. Completa cem anos no dia 29. A sexta-feira será festiva na casa antiga, de muro amarelo queimado, na rua Santa Catarina, zona Sul de Joinville.

O número 1.370 terá alguns familiares, como os três filhos e os cinco bisnetos. Dia para lembrar a década de 1930, quando a família Timm veio de um sítio, no antigo km 17 da avenida Santa Catarina, para uma região mais central. Ou nem tanto.

Cavalos e carroças passavam, levando gente e trazendo mercadorias. Com muitos carroceiros, Alisson fez amizade. Tanto que virou padrinho de dezenas de crianças, vindas do interior, que passavam ou pousavam por ali.

O time de futebol era uma referência ao bairro: Floresta Futebol Clube. Um irmão de seu Alisson chegou a jogar no time. Ele não. Perna-de-pau confesso, estava mais interessado nos negócios.

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Sim, ele foi o presidente do clube algumas vezes. Hoje, é o único fundador vivo do clube. Na época, o time jogava onde hoje fica a praça Tiradentes. Décadas depois, o time virou a Sociedade Floresta, o Florestinha. As paredes e garçons é que sabem o que rolou numa das casas de baile mais tradicionais de Joinville.

Se Alisson ia dançar? Não, não era com ele. A vocação era mesmo ficar atrás do balcão. O aposentado concorda que futebol, no caso dele, é para ouvir e assistir. Era o que ele fazia com entusiasmo, quando acompanhou o América, vice-campeão catarinense de 1953, em Brusque.

-Levamos horas para chegar lá. Não tinha ponte no Itapocu (Araquari) nem em Itajaí -lembra ele. A cadeira de balanço, o radinho de pilha e o cigarro de palheiro foram, durante anos, o trio perfeito para acompanhar o esporte.

No estádio do América, quatro, cinco cigarros de palha iam enfileirados no bolso da frente da camisa. E sumiam a cada jogo. As camisas viviam furadas das cinzas. A paixão vermelha foi transferida ao Joinville Esporte Clube.

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O alemão extravasava nas arquibancadas. Demorou, mas admite que vivia, sim, agarrado no alambrado.

– Acho que não xingava muito não – disfarça.

Isso, só na época do Ernestão. Na Arena, o ex-mecânico e comerciante nunca pôs os pés. Pode ser um sonho, assim que completar o século inteirinho de vida. O tagarela Alisson fala bem menos agora. Sofreu um derrame há quatro anos, o que dificulta comunicação e locomoção.

Mas não a impede, muito menos reduz a lucidez. Os cabelos totalmente raspados pelo filho, junto com a barba, sustentam um hábito antigo. Mesmo sem um fio sequer, seu Alisson passa o pente na cabeça quando sai do banho.

E reclama se o objeto não estiver ali. Manteve, também, o hábito de leitura. Jornal não falta na mesa do café da manhã. A idade deixou seu Alisson mais emotivo. Alemão, mas sangue-frio, criou os filhos sem mimo algum.

Nos últimos anos, chorava cada vez que um dos netos passava no vestibular e vinha com a aprovação em mãos.

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– Não vou estar vivo para te ver formado – repetia.

Todos os cinco se formaram, e seu Alisson chorou outra vez, em cada colação de grau.