Há alguns anos tive o privilégio (sim, é clichê mas foi mesmo um privilégio!) de conhecer Martin Cooper, o inventor do telefone celular. Foi uma daquelas coisas que só a vida de repórter faz por você… Eu era correspondente da Globo News em Los Angeles, e o entrevistei para um programa da emissora, o Ciência & Tecnologia.

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A entrevista foi na sede da Dyna, empresa de desenvolvimento de tecnologia e serviços wireless que Cooper comanda jundo com a esposa, Arlene Harris. A empresa fica em Del Mar, no sul da Califórnia, a algumas quadras da praia e dos morros onde ele caminha todos os dias. Lembro da decoração da empresa: o hall de entrada é um pequeno museu particular que retrata a evolução da telefonia de acordo com um ponto de vista privilegiado. Num local de destaque da sala de reuniões fica uma réplica do primeiro telefone celular, o “tijolão” inventado por Martin Cooper nos anos 70. Também me chamou a atenção a quantidade de cristais de quartzo espalhados pelas peças. Cooper me ensina que quase todo equipamento eletrônico tem algum componente de cristal, e faz questão de contar que algumas daquelas pedras eram de origem brasileira. Depois de alguns minutos de amenidades eu já estava autorizada a chamá-lo pelo apelido, Marty.

Martin Cooper nasceu em Chicago, no estado de Illinois, numa família de imigrantes ucranianos. Ele estudou Engenharia Elétrica e serviu na Marinha norte-americana. Nos anos 60 foi contratado pela Motorola. Cooper liderou a equipe da Motorola que desenvolveu o telefone celular. Na época, a concorrente AT&T investia alto no projeto de um telefone para carros, o que para o cientista não resolvia a questão da mobilidade – pois continuaríamos confinados.

– Decidimos enfrentar a AT&T, mas como chamar a atenção das pessoas? Resolvemos fazer uma demonstração que ofuscasse a concorrência: vamos criar um telefone verdadeiramente móvel! E foi o que fizemos – lembrou Martin Cooper.

Da ideia inicial ao primeiro modelo foram apenas três meses de pesquisa. No laboratório da Dyna, Martin Cooper me mostrou uma réplica transparente do aparelho que deixa à mostra um aglomerado de fios, baterias, circuitos… milhares de componentes. Era o que o fazia tão pesado: o primeiro modelo tinha quase um quilo!

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A primeira chamada, feita no dia 3 de abril de 1973, foi tão ousada quanto a ideia de criar um telefone móvel. Martin Cooper me contou que estava apresentando a invenção para um jornalista, no centro de Nova York, quando decidiu fazer o primeiro telefonema. E quem mais ele chamaria senão seus concorrentes na AT&T, que achavam que a Motorola não passava de “uma mosca no elefante”?Marty ficou com a fama, mas não com a patente da invenção, que pertence à empresa.

Desde o “tijolão” pioneiro de 1973 muita coisa mudou. Segundo a União Internacional de Telecomunicação (ITU, braço da ONU para as Tecnologias de Informação e Comunicação), há 6.8 bilhões de assinaturas de serviços de telefonia celular em todo o planeta, ou seja, quase um aparelho para cada habitante da Terra. Mais da metade desses aparelhos, 3.5 bilhões, estão na região da Ásia-Oceano Pacífico.

Hoje, Martin Cooper tem 84 anos mas mantém o entusiasmo de um guri que acaba de aprender a falar num telefone feito de lata e corda. Na época da nossa entrevista, Marty e a esposa Arlene trabalhavam no desenvolvimento de um aparelho batizado de Jitterbug, destinado ao consumidor da terceira idade. O aparelho tem um teclado maior, tela mais brilhante, o volume é mais alto e as funções bem mais simplificadas que nos modernos smartphones.

O telefone celular transformou a maneira como as pessoas se relacionam, diminuiu a barreira entre o que é público e o que é privado, e também acabou com as desculpas para não sermos localizados a qualquer hora, em qualquer lugar. E se, por causa disso tudo, você ainda questiona se a invenção de Marty é mesmo uma benção ou se é uma maldição, reparto aqui uma lição que aprendi com ele.

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– A tecnologia móvel significa liberdade para você fazer o que quiser. Se as pessoas decidem ser escravas do telefone, é opção delas. Eu nunca acordo no meio da noite para atender o meu.

*Tanira Lebedeff é Jornalista e Mestranda em Relações Internacionais na UFRGS