São muitas as recomendações de Trapaça, que estreia nesta sexta-feira no circuito: o longa de David O. Russell foi elogiado pela maior parte da crítica norte-americana e está indicado a nada menos do que 10 Oscar, entre eles melhor filme, direção, ator (Christian Bale), atriz (Amy Adams), ator e atriz coadjuvante (Bradley Cooper e Jennifer Lawrence). Mas é bom não ir ao cinema esperando um filmaço.
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Russell ganhou o posto de queridinho de Hollywood, pulando à frente de cineastas melhores como James Gray e Paul Thomas Anderson, ao emendar títulos agridoces sobre personagens da classe trabalhadora que lutam para se reinventar. A comicidade discreta desses filmes os faz funcionar (caso, por exemplo, de O Lado Bom da Vida), porém, é a liberdade e a transformação que o diretor impõe a grandes atores e seus interessantes personagens o seu maior trunfo (vide O Vencedor).
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Trapaça segue a fórmula à risca ao retroceder aos anos 1970 e apresentar seu protagonista (Bale), desde a primeira sequência, como um sujeito ao mesmo tempo exótico (usa uma peruca ridícula) e típico de sua época (os figurinos são dignos de nota). Na realidade, seu nome é Melvin Weinberg. Mas, no filme, ele foi batizado Irving Rosenfeld – o que garantiu a possibilidade de ficcionalizar parte de sua personalidade e de sua jornada.
Trambiqueiro que se movimenta pelo mercado financeiro e comercializa obras de arte falsificadas, ele se apaixona por uma falsária esperta (Amy Adams), a quem se associa em pequenos golpes – que chamam a atenção do FBI. Em vez de capturá-los, um agente da lei (Cooper) quase tão extravagante quanto o protagonista (apela a minibobes para cultivar os cachos) resolve usá-los para se aproximar de gente mais graúda – como o político populista e ambicioso Carmine Polito (Renner).
A operação culminou com o escândalo de Abscam, que entre 1978 e 80 coletou provas que condenaram por corrupção e improbidade administrativa mais de uma dezena de políticos de diversas instâncias de Nova York. Há surpresas no decorrer (e no desfecho) da investigação, algumas delas por conta da intervenção da mulher de Weinberg/Rosenfeld (Jennifer Lawrence). Não à toa, ela, uma perua um tanto alienada, é estrategicamente mantida à parte dos negócios escusos do protagonista.
Essas intervenções, embora bem encenadas, escancaram os problemas da construção narrativa, que é confusa e sofre do mesmo ar fake que marca a composição de seus estrambóticos personagens. Trapaça sofre da síndrome do “quero ser cool”: tudo tem a medida necessária para manipular a fruição do espectador, levado a todo instante a achar que aquilo que está vendo é engraçadinho ou surgiu a partir de uma sacada esperta.
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Não que o filme não seja divertido. Mesmo a sua graça, no entanto, fica comprometida a partir dos movimentos da metade final, quando a trama muda de registro, transformando-se num thriller policial intrincado – e não muito convincente em algumas pontas que deveriam amarrá-lo, entre elas a negociata com o grupo de mafiosos representado pelo personagem de Robert De Niro. Também é pela confusão de gêneros – reveladora de uma confusão de objetivos – que Trapaça é menos envolvente do que previam suas leituras mais apressadas.
Trapaça
(American Hustle)
De David O. Russell. Com Christian Bale, Amy Adams, Bradley Cooper, Jennifer Lawrence, Jeremy Renner, Elisabeth Röhm e Robert De Niro.
Drama, EUA, 2013. Duração: 138 minutos. Classificação: 14 anos.
Estreia nesta sexta-feira no circuito.