A disputa pelo último rincão ao norte do Brasil perdura por mais de um século. Data da República Velha. Nem a saída dos arrozeiros do 1,7 milhão de hectares da reserva Raposa Serra do Sol, há quatro anos, após uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), foi capaz de estabelecer a paz nas savanas de Roraima, encravadas entre a Venezuela e a Guiana. Indígenas e colonizadores, muitos deles gaúchos que migraram nas décadas 70 e 80 para transformar planícies secas em oásis do arroz, ainda vivem com ânimos conflagrados. A convite da Câmara dos Deputados, ZH foi ao extremo norte conferir a disputa que pulsa na fronteira setentrional do país.
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Antes de sair, fazendeiro destruiu a propriedade
Onde outrora era rei, o gaúcho Paulo César Quartiero virou intruso. Derrotado no Supremo Tribunal Federal (STF), teve de abandonar os quase 10 mil hectares em que colhia toneladas de arroz, área defendida a bala e a facão. As lavouras irrigadas das fazendas Providência e Depósito, na Raposa Serra do Sol, secaram. Há quatro anos, são propriedades dos indígenas.
Nascido em Torres, criado em Passo Fundo, Quartiero, 60 anos, migrou para Roraima na década de 70. Agrônomo, virou barão do arroz, foi prefeito de Pacaraima, agora é deputado federal pelo DEM e personagem de uma guerra iniciada no começo do século passado.
Quando Wenceslau Braz presidia o país (1914-1918), indígenas e colonizadores já brigavam pelo norte de Roraima, demarcação concluída em 1998 e homologada em 2005. O processo desencadeou ações judiciais e físicas, num período sangrento do conflito.
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Em 2008, Quartiero liderou uma insurreição. Contratou um instrutor de guerrilha para expulsar os índios. Chegou a ser preso pela Polícia Federal, perdendo a batalha no ano seguinte. O STF decidiu pela demarcação contínua da reserva, incluindo as fazendas.
Cerca de 350 agricultores, incluindo 80 famílias de gaúchos, partiram. Os pequenos estão em propriedades menores. Já Quartiero comprou terras na ilha de Marajó, no Pará. Transferiu 3,5 mil bovinos e maquinário para cultivar 2,8 mil hectares de arroz. Antes de sair, derrubou as casas e os galpões das fazendas. Destruiu em poucas horas o que ergueu em três décadas.
– Peguei o que era reaproveitável e passei o trator no resto – admite.
O mesmo fez Genor Faccio. Natural de Erechim, perdeu 6 mil hectares. Como tinha terras fora da reserva, cultiva 2 mil hectares de arroz irrigado, mil de soja e cria mil cabeças de gado.
– Os rizicultores abasteciam Roraima e Amazonas. Chegamos a plantar 25 mil hectares, que caíram para 11 mil. Perdemos o mercado – lamenta.
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O foco da disputa é judicial. O carazinhense Ivo Barili, 53 anos, tenta reduzir R$ 7,5 milhões em multas e engordar a indenização de R$ 231 mil pelas benfeitorias em 9 mil hectares da fazenda Tatu, onde é proibido de entrar. Quando sente saudades, fica na margem do Rio Uraricoera. É dali que recorda os tempos de largas produções na Raposa Serra do Sol.
– Cheguei com 20 anos de idade aqui, venci, mas tive de sair. Vivo uma frustração.