*Por Dan Barry
Nova York – Numa mesa de canto em um restaurante escondido no Theater District, a iluminação era suave, os garçons eram atenciosos e o molho do aperitivo tinha um tom vermelho deliciosamente parecido com a cena de um crime. As condições eram perfeitas para uma conversa amigável sobre a melhor maneira de enforcar um homem.
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Você sabia que o carrasco inglês Albert Pierrepoint observava pela porta da cela o tamanho e a estrutura física do próximo da fila, para preparar a quantidade de corda necessária para realizar sua tarefa com o mínimo de sofrimento possível? Se a corda fosse curta demais, seu cliente seria estrangulado; se fosse longa demais…
"A cabeça se soltaria do resto do corpo se ele fosse muito pesado", disse enquanto jantava.
Os aspectos mais horríveis desse tema desconfortável não caem bem com burrata frita e molho marinara artesanal. Entretanto, eu estava jantando com Martin McDonagh, o importante diretor e autor de peças de teatro de humor negro, e o tema da noite eram as execuções.
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"Minhas obras têm muito mais esperança e muito menos niilismo do que os críticos costumam dizer. Uma comédia de humor negro continua a ser uma comédia. E a comédia existe para entreter e fazer as pessoas darem risada. Esse tipo de humor é apenas mais uma maneira de fazer isso", afirmou McDonagh, de 49 anos.
Com "Hangmen", que estreia no Golden Theater no dia 19 de março, McDonagh não teve medo de recorrer ao humor negro. Não se trata de um musical. Aqui, ninguém bate os pés, a não ser quando está sendo enforcado.
A engenhosa montagem da peça gira em torno de Harry Wade, o segundo melhor carrasco da Inglaterra, no dia em que o país aboliu oficialmente as execuções, em 1965. Dono de um pub à moda antiga no norte de Londres, ele se irrita com o consenso de que é inferior a Pierrepoint e não suporta mais a esposa alcoólatra, a filha adolescente permanentemente infeliz e os clientes do bar que parecem mais interessados na presença de um homem que ganha a vida matando do que nos canecos de cerveja que ele serve.
Porém a notícia de que os serviços do carrasco não serão mais necessários atrai novos clientes para o pub, incluindo um jovem mod vindo de Londres e que não tem medo de irritar os outros. E, como se trata de uma peça de McDonagh, as coisas vão ficar… bagunçadas.
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McDonagh, cujo relacionamento com Phoebe Waller-Bridge – atriz e criadora de "Fleabag" – o colocou ainda mais sob a luz dos holofotes, foi gentil e bem-humorado ao reconhecer sua aversão por entrevistas. Ainda assim, ele respondeu a todas as perguntas que foram feitas.
Ele e o irmão mais velho, o roteirista e diretor John Michael McDonagh, cresceram no sul de Londres, filhos de imigrantes irlandeses da classe trabalhadora. Os pais voltaram para a Irlanda em 1992, quando os irmãos tinham 20 e poucos anos, o que transformou a casa da família em Londres em uma espécie de república de escritores.
A dificuldade de McDonagh para encontrar sua própria voz acabou quando ele parou de tentar calar o tumulto irlandês que falava em sua cabeça. "Quando finalmente fiz isso, acho que libertei alguma coisa que me permitiu escrever da maneira como meus tios falavam, sem parecer uma cópia de Pinter ou Mamet", contou.
Isso permitiu que ele brincasse como o idioma irlandês, "e o corrompesse ligeiramente, mas também fosse o mais fiel possível a determinados aspectos da língua", afirmou.
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Sua primeira peça, um sucesso chamado "The Beauty Queen of Leenane", foi acompanhada por várias outras que se passavam na região ocidental da Irlanda. O humor negro dos temas e das situações se tornou ainda mais forte desde então, como comprovam os longa-metragens que escreveu e dirigiu: "Na Mira do Chefe", "Sete Psicopatas e um Shi-Tzu" e "Três Anúncios para um Crime", que venceu dois dos sete Oscars aos quais foi indicado em 2017.

Mas McDonagh conta que "Hangmen" é um pouco diferente. Embora suas histórias geralmente partam de um personagem imaginado, ou de um diálogo inventado, essa peça surgiu do desejo de dizer algo importante sobre um assunto específico (a pena de morte e a enorme possibilidade de cometer erros de julgamento).
Ele escreveu algumas páginas, achou que não estavam boas e deixou o projeto de lado por uma década. Mas, depois de pesquisar um pouco mais sobre o extravagante Pierrepoint e seu assistente, bem como sobre as questionáveis execuções realizadas nos anos 50 e início dos anos 60, que levaram à abolição da pena de morte, McDonagh encontrou uma forma de escrever um suspense tragicômico que expunha seus sentimentos sobre a pena de morte.
E o que ele pensa sobre o assunto?
"Ah! Estou longe de ser um grande defensor. Para mim, o problema é que nunca dá para ter cem por cento de certeza. E, se você mata a pessoa, é impossível desfazer essa decisão", afirmou McDonagh.
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McDonagh ficou especialmente intrigado com o fato de que a Inglaterra ainda enforcava pessoas quando os Beatles faziam sucesso. "Parece muito anacrônico, mas também é disso que a peça fala: a mudança dos tempos sombrios dos anos 1950 e do pós-guerra para esse mundo novo e alegre", afirmou.
Em "Hangmen", porém, o fim dos tempos da gravata-borboleta na Inglaterra é abrupto e ameaçador. O forasteiro Mooney, interpretado por Dan Stevens – conhecido por sua participação em "Downton Abbey" –, é a personificação de um futuro incerto e assustador.
"Hangmen" estreou com sucesso de crítica no Royal Court Theater de Londres, em 2015, antes de entrar em cartaz no West End. Montada novamente, em 2018, pela Atlantic Theater Company, na off-Broadway, muitos americanos afirmaram o seguinte sobre a peça de McDonagh:
"Nossa, vocês só aboliram os enforcamentos nos anos 1960? É uma loucura que vocês fizessem algo tão bárbaro há tão pouco tempo."
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McDonagh sorria e costumava dar duas respostas.
A primeira resposta: Algumas pessoas afirmam que enforcamentos são mais rápidos e misericordiosos que o drama prolongado e a preparação para a morte pela cadeira elétrica. Entre os defensores do enforcamento estava o próprio Pierrepoint, que enforcou entre 400 e 600 pessoas antes de se aposentar, em 1956, e que certa vez teria enforcado um homem em apenas sete segundos.
"Ele não queria saber de tortura, mas de cumprir a sentença da maneira mais humana e rápida possível", contou McDonagh.
A segunda resposta: "Você sabia que no seu país vocês ainda fazem isso, né? No nosso, não fazemos mais."
A montagem de "Hangmen" na Broadway é dirigida por Matthew Dunster, que supervisionou as produções anteriores da peça, assim como a obra mais recente de McDonagh, "A Very Very Very Dark Matter" (Um Tema Muito, Muito, Muito Obscuro, em tradução livre). "Ele gosta de trilhar caminhos estranhos e, a partir deles, contar histórias extraordinárias que surgem de um mundo inteiramente imaginado e extremamente obscuro", afirmou Dunster sobre McDonagh.
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Encarar a obra de McDonagh da perspectiva de um estudante de pós-graduação – separando temas, tropos, "o que o artista quis dizer" – é estar diante de uma de suas obscenidades prediletas.
"Nem penso nisso. Tento escrever umas coisas engraçadas e pronto. É só enforcar alguém. Parece exagero, mas é verdade", afirmou.
A obra de McDonagh sempre causou controvérsia, mas "Three Billboards" se tornou um dos alvos preferenciais da temporada do Oscar, em parte porque parecia oferecer um caminho de redenção para um policial branco racista interpretado por Sam Rockwell.
O autor vê as coisas de outra maneira: "Não acho que ele se torna um herói no fim. Acho que ele ainda é o mesmo babaca do começo da história", afirmou McDonagh. Mas o que dizer da violência excessiva de muitos de seus filmes e peças? Tiros na cabeça, corpos banhados de sangue, pessoas pegando fogo – esse tipo de coisa.
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Sua resposta é simples: "Na realidade, meu objetivo é mostrar a violência como uma coisa terrível, que deve ser evitada de qualquer maneira", disse.
Por fim, o que acontece com os coelhos? Os muitos coelhos que confortam o serial killer interpretado por Tom Waits no filme "Sete Psicopatas e um Shih Tzu"? O coelho que perde a cabeça em "Six Shooter", o curta-metragem que venceu o Oscar em 2004?
"Bergman usava sombras e neblina, e eu estouro as cabeças de coelhinhos", completou McDonagh.
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