O cruzamento que colocou a Seleção Brasileira frente a frente com a talentosa geração da Bélgica, algoz do Brasil nesta sexta-feira, também expôs dois corações a um enfrentamento típico de arquibancada. De um lado, a estilista blumenauense Gerusa Koroll, moradora do bairro Vila Nova. Do outro, Michiel Decaigny, que nasceu e viveu até dezembro do ano passado na região de Bruges, na Bélgica.
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Por uma dessas diásporas do coração, o romance que começou amistoso em um bar, durante uma viagem dela à Bélgica, foi virando goleada. Passou de fase há sete meses, quando Michiel trocou a terra dos monges cervejeiros para morar com Gerusa, veja você, numa cidade também apaixonada por cerveja, Blumenau.
Os dois assistiram à partida desta sexta-feira na casa de amigos com um grupo de 20 pessoas. Cada um com uma torcida, mas os dois juntinhos. Os três, na verdade, já que Gerusa está grávida de seis meses. Michiel era um pontinho vermelho entre as camisas, bandeiras e guardanapos amarelos da casa. Só não foi um torcedor solitário porque a médica Camila Drago também resolveu torcer pelo esquadrão de Hazard por causa da irmã, que mora há 15 anos no país europeu.
Antes de a bola rolar, os palpites eram de 2 a 1, cada um para sua seleção. Quando o jogo começou, logo nas primeiras chances de gol da Bélgica o torcedor infiltrado espalmou a mão no rosto e viu que vencer a Seleção Brasileira, tão respeitada por ele nas entrevistas antes do jogo, talvez não fosse um sonho tão distante. Aos 13 minutos de jogo, após escanteio que deu origem ao gol da Bélgica, Michiel saltou sozinho para comemorar na sala repleta de torcedores canarinhos, a essa hora todos “pistolas”.
Dezoito minutos depois, um dos amigos trouxe um lanche de fast food para realizar um desejo de grávida de Gerusa. Foi nessa hora a maionese desandou. Lukaku encontrou DeBruyne, que achou o gol em belo chute de fora da área. Na sala da casa dos amigos, Michiel não viu mais nada. Vibrava de braços erguidos e olhos azuis arregalados, sem temer os gritos bem-humorados dos amigos, de “Uh, vai morrer”.
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Vitória com doses de sofrimento no segundo tempo
A torcida brasileira da casa só comemorou a primeira vez no intervalo, quando ficou pronta a primeira leva do entrevero. A segunda festa veio depois da pressão do Brasil e do gol de Renato Augusto, aos 31 do segundo tempo. Os brasileiros não deixaram barato e comemoraram sempre de olho no antagonista da tarde.
Michiel foi goleiro quando morava na Bélgica e é apaixonado por futebol. Em terras brasileiras, já entrou na patota do cunhado e joga uma vez por semana. Mas por 90 minutos ele não foi o craque preferido do coração de Gerusa. De verde e amarelo, ela torcia por Neymar e companhia enquanto suportava a animação do marido e os chutes que o bebê dava na barriga, indicando uma empolgação de pai para filho.
– Ele é 50% brasileiro, 50% belga, vai ficar feliz de qualquer jeito – dizia Michiel antes do jogo, exercitando o português que já consegue falar após sete meses em Blumenau.
Quando o Brasil ameaçou empatar nos minutos finais, Michiel não quis ver, foi para o lado de fora, acendeu um cigarro. Quando nada mais confortava a ansiedade, escondeu o rosto no ombro de Gerusa, que o acolheu com a sensibilidade feminina capaz de desmontar até um goleiro belga com altura de Courtois.
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Algum escritor já filosofou que o futebol é uma das poucas coisas capazes de fazer você voltar a se sentir criança. Quando o juiz apitou o fim do jogo, muitos brasileiros reviviam dores de Copas passadas. Michiel era genuinamente um menino a comemorar a vitória. Um resultado histórico que aproxima a Bélgica de um inédito título mundial. Conquista que Michiel espera comemorar brindando uma valiosa cerveja trapista feita por monges e trazida por ele da Bélgica – por enquanto, ela está reservada para o momento.
– O futebol é importante, mas a amizade é maior. Foi um momento importante para a vida dele e, para a gente foi legal fazer parte disso – contou o cunhado Guilherme Koroll, braço direito de Michiel na adaptação ao Brasil e parceiro de futebol às terças.
Para Gerusa, o jeito agora vai ser torcer pela Bélgica no restante da Copa do Mundo. Mas para eles, mais importante do que isso é uma outra geração belga: a que está para chegar em três meses, com o pequeno Lars. Cinquenta por cento brasileiro, 50% belga.