No dia 17 de março, fez um ano que o governo de Santa Catarina decretou estado de emergência em função da pandemia de coronavírus e anunciou medidas drásticas de restrição: academias, shoppings e restaurantes foram fechados; o transporte entre municípios foi suspenso; eventos de qualquer porte foram proibidos. De lá para cá, entre idas e vindas (e altas e baixas nos casos de coronavírus), alguns setores já voltaram a funcionar, com mais ou menos restrições e a imposição de diversas medidas de segurança – mas o setor da cultura segue sendo um dos mais impactados. A volta à atuação plena continua sendo um sonho distante.

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— Foi e está sendo terrível, porque os shows ainda não foram liberados — lamenta o produtor cultural Luciano Cavichiolli, de Joinville. Além da produção de eventos, Luciano dirige a tradicional casa de espetáculos Teatro da Liga, e o anexo Porão da Liga Pub. 

— Nossa renda simplesmente zerou, mas as despesas do espaço continuam: manutenção, conta de água, conta de luz, alvarás. Não temos perspectiva de como ou quando poderemos voltar.

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Luciano cancelou todos os shows para os quais ainda não tinha começado a vender ingressos; e manteve cinco, já com ingressos comercializados, que permanecem sem data para acontecer. No começo da pandemia, o Teatro da Liga, até como maneira de ajudar os artistas locais, surfou a onda das lives, que fizeram enorme sucesso por alguns meses – mas logo a popularidade dos shows online de música começou a cair, e, com ele, a arrecadação. Depois de um tempo, o dinheiro que entrava com as lives não era mais suficiente para pagar os custos de transmissão e equipamento, e as apresentações pararam.

— Já estamos no terceiro empréstimo bancário — relata o produtor. 

— Quando pegamos o primeiro empréstimo, achávamos que ia ser coisa rápida, de dois ou três meses: queríamos só segurar as pontas até podermos voltar a trabalhar. Mas não foi o que aconteceu. Começamos a dispensar funcionários a partir do quarto mês. Em novembro usamos o novo empréstimo para pagar a rescisão das últimas pessoas.

Com a plateia vazia, não faltam relatos de artistas, iluminadores, pessoas que trabalham com sonorização ou divulgação que tenham procurado outras ocupações e fontes de renda
Com a plateia vazia, não faltam relatos de artistas, iluminadores, pessoas que trabalham com sonorização ou divulgação que tenham procurado outras ocupações e fontes de renda (Foto: Pexels, banco de imagens)

Eveline Orth, presidente regional da Abrape (Associação Brasileira dos Promotores de Eventos), também comenta que, inicialmente, a expectativa era de um retorno muito mais rápido: ela adiou para o fim de 2020 um show que Milton Nascimento faria em Florianópolis em abril; depois adiou novamente, para abril deste ano; e agora já considera a possibilidade de um novo adiamento, para o fim de 2021. A produtora estima que cerca de 95% dos eventos programados por sua empresa antes da pandemia tenham sido remanejados; e conta que, ao longo de 2020, realizou apenas alguns eventos coorporativos.

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— Mas nada comparado àquele volume a que eu estava acostumada — destaca. 

— E nosso faturamento vem em maior parte de bilheteria, de venda de ingressos. Aí, claro, foi um tombo econômico enorme. Já sabemos que a retomada, quando acontecer, será muito desafiadora; porque, para retomar os negócios, nós precisamos de dinheiro: precisamos pagar cachê, passagem aérea, mídia. Não dá para fazer tudo isso sem caixa.

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A jornalista e produtora cultural Soila Freese, vice-presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais de Blumenau, também diz que teve um ano “zerado”, com oito apresentações remarcadas ou canceladas. Antonio Floriano, produtor cultural que atua na região de Itajaí e também organiza o Floripa Instrumental na capital catarinense, conta que os maiores eventos da região do Vale foram suspensos, enquanto alguns migraram para o online: segundo ele, a opção pela suspensão dos grandes eventos se deu principalmente pela percepção que havia de que logo a situação estaria melhor; e que no semestre ou ano seguinte, no máximo, a realização poderia se dar normalmente, sem necessidade de recorrer a uma versão virtual.

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Soila vê a realização de eventos online como uma reinvenção pela qual o setor cultural se viu obrigado a passar:

— Acho que muita gente se reinventou. Nos unimos muito, uns ajudando os outros. Não se deixou de fazer arte — argumenta. 

— Acho que, mesmo de uma forma reduzida, as coisas foram acontecendo; apesar do prejuízo financeiro, claro, que com certeza existiu. Resumidamente, acho que sobrevivemos: essa é a palavra.

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O problema é quando a reinvenção necessária é radical demais: não faltam relatos de artistas, iluminadores, pessoas que trabalham com sonorização ou divulgação que tenham procurado outras ocupações e fontes de renda desde março de 2020.

— Todo esse pessoal está em uma fase muito difícil — afirma Antonio. 

— Nós temos iniciativas arrecadando cestas básicas para doar para músicos, então imagina como a situação está grave! Balneário Camboriú e Itajaí são cheias de casas enormes de música eletrônica, todas fechadas há meses. A cadeia de trabalhadores da cultura em Santa Catarina é gigante, e muita gente, infelizmente, está saindo dela.

— Já fechou muito bar e restaurante — completa Luciano. 

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— Quem não conseguiu empréstimo está se desfazendo dos bens para pagar as contas. Mesmo quem conseguiu está vendendo outras coisas para pagar os empréstimos. A cena cultural vai terminar a pandemia encolhida.

— Ficamos incomodados porque vemos tanta notícia de festas clandestinas, gente postando vídeos na internet, praia lotada sem ninguém usando máscara, ônibus circulando cheio de gente… Você não pode abrir seu negócio, mas sabe que, com todas as outras coisas que estão sendo feitas, a situação não vai se resolver nunca — desabafa o produtor. 

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— As medidas afetam mais alguns setores do que outros.

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Justamente para evitar o colapso do setor cultural catarinense, Eveline Orth explica que o foco hoje está voltado para as condições de manutenção das empresas da área, muito mais do que para a retomada propriamente dita.

— Imagina um ano inteiro de faturamento zero? — ela questiona. 

— É uma coisa tão absurda que se, alguém tivesse me dito isso há um ano, eu teria dito “de jeito nenhum, ninguém vai sobreviver.” Estamos muito empenhados nas tratativas com o governo, com o banco do estado, para o fornecimento de linhas de crédito específicas para o setor. Santa Catarina tem mais de seis mil empresas constituídas no setor do entretenimento e da cultura. Nosso papel econômico é muito significativo.

Em relação a auxílios fornecidos pelo governo, os produtores são unânimes em dizer que a Lei Aldir Blanc, do ano passado, foi um recurso importantíssimo – mas que meses já se passaram desde então, e o setor cultural ainda precisa de ajuda.

— Em Itajaí houve um trabalho muito organizado — conta Antonio Floriano, a respeito do processo necessário para receber os recursos da lei. 

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Em relação a auxílios fornecidos pelo governo, os produtores são unânimes em dizer que a Lei Aldir Blanc, do ano passado, foi um recurso importantíssimo
Em relação a auxílios fornecidos pelo governo, os produtores são unânimes em dizer que a Lei Aldir Blanc, do ano passado, foi um recurso importantíssimo (Foto: Pexels, banco de imagens)

— A classe artística de Itajaí é muito organizada. A maioria recebeu os recursos, e isso deu um alívio bem grande. Muitos grupos inclusive já estão executando os projetos do edital da Lei Aldir Blanc. Mas acho que vai ser necessário mais uma intervenção do governo, afinal, o governo existe para auxiliar os setores que se encontram mais vulneráveis, né? Senão não precisava existir governo.

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— A Lei Aldir Blanc foi importante e deu um alívio ali naquele momento, mas foi muito pontual, e a pandemia continua — concorda Luciano Cavichiolli. 

— Quais são as perspectivas para o setor cultural enquanto continuamos nessa situação?

Já Eveline e Soila destacam a sobra de parte do valor destinado ao edital; principalmente pelo curto prazo que produtores e artistas tiveram para se organizar e se inscrever.

— Há municípios que nem têm setores específicos voltados para a cultura, secretarias de cultura, esse tipo de coisa — diz Eveline. 

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— Aí, com a falta de organização, esse dinheiro volta para o fundo, para o governo federal. Então estamos na torcida para que esse recurso seja liberado e utilizado; que ele seja atrelado a outro edital o mais rápido possível, por exemplo.

Mais do que em auxílios e recursos, a esperança do setor cultural está na vacinação.

— Acho que só vamos voltar com firmeza quando tivermos uma vacinação efetiva. Senão vamos ficar vivendo de pico em pico: as coisas começam a melhorar, a gente acha que pode reabrir, aí o cenário piora, a gente suspende tudo… — argumenta Soila. 

— Eu vejo na vacina uma esperança. As pessoas não fazem mais nem o mínimo que faziam no início da pandemia: se aglomeram em tudo quanto é lugar sem a menor necessidade. Parece que o vírus foi normalizado. Não temos como contar com o puro bom senso das pessoas, não temos como fiscalizar todo mundo… Ter as pessoas imunizadas é o caminho para termos um pouco de estabilidade.

— Essa doença vai permanecer aí por muito tempo, mas em algum momento ela vai estar controlada — opina Antonio. 

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— Meu maior medo é que isso demore demais para acontecer. Por enquanto, nem o espírito das pessoas está legal para realizarmos eventos. Como você vai fazer um evento de música, de teatro, enquanto tivermos esse número de mortos todo dia?

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