Um a cada 20 casos de maus-tratos a animais vira condenação em Santa Catarina. A afirmação tem por base uma comparação entre o número de inquéritos abertos pela Polícia Civil e a quantidade de processo que chegaram aos tribunais nos últimos cinco anos. Os dados expõem porque o sentimento de impunidade é tão presente e explica a surpresa quando alguém de fato fica atrás das grades por um crime desses.
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Dados obitidos pela Santa mostram que entre 2017 e fevereiro de 2022, a Polícia Civil do Estado abriu mais de 3,3 mil inquéritos envolvendo crimes contra animais. Neste mesmo período, houve 167 condenações na Justiça. Na maioria delas a punição se resumiu a multa.
A sensação de que o criminoso sairá ilseso pode justificar a ascensão dos registros. Em 2017, por exemplo, as delegacias abriram 438 procedimento para investigar denúncias de maus-tratos a animais em toda SC. No ano passado saltou para 760. Nos últimos dois meses e meio já são 115.
Joinville (278), Florianópolis (277) e Lages (105) estão no topo do ranking. Blumenau aparece na quarta posição (99). O gráfico abaixo mostra a quantidade de casos em cada cidade catarinense. Quanto mais forte a cor no mapa, maior o volume de processos, conforme levantamento da Polícia Civil.
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Mas enquanto os números que inquéritos abertos chamam atenção pela grande quantidade, os de condenações suspreendem pelo oposto. De 2017 a fevereiro de 2022, o total sentenças proferidas pela Justiça ficou em 167. Nos tribunais, há certa estabilidade no volume de casos analisados: cerca de 32 por ano.
Concórdia (10), Joinville (9), Trombudo Central (8) e Chapecó (8) ocupam são as comarcas que ocupam as primeiras posições na lista de cidades com mais condenações. A capital Florianópolis teve apenas duas. Fica atrás, inclusive, de Blumenau, com quatro sentenças proferidas.
Mas o que provoca esse abismo entre investigações e sentenças? Os motivos são variados, diz o delegado Egídio Ferrari, representante do projeto Cadeia para Maus-Tratos em SC. Vai desde falta de provas que confirmem quem provocou a agressão até testemunhas dispostas a contar o que viram.
— Às vezes não se tem o minímo de provas para indiciar alguém. Por isso é tão importante imagem e testemunha — explica.
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O que diz a lei?
A Lei Federal 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, prevê pena de três meses a um ano de detenção para casos de maus-tratos a animais. É uma pena considerada branda pelos órgãos de proteção animal, porque o agressor não chega a ficar preso.
A situação muda quando se trata de cães e gatos. Uma alteração na lei em 2020 estipulou que nesses casos a pena é de dois a cinco anos. Se houver morte, sobe mais.
Aí, se a condenação ultrapassar quatro anos, a pessoa pode cumprir pena em regime semiaberto. Se for inferior, será em regime aberto. Ou seja, fora do presídio. É o que determina o decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
Por isso é tão difícil alguém de fato ficar atrás das grades exclusivamente por maltratar um animal.
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O episódio de Indaial no mês passado – em que o dono de um cão teve a prisão preventiva decretada e segue na cadeia após matar animal ao arrastá-lo nos asfalto - foge a regra por alguns fatores. O primeiro: o homem já tinha condenação anterior pelo mesmo crime. Também havia gravação da violência e inúmeras testemunhas.
O caso bárbaro registrado está entre os 86 que deram entrada na Justiça somente entre 18 de janeiro e 28 de fevereiro deste ano. Desse montante de processos, Blumenau e Ituporanga, no Vale do Itajaí, têm a maior quantidade de casos, com sete cada uma. Na sequência aparece Trombudo Central (5), pequena cidade de apenas 7,5 mil habitantes no Alto Vale.
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A mais recente de condenação por maus-tratos em SC é de Pomerode, e sentença saiu em janeiro. O imóvel de um casal era alvo de uma ação da polícia por causa de tráfico de drogas e os agentes encontraram o cão da família preso numa corrente com apenas um palmo de comprimento, sem água e sem comida.
Somadas as penas pelos dois crimes — tráfico e maus-tratos a animais — deu tempo suficiente de sentença para prisão da dupla em região fechado.
Mas então qual é a pena?
O juiz Edison Alvanir Anjos de Oliveira Júnior, da 2º Vara de Pomerode, explica que existe um longo caminho entre em uma denúncia e uma sentença. Nessa jornada, além de o boletim de ocorrência registrado na Polícia Militar pode nem virar um inquérito da Polícia Civil por falta de elementos, também é possível que o procedimento seja arquivo na ausência de provas que indiquem a autoria do crime.
— O Ministério Público pode oferecer transação penal, que é a aplicação imediata de penas restritivas de direitos. Se o autor aceitar e cumpri, acaba o caso e não vira processo. Tem ainda a acordo de não persecução penal [quando a pessoa reconhece o erro e e o promotor entende que há meios mais eficientes de reparação do mal causado do que o encarceramento] — explica.
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Mas quando os casos conseguem ultrapassar essas etapas, chegam aos tribunais. Aí, na visão do delegado e coordenador do projeto Cadeia para Maus-Tratos em SC, surge outra barreira. É raro alguém ser condenado a pena máxima, que levaria o acusado à prisão. O que ocorre então é a aplicação de penas alternativas que vão desde multa, passando pelo pagamento de cesta básica até serviço comunitário.
— É preciso aprimorar a aplicação da pena. Infelizmente estamos vendo o foco no desencarceramento — lamenta Ferrari.
