O clima esquentou no último dia da Jornada Nacional de Literatura.
Não apenas fora do circo, em que o céu azul e o sol forte marcaram o fim da festa, mas no próprio palco de debates, onde os críticos Alberto Manguel e Beatriz Sarlo partiram para o enfrentamento com a editora escocesa Kate Wilson por seus pontos de vista com relação à tecnologia aplicada à leitura das crianças.
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A última mesa de debates da Jornada contou com a mediação de Fabiano dos Santos, Diretor do Livro, Leitura e Literatura do Ministério da Cultura, e contou com a participação do brasileiro Affonso Romano de Sant’Anna, e dos já citados Alberto Manguel, Beatriz Sarlo e Kate Wilson.
Sant’Anna abriu a conversa com um relato de como o Brasil abraçou um projeto de desenvolvimento que separou leitura e educação e que não previa o incentivo à leitura. Manguel e Sarlo apresentaram, com variações, considerações que já haviam apresentado em uma entrevista pela manhã, comparando a leitura à sexualidade, duas atividades pessoais e subversivas de ensino muito mais complexo do que se pensa.
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– Pode-se alfabetizar alguém, mas depois disso ele ainda precisará aprender a ser um leitor – disse Manguel.
A discussão se acalorou depois de Kate Wilson fazer a sua própria apresentação no debate. A editora, que já trabalhou em gigantes editoriais da Grã-Bretanha e hoje tem sua própria pequena casa publicadora, produzindo livros e aplicativos digitais para dispositivos de leitura, apresentou números segundo os quais as crianças estão cada vez convivendo mais com a tecnologia, e portanto é aí que devem ser buscados os novos leitores. Ela depois apresentou, com o auxílio de um laptop, cenas e recursos de um aplicativo adaptando a Cinderela para leitura digital, com animações, músicas e recursos de brincadeiras interativas.
Quando a escocesa concluiu sua apresentação, Fabiano dos Santos não teve sequer tempo de fazer a primeira pergunta do debate e Manguel pediu o microfone para, em espanhol, promover um ataque frontal ao que havia visto.
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– Achei que esta mesa falaria de formação de leitores, e não de de-formação. E leitura não é uma atividade de comércio. Que existam coisas como essas me parece legítima, assim como há sexo virtual, mas promover este tipo de tecnologia como o futuro da leitura é um equívoco.
Kate Wilson tomou o microfone dizendo que, embora não entendesse espanhol, havia entendido aquilo. Ao que Manguel, naturalizado canadense, ofereceu-se para traduzir para o inglês. Ignorando o comentário, Kate Wilson respondeu:
– Eu não me importo com o que as pessoas leiam desde que estejam lendo. Se elas passam hoje a maior parte do tempo diante de telas, se não levarmos a leitura às telas corremos o risco de elas não lerem mais.
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– Mas esse tipo de raciocínio não forma leitor algum – retrucou Manguel
– E quem é você para decidir isso – retrucou a escocesa curvando-se de indignação na cadeira.
Beatriz Sarlo também se manifestou fazendo uma avaliação bastante negativa do que havia visto na apresentação da editora.
– Nenhum de nós aqui trouxe livros próprios. Se você fez isso, deve estar aberta a uma crítica ao seu trabalho. Não vou criticar sua pessoa, sua religião ou seu caráter, mas seu trabalho, e esteticamente seu livro é um retrocesso de 40 anos.
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A essas todas, a plateia parecia querer mais era que o circo pegasse fogo, metáfora apropriada para um debate sob uma lona. Cada intervenção era recebida com aplausos acalorados, mesmo que defendesse o contrário da anterior.
O chargista Paulo Caruso, sentado em frente ao palco em uma escrivaninha, está desde o início da jornada repetindo o que já faz no programa Roda Vida da TVE, fazendo caricaturas de improviso ao sabor do que ocorre nos debates – em desenhos mostrados nos telões para a plateia.
Aproveitou a deixa para emendar uma série de desenhos de Manguel e Kate em um ringue de box trocando golpes ou sendo apaziguados por Affonso Romano de Sant’Anna, que tentava apresentar uma visão moderada.
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