Em Londres, há placas azuis redondas em frente às casas de pessoas famosas que já morreram. Não é diferente no sobrado 221b da Baker Street, onde se lê “Sherlock Holmes Consulting Detective 1881 – 1904”.

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Esse é o tamanho do personagem de Arthur Conan Doyle na cultura inglesa: o de uma pessoa real.

Holmes tem uma nova vida desde 2010 na série Sherlock, da BBC One, que virou o maior sucesso de audiência daquele canal na história – o episódio de estreia da terceira temporada, exibido no primeiro dia deste ano, chegou a 12,72 milhões de espectadores, segundo o canal. O último capítulo dessa parte da saga vai ao ar no Brasil nesta segunda-feira (27/1), às 22h, no canal de TV a cabo BBC HD.

Não é só o detetive que é rodeado de mistérios. Sherlock, o seriado, também não é peça fácil de desvendar, e talvez seja esse o seu maior mérito. Quem é fã dos livros de Conan Doyle (1859 – 1930) e conhece bem as histórias percebe que a adaptação para a TV consegue entregar grande fidelidade a situações e personagens originais. Ainda que traga os mistérios de Holmes e Watson para o contexto atual, mais de cem anos depois de as histórias terem sido escritas, a trajetória para a solução dos crimes não força a barra do verossímil em nenhum momento.

– As histórias de Conan Doyle nunca foram sobre casacos e lampiões, são sobre dedução brilhante, vilões terríveis e crimes de gelar o sangue. Outros detetives têm casos. Sherlock Holmes tem aventuras – diz o criador da série, Steven Moffat, no site da BBC One.

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Os menos letrados na saga do detetive também se divertem, já que o roteiro bem costurado, a montagem ágil e as belas – e frias – imagens de Londres envolvem o espectador em uma hora e quinze minutos de tensão e cérebro trabalhando intensamente para tentar acompanhar a aguçada capacidade de investigação de Holmes – sem sucesso, é claro. Não por acaso, Moffat também é o responsável por outro grande sucesso da televisão inglesa: o longevo seriado Doctor Who. Ele, a mulher, Sue Vertue, e Mark Gatiss – que, além de escrever, interpreta o irmão de Sherlock, Mycroft Holmes – tocam a produção. A quarta temporada está confirmada para 2015, um alívio para os fãs, já que o hiato entre a segunda e a terceira temporadas foi de quase dois anos.

Não foram só crítica e público ingleses que se apaixonaram por Sherlock. Exibida nos Estados Unidos pelo canal de TV PBS, a série conquistou também os americanos – além de muitos brasileiros. O ator Benedict Cumberbatch, que interpreta o protagonista, e Martin Freeman, que vive Watson, estiveram em grandes produções de Hollywood recentemente. Cumberbatch pode ser visto em Além da Escuridão – Star Trek e no drama Álbum de Família. Já Freeman está em toda a série O Hobbit, na qual interpreta Bilbo Baggins.

Para quem ainda não teve a chance de assistir a Sherlock, as opções – bem como as razões para fazê-lo imediatamente – são variadas. As duas primeiras temporadas já podem ser encontradas em DVD e Blue-Ray e estão disponíveis também para os assinantes do Netflix.

Campeão da razão

Carlos André Moreira

Os leitores do século 19 amavam Sherlock Holmes. Os do século 21 ainda o amam, mesmo que seu contato com ele seja antes pela TV e pelo cinema do que pelos livros de Conan Doyle. O motivo continua o mesmo: Sherlock é a personificação sobre-humana do pensamento lógico. O que mudou foram as ressonâncias provocadas pelo contexto em que se dá essa admiração.

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No passado, o detetive atraía seus primeiros leitores por oferecer o vislumbre de um futuro de amplo progresso material e tecnológico. O personagem surge algumas décadas depois de a Inglaterra treinar sua primeira geração de “investigadores científicos”, policiais dedicados a métodos lógicos de combate ao crime. Sherlock é o paroxismo desse tipo de investigador – o homem que sabe tudo, ou pode descobrir tudo.

Em nosso confuso século 21, quando a grande sensação é de que não se sabe nada e de que sempre existe alguém melhor informado em algum lugar, Sherlock apela ao público pelo claro saudosismo de um tempo idílico em que um personagem como ele podia ser imaginado.