A crescente ameaça a judeus, negros, mulheres e LGBTs é um dos principais assuntos nas conversas entre estudantes, servidores técnicos e docentes há duas semanas, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O tema ganhou mais peso depois que três alunos da instituição foram presos por suspeita de integrarem uma célula nazista. Desde então, pichações, mensagens e símbolos com apologia ao neonazismo foram encontrados em três centros da universidade.
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— É um assunto que tomou conta na semana passada, retrasada e permanece. A preocupação é geral, inclusive pela nossa segurança. A gente acredita estar em um ambiente saudável, mas tem pessoas que pensam de forma antidemocrática, anticonstitucional e fora de qualquer lei do mundo inteiro — afirmou um técnico administrativo da universidade.
O medo é a sensação mais citada por alunos e servidores da UFSC, seguida pela revolta. O temor de ter um criminoso entre a comunidade universitária ou circulando pelo campus desencadeia tensão, desmotivação para comparecer à instituição e sustos em situações do dia a dia. Por isso, a reportagem optou por proteger a identidade das pessoas que relataram o que estão vivendo na universidade.
— Medo por nós e pelos colegas também. Ter esse crime espalhado pela universidade te deixa tenso — relatou uma estudante de graduação.
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— Uma pessoa do curso falou que estava se sentindo completamente ameaçada e desencorajada a voltar à universidade, fora necessidades extremas — contou um aluno do Centro de Ciências da Saúde (CCS), onde foram encontradas duas das cinco manifestações de apologia ao nazismo.
A primeira pichação com um símbolo nazista foi feita no banheiro do quarto andar do centro e relatada no mês outubro. O local é pouco frequentado e sem câmeras de segurança, com baixas chances do criminoso ser flagrado. O crime foi denunciado de forma anônima a um centro acadêmico, que comunicou à direção do centro para registrar um boletim de ocorrência.
A segunda ação criminosa foi uma ameaça de morte a um aluno judeu do próprio CCS. A mensagem nazista foi escrita no banheiro do andar térreo do centro, um dos mais utilizados e em uma área de trânsito de muitos estudantes e servidores. O escrito foi visto no dia 1º de novembro, mesmo dia em que foi feito.
“Nazistas têm se sentido mais à vontade para agir”, diz especialista
— Todo mundo ficou sabendo do primeiro caso, mas não foi muito debatido. Claro que gerou aquela revolta e comoção, porque é algo muito grave. Mas a segunda situação se espalhou muito rápido, estava circulando em todas as áreas do campus. Então a comoção foi muito maior, o repúdio foi maior. O clima de medo e tensão acabou sendo mais elevado — disse o estudante do CCS.
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Apesar de ter sido o segundo registro criminoso na área da saúde, a ameaça direta a um aluno foi o quinto caso na universidade. Relatos sobre atos criminosos já eram comentados há dias pela comunidade acadêmica, visto que outras duas situações foram registradas no Centro de Ciências Jurídicas (CCJ), do outro lado do campus Trindade.
Frases contra mulheres, judeus, negros, homossexuais e com incentivo ao crime de estupro foram encontradas no banheiro masculino do terceiro andar do centro no dia 24 de outubro. Quatro dias depois, uma carta de ódio, digitada com ofensas aos mesmos grupos, foi vista por um professor em uma sala de aula da graduação do curso de Direito.
O padrão das primeiras manifestações neonazistas nos dois centros é a escolha por um local pouco movimentado, em andares e corredores com menos circulação de pessoas. Já a segunda ação criminosa foi executada em lugares menos tímidos, com maior exposição.
— No início eu achava que não era sério, mas começou a aparecer outra, e mais uma. Eu estou morrendo de medo, fico aqui sozinha. Eu venho para o trabalho e tento não pensar nisso. Tem gente aqui que também está morrendo de medo e está evitando vir presencialmente — afirmou uma servidora técnica do CCJ.
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O campus de Joinville também registrou ocorrência de uma pichação de suástica e palavras de apologia ao nazismo em um dos banheiros. O caso aconteceu no dia 26 de outubro e fazia referência a um ditado e livro nazista.
— A reincidência preocupa muito mais. Não foi um fato isolado, não foi um acontecimento. Foram vários casos em mais de um centro em um período muito curto — expressou outro aluno da UFSC.
Alunos repudiam manifestações nazistas
Na segunda-feira (7), uma carta assinada pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) e o Centro Acadêmico Livre de Letras (CALL) foi entregue ao reitor Irineu Manoel de Souza e à vice-reitora Joana Célia dos Passos. O texto contra as manifestações nazistas pediu também a punição dos autores dos crimes e dos alunos presos pela Polícia Civil, suspeitos de integrarem uma célula nazista.
Faixas, cartazes e peças gráficas foram espalhadas pelo campus principal da universidade como resposta aos ataques intolerantes. “UFSC antifascista”, “universidade contra o nazismo” e “UFSC não é lugar de nazista” foram alguns dos principais dizeres expostos.
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— A gente tem que se posicionar contra e não pode abaixar a cabeça. Não pode ignorar, não vamos deixar passar despercebido. A pessoa vai chegar na universidade e vai dar de cara com cartazes mostrando o quanto a gente repudia essa atitude. Isso não é aceitável principalmente dentro da área da saúde. A gente está sendo educado para cuidar de todos independente de quem seja — disse uma aluna.
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Universidade não é lugar de intolerância
Parte da revolta da comunidade universitária com os crimes é baseada na compreensão de que a apologia ao nazismo vai contra o que a UFSC representa. A intolerância não é o que estudantes, professores e técnicos esperam dentro do ambiente de ensino, pesquisa e extensão.
— Aqui é um espaço de acolhimento, de pertencimento. Não é lugar de discriminação. Esse tipo de atitude não representa o que a gente aprende aqui dentro — disse uma aluna.
— A gente faz parte de um grupo todo que quer ter democracia, liberdade e direitos. E tem gente que não pensa assim, sei lá o que passa na cabeça dessas determinadas pessoas. Todo mundo fica chateado, envergonhado. A gente tem um amor pela universidade, por isso a gente sente essas coisas. A universidade é uma comunidade, eu sou a UFSC. A gente sente um orgulho, mas quando acontecem determinadas coisas a gente fica mal — relatou um servidor administrativo.
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— A UFSC é um lugar de educação e educação tem que prever o respeito com o outro, independente de nacionalidade, religião, identidade de ideias. Fora, as nazistas — observou um estudante.
— Não podemos ser tolerantes com o intolerante. Isso prevalece como consenso no CCS e em outros centros também — complementou um colega.
Para a doutora em Sociologia Adriane Nopes, os limites da sociedade harmônica e favorável aos mais diversos grupos sociais são baseados na defesa dos direitos humanos e da democracia.
— Democracia representa o direito à liberdade, igualdade de direitos, pluralidade de opiniões e de existência, desde que não fira a liberdade e o direito dos outros. Vem o velho ditado: “Minha liberdade vai até onde começa a tua”. E intolerância é um comportamento característico de quem não reconhece e/ou respeita as diferenças quaisquer que sejam, diferenças religiosas, diferenças de opiniões, diferenças culturais, pois não reconhecem a pluralidade — explicou a especialista.
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UFSC repudia crimes de racismo
De acordo com a Agência de Comunicação (Agecom) da UFSC, a resposta institucional da universidade aos atos criminosos está sendo feita em diferentes frentes. Entre elas, a consolidação dos protocolos para denúncia dos casos, a construção de uma Política de Enfrentamento ao Racismo Institucional e o encaminhamento dos episódios às autoridades policiais.
A UFSC afirma que não concorda com qualquer forma de violência ou discriminação dentro da universidade. E também alegou, em nota anterior, que reforçou o pedido de atenção à equipe de segurança do campus.