“Eu sou a continuação de um sonho”, diz a música de BK’ e JXNV$. Para além da canção, a frase simboliza a conquista dos 10 alunos negros prestes a se formar em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A colação de grau, nesta quinta-feira (18), marca o fim da jornada universitária — e só o começo do sonho.

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Letícia Duarte, de 28 anos, é uma das formandas. Futura psicóloga, ela reconhece o desafio da graduação. Não apenas entrar no curso, mas permanecer: uma pandemia no meio do trajeto e o conhecimento de que, na universidade, ela — mulher negra — era exceção.

Com o acolhimento dos colegas também negros e o apoio de professores, se sentir pertencente ao espaço acadêmico se tornou mais fácil.

— Foi muito importante a gente se enxergar no “mar” de pessoas brancas que era o curso — menciona Caio Nex, outro formando.

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Muitos são os primeiros de suas famílias a entrarem na universidade. A “continuação de um sonho”, de mães, pais e avós que não tiveram as mesmas oportunidades.

Formanda da UFSC quebra tradição e usa beca branca pela primeira vez

Desigualdade persiste

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2020, mostram que os cursos da área da Saúde das universidades públicas tiveram naquele ano mais de 225 mil matrículas. Destes, cerca de 21 mil se autodeclaravam pretos, e 70 mil pardos.

Já em 2023, segundo o IBGE, Santa Catarina tinha 1,039 milhão de pessoas com 25 anos ou mais com ensino superior completo. Destas, 906 mil eram brancas, e 126 mil eram negras.

Ser um dos poucos alunos negros em uma sala de universidade, segundo eles, pode ser solitário. Helena Lívia, de 24 anos, também futura psicóloga, cita momentos em que essa solidão era amplificada. Ela afirma não ser raro que pessoas brancas tenham mais afinidade entre si — vivências parecidas, por exemplo, colaboram para isso.

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Assim, se via “sobrando” quando o assunto era um trabalho em grupo, por exemplo.

— Quando a gente fala, é uma sala em silêncio — pontua Caio.

Leoni Rita Vitória, de 36 anos, conta como o curso de Psicologia é um dos mais concorridos da UFSC. No Vestibular Unificado 2024, a proporção candidato/vaga do curso era de 17,38, atrás apenas de Medicina (em Florianópolis, 79,34). Isso, segundo ela, acaba tornando o curso mais elitizado.

— A gente via uma divisão física na sala de aula. De um lado, alunos brancos, que já se conheciam, seja de um cursinho, ou da escola. Do outro, nós, negros, pessoas com deficiência, ou alunos mais velhos. Ações afirmativas garantem a nossa entrada, mas não alteram a cultura acadêmica voltada a pessoas brancas — relata.

Agora, o desejo é abrir uma clínica multidisciplinar voltada para o atendimento de pessoas negras. Mas o próximo passo, mesmo, é a habilitação no Conselho Regional de Psicologia (CRP).

— Agora se abre uma porta para mudar a história do curso — conclui Leoni.

Quem são os formandos

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A pró-reitora de Ações Afirmativas e Equidade (Proafe) da UFSC, Leslie Sedrez Chaves, celebra a conquista.

— É muito gratificante para a Universidade e para nós, da Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Equidade, ver e presenciar a mudança de perfil dos estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina, poder verificar uma universidade muito mais inclusiva e mais diversa — afirma.

Para ela, as ações afirmativas na universidade ajudam a concretizar isso. Ela ainda considera as ações afirmativas uma das políticas “mais revolucionárias no Brasil”. No entanto, elas ainda precisam ser fortalecidas e com mais políticas de permanência para os estudantes que estão ingressando agora.

— Ainda precisamos melhorar como país para aumentar os investimentos nas políticas de permanência, aguardando a chegada cada vez maior do público de ações afirmativas, porque não basta só o ingresso, é necessário garantir a permanência desses estudantes.

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Além de cotas para pessoas negras, indígenas e com deficiência, em breve a UFSC deve ter cotas para pessoas transsexuais e transgênero, o que, para a pró-reitora, vai contribuir para o enriquecimento da diversidade na universidade.

A formatura da turma com tantos alunos negros é uma conquista, segundo a pró-reitora.

— Ainda que precisemos caminhar, avançar em direção a uma inclusão maior, a gente está percebendo sim essa transformação na universidade — conclui.

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