*Por Tariro Mzezewa

A Itália é um país conhecido pelo idioma do amor e pelos homens que enchem as mulheres de cantadas e elogios como uma forma de arte milenar, e isso é frequentemente associado a encontros românticos dignos de cinema, de "A Princesa e o Plebeu" a "Lizzie McGuire – Um Sonho PopStar". Por isso, muitas mulheres negras se perguntam por que deveria ser diferente com elas.

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Latrese Williams é uma dessas viajantes negras. Ela diz que, quando caminha pelas ruas de Chicago ou de praticamente qualquer outra cidade dos EUA, se sente ignorada pelos homens, que parecem mal registrar sua existência. Mas, quando entra em um salão na Itália, todos os olhos se voltam para ela – e isso é muito bom. Segundo ela, as reações são diametralmente opostas porque Williams é negra.

"Embora meu comportamento seja o mesmo em casa ou no estrangeiro, em Chicago me sinto invisível. Mas na Itália algum cara sempre queria sair comigo", contou Williams durante uma entrevista em sua casa no bairro de Monti, em Roma.

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(Foto: Susan Wright / The New York Times )

Em novembro, ela se mudou para a casa do namorado italiano, que conheceu pelo Tinder, em Roma. Nos últimos anos, a Itália tem sido palco de episódios de racismo contra imigrantes africanos ou pessoas de pele escura que são vistas como imigrantes, e esses episódios de abuso têm atingido até mesmo os jogadores de futebol negros do país. Por isso, é surpreendente que tantas mulheres negras visitem a Itália em busca de "amore".

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O que talvez não surpreenda tanto é que, em meio ao surgimento de companhias de turismo que oferecem, em particular, pacotes de viagem para mulheres negras, exista um número crescente de prestadores de serviço, blogs, contas do Instagram e grupos do Facebook que encorajam as mulheres negras a viajar à Itália para encontrar um grande amor. Ao contrário das empresas tradicionais, companhias de turismo como a Black Girl Travel e a Venus Affect fornecem dicas de relacionamento e ajuda para encontrar um namorado, além, é claro, de passeios turísticos.

O amor-próprio vem em primeiro lugar

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(Foto: Alessandro Grassani / The New York Times )

Fleacé Weaver, fundadora da Black Girl Travel, conta que percebeu muito cedo que as mulheres afro-americanas "se dão bem na Itália". Então, em 2006, depois de visitar o país muitas vezes, ela se mudou para Roma e criou a Black Girl Travel, que oferece passeios românticos e turísticos.

Na época, ela sentiu que estava preenchendo um nicho no mercado do turismo. "Ninguém prestava serviços especificamente criados para mulheres afro-americanas. Na verdade, quando abrimos as portas, todos no setor nos diziam que seria impossível fazer isso. Agora, 13 anos depois, inspiramos toda uma subcultura entre as viajantes internacionais."

Weaver descreve a Black Girl Travel como um clube privativo e um serviço de concierge, em vez de uma agência de turismo e de encontros, mas suas clientes veem a empresa como um pouco dos dois. Ao longo de mais de uma dúzia de entrevistas, mulheres que viajaram com ela dizem que é "uma realizadora de sonhos" e "a guru do amor italiano para as mulheres negras", graças à sua capacidade de conectar pessoas e ajudar as mulheres a amarem a si mesmas antes de encontrarem um amor romântico. A Black Girl Travel deu boas-vindas a mais de mil mulheres negras do mundo todo na Itália, de acordo com Weaver.

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Ela afirma que seu principal objetivo é encorajar as mulheres negras a ter mais amor-próprio. "Além de realizarmos passeios turísticos, também conversamos de mulher para mulher durante as paradas e fazemos perguntas como: 'Por que você acredita que sua vida não está caminhando na direção que você gostaria? Por que você tem problemas com os homens?'"

A Venus Affect, criada pela planejadora de casamentos de celebridades e designer de eventos Diann Valentine, em 2014, trabalha exclusivamente com mulheres de alto poder aquisitivo e as apresenta apenas para homens igualmente bem-sucedidos. Setenta e cinco por cento das clientes de Valentine são negras; as outras têm ascendência hispânica ou do Oriente Médio, afirmou. Em 2018, a empresa de Valentine foi o foco de um reality show realizado pelo canal Bravo, chamado "To Rome for Love".

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(Foto: Alessandro Grassani / The New York Times )

"Nos EUA, dizem que nós, mulheres negras, somos agressivas, mandonas e barulhentas demais, e ouvimos esses estereótipos negativos a vida toda. Mas aqui na Itália somos perfeitas, pois sabe quem mais é mandona, barulhenta e agressiva? A mãe italiana", disse ela.

Mas o que essas empresas vendem – "amore" e "la dolce vita" – não condiz com as experiências de inúmeras pessoas negras que vivem na Itália ou viajam para lá com frequência. Estas destacam que se trata de um país onde políticos populistas como Matteo Salvini defendem o argumento de que a imigração ilegal africana representa um perigo; em 2013, bananas foram atiradas na primeira ministra negra do país. De acordo com dados da Organização Internacional da Imigração, entre 2014 e o primeiro semestre de 2017 a Itália teve um aumento de 600 por cento no número de possíveis vítimas de tráfico sexual que chegaram ao país por via marítima. Em 2017, a maioria dessas vítimas eram mulheres negras vindas da Nigéria.

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"A ideia de mostrar a Itália como um lugar onde as mulheres negras podem encontrar o amor é problemática por muitas razões. Adorei a Itália por causa da comida, dos monumentos e da história. E esse deve ser o objetivo do turismo", afirmou Moni Ufomata, que é negra, viajou para a Itália e contou suas aventuras no blog Miles and Braids.

Uma questão numérica

Durante décadas, a noção de que as mulheres negras são as pessoas que têm menos chance de encontrar um relacionamento amoroso nos EUA foi assunto de livros, filmes, especiais de TV e inúmeros artigos de jornal. Em 2017, o Centro de Pesquisa Pew revelou que homens negros têm duas vezes mais chances de se casar com uma pessoa de outra raça ou etnia.

Além disso, um famoso estudo realizado pelo site de relacionamentos OKCupid envolvendo usuários norte-americanos revelou em 2014 que a maioria dos homens no site avaliavam as mulheres negras como menos atraentes que mulheres de outras raças e etnias. Valentine e Weaver ganham dinheiro com a sensação de que as mulheres negras não são admiradas ou desejadas nos EUA.

"Como mulher negra, encontrar um relacionamento nos EUA é uma dança das cadeiras. Se existem dez pessoas e seis cadeiras, alguém vai acabar se sentando no chão. Não existem homens negros em número suficiente para as mulheres negras na América do Norte", afirmou Williams.

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De fato, embora os casamentos interraciais sejam mais comuns entre os norte-americanos, homens negros e mulheres negras se casam com maior frequência entre si. Menos de dez por cento dos homens negros e cinco por cento das mulheres negras se casaram com pessoas de outra raça em 2010, de acordo com dados do censo.

Em muitos casos, mesmo quando buscam amor na Itália, as mulheres negras têm medo das possíveis interações negativas com homens italianos.

Uma busca recente pelo termo "Itália" em alguns grupos compostos por milhares de turistas negras no Facebook revelou que, de tempos em tempos, a mesma pergunta costuma ser feita: "A Itália é um lugar seguro para mulheres negras?" A maioria das mulheres diz que é seguro, mas que é preciso ter cuidado. ("Fique atenta aos 'ciao bellas', pois nem sempre são tão amigáveis quanto parecem", escreveu uma usuária.)

Gichele Adams, uma mulher negra que vive em Milão com o namorado italiano e é dona da empresa de aluguel de temporada Ghost Host Retreats, afirmou que esse argumento serve apenas para que as mulheres negras tenham medo e vergonha de se relacionar com pessoas de outra raça.

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(Foto: Alessandro Grassani / The New York Times)

Disponibilidade emocional

Entre as razões que levaram as mulheres a encontrar o amor com mais facilidade na Itália está o fato de que a cultura italiana encoraja os homens a ser diretos sobre o que estão sentindo, algo que os homens americanos e de outros países são desencorajados a fazer, explicaram Adams e outras pessoas.

Há três anos, depois de se mudar para Paris com o namorado, Adams percebeu que estava descontente com o relacionamento e, por isso, decidiu viajar sozinha à Itália por alguns dias. Enquanto estava em Milão, encontrou-se com Matteo La Cognata, que passou dois dias mostrando a cidade para ela. Antes de partir de Milão para conhecer Veneza e Roma, ele a convidou para morar lá. Ela pensou que ele estava "completamente louco" e o dispensou.

Quando voltou a Paris, percebeu que não queria mais estar lá. Terminou com o namorado e viajou a Milão, onde conheceu a família de La Cognata e foi morar com ele. Agora, os dois têm um filho de dois anos e ela está grávida do segundo filho. Inicialmente, a franqueza da abordagem de La Cognata foi assustadora, mas, depois, foi estimulante, de acordo com Adams.

"Eu me apaixonei pelo sorriso dela e pela alegria que vi em seus olhos. É uma mulher linda, e é óbvio que isso também chamou minha atenção. Com o tempo, também me senti atraído por seu senso de independência e sua força de caráter", disse La Cognata.

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Ele acrescentou que alguns italianos às vezes supõem que Adams é imigrante africana ou brasileira e que não deveria estar na Itália. Segundo ele, os comentários são piores quando ela está sozinha. "Por sorte, não costumo dar muita atenção a esses idiotas", concluiu.

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