Há um ano, em uma cidade do árido sertão da Tunísia, fatos marcaram o começo do fim de algumas ditaduras, com algumas décadas de atraso, e espalharam uma mobilização sem precedentes por todo o mundo árabe. Com um desesperado ato de imolação, um vendedor ambulante de 26 anos desencadeou sem saber um ano de turbulências que derrubaram ao menos três regimes autoritários em uma região que antes se considerava imune à democracia.

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Em 17 de dezembro de 2010, Mohammed Bouazizi ateou fogo no próprio corpo em frente à prefeitura da cidade de Sidi Bouzid depois que um policial lhe deu um tapa e o humilhou publicamente porque ele vendia frutas e legumes sem licença. O jovem sofreu queimaduras por todo o corpo e morreu pouco depois. Começava aí a Primavera Árabe.

Até então, Bouazizi passava seus dias empurrando um carrinho para vender seus vegetais, mas quando as autoridades confiscaram suas mercadorias e em seguida ignoraram seus pedidos de restituição, algo mudou e o jovem que nunca havia deixado a Tunísia transformou o Oriente Médio. Sua ação sensibilizou um país empobrecido, onde o desemprego ainda é de cerca de 28%.

Neste sábado, a pequena cidade de Sidi Bouzid voltou a ser o centro das atenções. Milhares de pessoas marcharam pelas ruas, assistiram aos fogos de artifício e aplaudiram a inauguração de um monumento em mármore na forma de um carrinho de vendedor ambulante cercado por cadeiras vazias que simbolizam os ditadores caídos. Se antes havia poucos sinais do sacrifício de Bouazizi, agora a rua principal da cidade leva seu nome.

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Um mundo em transformação

As manifestações da Primavera Árabe começaram em Sidi Bouzid, mas logo se espalharam para a vizinha Kasserine e outras cidades nos arredores. Depois, para todo o país e o resto da região. Não se pode exagerar sobre as transformações no mundo árabe durante os últimos doze meses. Uma região estancada por repúblicas e monarquias autoritárias de repente se viu sacudida pela mudança, para bem e para o mal.

Os grandes ganhadores até o momento parecem ser os partidos islâmicos, antes amplamente reprimidos, que nem sempre lideraram as revoltas, mas que nas eleições que se seguiram no Egito, na Tunísia e no Marrocos foram os mais organizados e os menos contaminados pelos antigos regimes.

Como o país que iniciou a revolução, a Tunísia parece ser o mais avançado no processo de transformação, pois realizou as mais livres eleições da sua história e levou ao poder um partido islâmico moderado que muitos acreditavam estar extinto por conta da opressão.

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Antes, sob o poder do ex-presidente Zine El Abidine Ben Ali, a Tunísia era conhecida pelos turistas europeus por suas praias e suas formas cosmopolitas. Para a maioria de seus habitantes, porém, a presidência de Ben Ali representou 23 anos de um asfixiante governo com mãos de ferro.

Hoje, um ativista de direitos humanos é o presidente, e um político islâmico que foi preso por Ben Ali durante 15 anos é o primeiro-ministro à frente de uma coalizão de esquerda, liberal e religiosa. O novo presidente chegou a anunciar na sexta-feira que iria vender os palácios de seu antecessor para financiar programas de emprego.