Entre um jogo e outro pelo inexpressivo Vilavelhense, clube do Espírito Santo que disputa a Série B do Campeonato Estadual, o quarentão Túlio Maravilha liga a TV e dá de cara com Neymar. Um sorriso leve lhe brota no rosto – e a voz surge um pouco abalada.
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Confira a página do especial “A hora de parar”
– Chamam de neymarzetes aquelas gurias em volta dele. Na minha época, eram as tulietes. Elas gritavam “eu te amo, amor da minha vida” e escreviam cartas com quilômetros de comprimento – ele começa a falar rápido, a saudade escorrendo de cada sílaba. – E um monte de seguranças formava corredores para eu passar no meio da galera, porque senão todo mundo me agarrava e me beijava à força. Era uma gritaria, uma histeria linda. Minutos depois, 80 mil pessoas cantavam no Maracanã lotado: “Túlio Maravilha, nós gostamos de você.” Cara, isso faz uma falta…
Aos 44 anos, Túlio segue jogando. Não consegue parar, embora já tenha tentado: se elegeu vereador de Goiânia em 2009, mas dois anos depois abandonou o mandato para voltar aos gramados. Diz que o seu dom é estufar as redes, que nenhum outro objetivo poderia realizá-lo mais do que marcar mil gols.
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Há anos ele busca esse Gol Mil com sofreguidão juvenil, como a meta da vida. Mas, agora que já marcou 999 vezes – as contas são dele mesmo -, inventa desculpas para continuar em campo:
– O gol 1.001 vai ser o Gol Bombril, que tem 1.001 utilidades. E já tenho em mente o nome para o gol 1.002.
Cristiane, a mulher de Túlio, não aguenta mais. Desde a década passada o casal vem pingando em cidadezinhas de norte a sul do país – porque apenas clubes pequenos aceitam o veterano centroavante, e os contratos são curtíssimos, às vezes duram três meses, às vezes três jogos.
Quando o marido jogou no Fast Clube, com sede em Itacoatiara, a 177 quilômetros de Manaus (AM), em 2006, Cristiane sofria com os piolhos-de-cobra que apareciam na porta de casa, desmaiava com o calor na academia de ginástica, emagrecia com a culinária exótica da região.
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– Ela chorava, berrava, dizia “meu Deus, não preciso disso”. Depois de um mês, voltou para Goiânia e me deixou lá, sozinho – recorda Túlio, um dos maiores heróis da história do Botafogo, artilheiro do Brasileirão em 1994 e 1995.
Túlio ganhou muito dinheiro naqueles tempos. Nega que sua insistência em jogar bola seja resultado de uma crise financeira. Pai de cinco filhos, ele enfatiza o confortável padrão de vida que usufrui em um condomínio de luxo – com lago artificial, quadra de tênis, sauna e campo de futebol – na capital goiana. A mulher dirige um Porsche Cayenne, ele guia um Hyundai Vera Cruz. Por isso Cristiane fica furibunda quando é empurrada para viver em qualquer grota.
Para disputar um amistoso certa vez em Manicoré, às margens do amarronzado Rio Madeira, Túlio precisou viajar de barco com o restante do time. Foram 14 horas enxergando a Amazônia por todos os lados, dormindo mal em uma rede atada entre um mastro e outro, atemorizando-se com rasantes de aves rapineiras. Sem supersalário, sem estádio lotado, sem ninguém gritando “eu te amo, amor da minha vida”, por que Túlio continua?
– Quando quero parar, surge um clube com uma proposta. Isso mexe demais comigo, é difícil explicar. É como se fosse uma droga, um vício – conclui Túlio Maravilha, que pretende ser comentarista de TV. – Vai ser uma forma de ninguém me esquecer.
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