Uma postagem feita no Twitter engana ao questionar o Supremo Tribunal Federal (STF) por ter, supostamente, considerado o voto impresso inconstitucional. O que o órgão declarou foi a inconstitucionalidade de um artigo da reforma eleitoral de 2015, que previa a impressão de um comprovante após os registros dos eleitores nas urnas eletrônicas. Tratam-se de coisas diferentes.
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O autor do tuíte confundiu a possibilidade de um comprovante de voto na urna eletrônica ser impresso com a votação realizada em cédulas de papel, utilizada antes da criação dessas urnas. A impressão do voto eletrônico seria equivalente à possibilidade de o eleitor que votava utilizando as cédulas deixar o local de votação com uma cópia de seu voto. Haveria a possibilidade de quebra do sigilo do voto – daí a decisão do STF sobre a inconstitucionalidade da medida.
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Como verificamos?
Buscamos a lei 13.165/2015 (Minirreforma Eleitoral) e a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 5889, nos sites oficiais do Planalto e do Supremo Tribunal Federal. Acessamos o material sobre eleições e urnas eletrônicas disponível no site do Tribunal Superior Eleitoral e reportagens sobre a reforma eleitoral.
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Verificação
O comprovante de votação
A determinação da impressão do voto surgiu no Brasil com a minirreforma eleitoral de 2015, que modificou vários dispositivos do Código Eleitoral. O artigo 59-A da lei 13.165/2015 prevê que “no processo de votação eletrônica, a urna imprimirá o registro de cada voto, que será depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado.”
O parágrafo único do artigo ainda dispõe: “O processo de votação não será concluído até que o eleitor confirme a correspondência entre o teor de seu voto e o registro impresso e exibido pela urna eletrônica”. Em 2015, o trecho havia sido vetado pela então presidente Dilma Rousseff (PT), que alegou o alto custo para implementação da medida. O veto foi derrubado pelos parlamentares.
A ideia, portanto, não era que a votação voltasse a ser realizada em cédulas de papel, mas que um comprovante impresso fosse emitido após o registro dos eleitores nas urnas eletrônicas.
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Em fevereiro de 2018, a norma foi questionada no Supremo Tribunal Federal pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade.
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Em junho daquele ano, o plenário do STF decidiu, em uma liminar, pela suspensão do dispositivo – que não valeu para as eleições de 2018. A decisão final se baseou no voto do ministro Alexandre de Moraes, que considerou que a medida colocava em risco o sigilo do voto, fundamental para o caráter “secreto, universal e livre” do processo eleitoral.
Na ocasião, o relator do processo, ministro Gilmar Mendes, ainda considerou que a mudança tinha como base alegações falsas de fraudes em eleições anteriores. Mendes, no entanto, votou pela manutenção da regra aprovada pelo Legislativo, que deveria ser aplicada de forma gradual.
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A decisão liminar foi proferida após a manifestação de várias instituições da sociedade civil, que enviaram amici curiae (manifestação para ajudar o órgão a entender questões técnicas ou específicas) ao STF. Um dos pareceres aceitos foi o do Instituto Resgata Brasil, criado pela ex-procuradora do Distrito Federal e hoje deputada federal pelo PSL Bia Kicis.
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Em 2020, o assunto voltou à pauta do STF e, de forma unânime, os ministros declararam a inconstitucionalidade do artigo 59-A do Código Eleitoral, o que significa que ele não vai entrar em vigor.
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Na decisão, o ministro Gilmar Mendes ressaltou que a impressão do comprovante teria que ser realizada por um equipamento especial, capaz de emitir o recibo e o inserir em um local previamente lacrado que, além de tudo, precisaria ser totalmente seguro.
No voto, Mendes escreveu: “Se assim não for, em vez de aumentar a segurança das votações, a impressão do registro será frágil como meio de confirmação do resultado e, pior, poderá servir a fraudes e a violação do sigilo das votações”. Isso porque, segundo ele, a impressora poderia acabar sendo usada como uma forma de hackear a urna em si, e os comprovantes seriam a “comprovação” de que não houve problemas no processo.
Além disso, na decisão final sobre o tema, ficou mantido o entendimento de que a impressão dos comprovantes poderia ser uma forma de violar o sigilo da votação.
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As eleições no ano da Constituição
O usuário responsável pelo tuíte verificado aqui questiona a inconstitucionalidade alegando que, no ano da promulgação da Constituição, 1988, ainda não existiam urnas eletrônicas.
As eleições de 1988 foram reguladas pela lei federal 7.664/88, que previa eleição para prefeitos, vice-prefeitos e vereadores em todas as cidades do país no dia 15 de novembro daquele ano. Na página 97 do livro “Eleições no Brasil – Uma História de 500 Anos”, lançado pelo TSE, há uma reprodução de uma cédula usada nas eleições de 1988. De fato, a votação ocorreu em cédulas de papel.

A urna eletrônica foi desenvolvida em 1995 e utilizada pela primeira vez nas eleições municipais do ano seguinte. As especificações de segurança do aparelho foram desenvolvidas por uma comissão técnica com pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Centro Técnico Aeroespacial (CTA) de São José dos Campos.
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Em 1996, apenas um terço dos eleitores usaram a urna eletrônica. Na eleição seguinte, em 1998, o equipamento chegou a dois terços dos eleitores. Em 2000, todos os prefeitos e vereadores do país foram eleitos de forma eletrônica.
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Em março de 2009, o TSE recebeu um prêmio na área de tecnologia pela contribuição no desenvolvimento de urnas eletrônicas. A premiação foi resultado de uma parceria entre a Universidade de São Paulo (USP), a George Washington University e a Business Software Aliance (BSA). A BSA é uma entidade que reúne instituições e empresas da área de tecnologia da informação e promove o evento para destacar ideias que sejam inéditas em todo o mundo.
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Por que verificamos?
Em sua terceira fase, o Comprova verifica postagens suspeitas que tenham viralizado nas redes sociais e que tenham ligação com a pandemia da covid-19, com políticas públicas de âmbito nacional ou com as eleições municipais. É o caso do tuíte em questão, que questiona a “proibição ao voto impresso” fazendo confusão entre cédula de votação e comprovante do voto eletrônico. A publicação teve 2,7 mil curtidas e 853 compartilhamentos no Twitter.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seus aliados são defensores do voto impresso desde a época da campanha eleitoral. Neste ano, ele afirmou que teria provas de que a eleição de 2018 foi fraudada e que, se não fosse isso, teria sido eleito no primeiro turno. Disse ainda acreditar ter feito mais votos no segundo turno do que foi contabilizado. O presidente, no entanto, ainda não apresentou provas da acusação que fez.
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Além de ser a favor do voto em cédula, Bolsonaro também era a favor do voto impresso em urna eletrônica. Em 2018, criticou o sistema de votação brasileiro e a liminar que suspendia a obrigatoriedade de impressão do voto eletrônico: “É um sistema eleitoral que não existe em nenhum lugar do mundo. Eu apresentei um antídoto para isso. A senhora Raquel Dodge [procuradora-geral da República] questionou. O argumento dela é que a impressão dos votos comprometeria a segurança das eleições. Pelo amor de Deus. Inclusive estava acertado que em 5% das seções teríamos impressão do voto”.
Durante as eleições de 2018, o Comprova verificou diversas desinformações relacionadas às urnas eletrônicas. Mostrou que as Forças Armadas não solicitaram perícia nos equipamentos, que códigos de urnas eletrônicas não foram entregues aos venezuelanos, que a Polícia Federal não apreendeu uma van com urnas adulteradas e que a Polícia Militar não apreendeu um carro que transportava os aparelhos já preenchidas com votos no Amazonas.
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Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
A checagem acima foi produzida pelo Projeto Comprova, iniciativa que reúne a NSC Comunicação e outros 23 veículos de mídia do país no combate à desinformação.
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