A economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, fez palestra a clientes da Manchester Investimentos, em Joinville, na última quinta-feira. Em sua fala, mostrou o que representa a vitória de Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos. Avalia que o futuro presidente norte-americano vai decepcionar seu eleitorado, ideologicamente mais à direita. A especialista aposta em crescimento de apenas 0,5% do PIB no Brasil em 2017. Projeta juros básicos (Selic) de 10% ao final de 2018. A seguir, os principais trechos de entrevista exclusiva.

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O assunto do momento é a vitória de Trump. Que efeito isso terá para os negócios?

Zeina Latif – O resultado coloca mais um elemento de incerteza no mundo globalizado. É complicador porque o comércio internacional está estagnado, a geopolítica se move e no Brasil ainda não há recuperação. Ficou mais difícil de analisar o mundo.

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Trump vai acomodar as ações ou agir de acordo com os discursos de campanha?

Zeina – A tendência é fazer discursos mais conciliadores. Deverá ser ponderado. Claramente, exagerou na campanha, mas foi uma estratégia definida para reverter o resultado de pesquisas. Conseguiu. Na economia dos EUA, a ação dele tem espaço limitado.

O fato de ter maioria no Legislativo não lhe dá mais poder para agir com mais autonomia?

Zeina – O fato de ter maioria nas duas casas legislativas não significa muito. Os republicanos precisam garantir que ele não fará uma gestão desastrosa. Metade dos norte-americanos odeia Trump. Até mesmo dentro do partido há gente influente que não o suporta. E Hillary Clinton ganhou no voto popular. Acho que o Trump vai decepcionar o seu eleitorado, aquele eleitorado que votou nele a partir de ideário de direita, nacionalista. Ele sofrerá muitas resistências.

O que acredita que ele fará?

Zeina – Pode elevar tarifas de importação, reduzir a compra de produtos de outros países. Porém, isso tem um preço. E vai na direção da perda de qualidade de vida. Os EUA têm uma economia relativamente fechada.

A China terá papel cada vez mais relevante na cena global. Que impacto terá na nova situação mundial, com Trump presidente?

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Zeina – A China não vai deixar de ter protagonismo nos negócios globais. Pelo contrário. Um tropeço dos EUA abrirá espaços para os chineses. As ideias dele vão contra a “grande América,” de investimentos e expansão. Não vai haver avanço na agenda comercial. Claro que Trump vai “entregar” algumas das promessas de campanha.

Como vão ficar as relações com o Brasil?

Zeina – O governo brasileiro tem de ter posição cautelosa. Trump pode criar subsídios e dificultar a entrada de produtos brasileiros nos Estados Unidos. De todo modo, nós sequer estamos no radar deles. O Brasil nem foi citado durante a campanha. E o motor de nossa economia não está no comércio internacional. O Brasil não é importante para os Estados Unidos.

O dólar disparou na quinta-feira e a oscilação tende a continuar. Diante disso, a pressão inflacionária aumenta. Como equacionar isso para 2017?

Zeina –A economia brasileira continua muito fraca e até mesmo o setor de serviços começa a desacelerar nos preços. O importante a perceber é que a inflação alta é bem teimosa. É mais difícil aceitar inflação de 9% ao ano do que a de 3%, 4% ao ano. Mas estamos num processo de desinflação.

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Os juros vão cair?

Zeina – O Banco Central tem de ter uma dose de ousadia responsável. Os modelos matemáticos com os quais trabalho sugerem taxa “neutra” de juros de 5%, descontada a inflação. Se a inflação for de 5% em 2017, os juros poderiam cair dos 14% atuais para 10% até final de 2018. Caberia, até, taxa de juros de um dígito se o cenário positivo se concretizar.

Como enxerga o ano de 2016? O que concluir?

Zeina – Foi um ano de teste para as nossas instituições democráticas. Temos de reconhecer que o governo fez agenda consistente e a arrumação foi crucial. Os últimos anos foram de depressão. De forte concentração de renda. Agora, o paciente Brasil dá sinais vitais, mas continua na UTI. Não há espaço para erros.

E 2017 será melhor?

Zeina – Ainda estaremos andando de lado no primeiro semestre. A recuperação efetiva virá só no segundo. Muitas empresas estão endividadas. O mercado de trabalho ainda não concluiu seu ajuste. O PIB tende a crescer 0,5%, não mais. O governo fala em expansão de 1% a 1,2% para o próximo ano. Não acredito nisso, pois o comércio internacional está estagnado. A volta é possível só de bens de consumo essenciais. Os setores dependentes de crédito como o de automóveis – vai demorar mais para melhorar. Apesar de que o setor de imóveis possa se recuperar antes do ramo de veículos. O crescimento está em fase embrionária e pontuado para nichos mais específicos, por enquanto.

Os investimentos vão alavancar o crescimento do País?

Zeina – Os investimentos caíram muito nos últimos anos. Em princípio, as indústrias vão repor máquinas obsoletas, mas isso está longe de um novo ciclo de investimentos produtivos, a liderar a expansão da economia. As empresas têm parques fabris ociosos, têm graves dificuldades com inadimplência elevada e com a falta de crédito. Romper com essas situações não será tarefa rápida.

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