Uma auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE) aponta que a Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) gastou mais de R$ 10 milhões, de janeiro de 2009 a setembro de 2011, com coffee break, coquetéis e alimentação em seminários, audiências públicas, reuniões e recepções. Além dos altos valores, os documentos a que o DC teve acesso indicam irregularidades na forma de contratação da prestadora do serviço, a Associação dos Funcionários da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Afalesc).

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– Encontramos falhas na forma de contrato e a imprecisão do objeto. Além disso, questionamos os gastos efetuados – explica Névelis Scheffer Simão, responsável pela Diretoria de Controle da Administração Estadual (DCE) do tribunal, responsável pela elaboração do relatório.

Finalizado em maio de 2015, após o TCE receber a defesa das pessoas envolvidas, o relatório final sobre a auditoria foi entregue ao relator, o conselheiro Wilson Wan-Dall. Em seguida, o documento foi encaminhado ao Ministério Público de Contas (MPTC), sob responsabilidade do procurador-geral Aderson Flores, que concluiu o parecer do órgão no dia 25 de agosto. Após essa fase, o relator concluiu seu voto e colocou o processo na pauta da sessão do pleno, que deve analisar o caso em novembro.

– A inexigibilidade de licitação é o ponto a ser analisado no momento. Esse é o principal problema, a meu ver. Os dados econômicos são importantes, mas o que mais chama a atenção nesta fase do processo é a legitimidade dos gastos. Por enquanto, o processo trata de forma ampla sobre o assunto e foca na legalidade do contrato com a Associação. Posteriormente será preciso visualizar os gastos – aponta o procurador-geral do MPTC, Aderson Flores.

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A auditoria do TCE analisa apenas o contrato da Alesc com a associação de funcionários, no período entre 2009 e 2011. No Portal da Transparência do Legislativo é possível observar que outras três empresas prestaram o mesmo tipo de serviço: fornecimento de alimentação para coffee break e coquetel. As demais contratadas passaram por licitação e somaram um pouco mais de R$ 1,3 milhão, de 2008 até setembro de 2015.

Reunindo informações da auditoria com os dados disponíveis no Portal da Transparência, constata-se que a Alesc gastou no contrato com a Afalesc cerca de R$ 24,4 milhões entre janeiro de 2009 e dezembro de 2014. O contrato com a entidade não foi renovado pela Assembleia. Desde janeiro de 2015, apenas uma empresa privada, também contratada por licitação, presta o serviço de fornecimento de alimentação para eventos. O portal informa que foram gastos cerca de R$ 250 mil com esta empresa até agosto.

Se em Santa Catarina o valor para custear esse tipo de despesa sai do caixa geral do Legislativo, na Assembleia do Rio Grande do Sul o custeio fica a cargo da verba de gabinete dos deputados. Consultado pelo DC, o Legislativo gaúcho afirmou ter gasto, entre 2009 e 2014, R$ 26 mil com alimentação. Já na Assembleia do Paraná o montante totalizou R$ 117 mil entre 2011 e 2014.

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Auditoria sugere uma apuração na Assembleia

A investigação do TCE aponta os ex-presidentes da Alesc Jorginho Mello e Gelson Merísio, o ex-presidente da Afalesc Zulmar Saibro e outros sete servidores do parlamento como responsáveis pelas falhas no contrato de alimentação. Além de pedir que os envolvidos sejam multados, a equipe técnica solicita uma investigação do próprio Legislativo.

– Sugerimos um processo administrativo interno da Assembleia para avaliar os gastos porque essas despesas têm que estar comprovadas de forma mais precisa – diz Névelis Scheffer Simão, da Diretoria de Controle da Administração Estadual do tribunal.

Se a orientação da DCE for aceita pelo pleno, a Assembleia pode ser obrigada a fazer uma tomada de contas especial, podendo gerar a devolução dos valores gastos não comprovados. O resultado desta apuração deve ser encaminhado ao tribunal. Os conselheiros podem decidir pela criação de uma nova tomada de contas especial na Alesc.

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Crescimento de gastos no gabinete da presidência

A auditoria do TCE revela o crescimento das despesas com alimentação em 2010, especialmente no gabinete da presidência da Alesc, então ocupada pelo deputado Gelson Merisio. No período, o gabinete registrou R$ 1.762.452,01 em gastos com serviço de alimentação, quase quatro vezes o que o antecessor, Jorginho Mello, que gastou no ano anterior R$ 441.629,28. Os auditores comparam o volume de gastos com a tabela de preços do contrato com a Afalesc, e o resultado é que a despesa é equivalente a 274 refeições diárias ao longo de todo o ano de 2010.

Em nota, a Alesc informa que parte dos gastos daquele ano eram direcionados para o almoço de estagiários do Programa Antonieta de Barros. No entanto, de acordo com o contrato firmado entre Assembleia e Afalesc, as despesas com o serviço deveriam ser computadas como “Outros serviços de terceiros _ Pessoa jurídica”. Almoço de funcionários e estagiários deveria ser contabilizado como “Auxílio-alimentação”.

Contrapontos

Gelson Merisio, atual presidente da Alesc, citado na auditoria pelos anos de 2010 e 2011, respondeu à reportagem por meio de nota enviada ao DC:

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“Em atenção aos apontamentos realizados por auditoria feita pelo Tribunal de Contas do Estado, do período de 2009 a 2011, em relação ao contrato da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina com a Afalesc (Associação de Funcionários da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina), esclarecemos:

1. A Assembleia Legislativa de Santa Catarina preza pela transparência. E opta, neste momento, pela comunicação através de Nota de Esclarecimento por se tratar de processo não concluído, ou seja: ainda não julgado e em fase de análise dos esclarecimentos prestados por esta Casa Legislativa aos apontamentos feitos pelo quadro técnico do TCE/SC.

2. Em janeiro de 2015 foi extinta a verba de alimentação dos gabinetes.

3. Desde setembro de 2015, o restaurante no prédio da Alesc está fechado, aguardando a conclusão de processo licitatório, na modalidade concorrência, que definirá qual empresa privada poderá explorar o espaço.

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4. Desde 1988, a Afalesc utilizava o espaço designado para restaurante no Palácio Barriga Verde e fazia o fornecimento de alimentação para os gabinetes e para os eventos realizados na Casa.

5. Em 2005, por orientação do TCE/SC, um Ato da Mesa (n.1237/05) autorizou que a Afalesc permanecesse com as atividades. A partir de 2010, também por orientação do TCE/SC, a contratação da Afalesc foi feita através de um processo licitatório por inexigibilidade.

6. Em 2014, por apontamento feito pelo TCE/SC, a ALESC não renovou o contrato com a Afalesc e deu início à abertura do processo licitatório citado acima.

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7. Importante destacar que, a partir de janeiro de 2010, despesas de alimentação com cerimônias, eventos e sessões na Alesc passaram a ser contabilizadas no Gabimete da Presidência, inclusive algumas realizadas em exercícios anteriores e as refeições diárias dos estagiários do Programa Antonieta de Barros (PAB _ programa de contempla jovens estudantes em situação de risco social).

8. Outro aspecto importante a ser observado: não se pode confundir data de pagamento como data de execução dos serviços de alimentação. Por exemplo: despesas pagas em janeiro podem ter sido realizadas no ano anterior.

9. Todos os citados no processo de auditoria encaminharam respostas ao TCE/SC. Nesta fase, aguarda-se avaliação e conclusão por parte daquele Tribunal para que se tome medidas necessárias.”

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Jorginho Mello, presidente da Alesc em 2009 também respondeu à reportagem em nota oficial:

“A respeito da auditoria do TCE/SC que tratou dos gastos da Alesc com serviço de alimentação sob a responsabilidade da Afalesc, entre janeiro de 2009 e setembro de 2011, informo que enquanto presidente da Alesc, apenas mantive o procedimento já adotado desde a inauguração do restaurante/lanchonete, no ano de 1991, pelo então presidente da Alesc e ex-conselheiro do TCE/SC, Otávio Gilson dos Santos.

A meu ver, por se tratarem de gestões passadas, e em pleno funcionamento, mantidas inclusive pelo meu antecessor, deputado Júlio Garcia, também conselheiro TCE/SC, nosso trabalho se resumiu à conservação e melhorias do local.

Sendo o que tinha a esclarecer, encaminho a presente resposta.”

Zulmar Saibro, presidente da Afalesc no período auditado pelo Tribunal de Contas não quis se pronunciar sobre o assunto.

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