A Argentina ganhou um tempo para respirar, afastando, o fantasma de um iminente calote. Quarta-feira à noite, a Justiça de Nova York concedeu novo prazo para a quitação de US$ 1,3 bilhão, que vencia em 15 de dezembro. O cronograma de negociação agora se estende até 27 de fevereiro.
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Imersos em crise econômica, agravada por greves e protestos contra o governo Cristina Kirchner, os argentinos estavam correndo o risco de reviver o pesadelo de 2001, quando o país declarou moratória, deixando de honrar dívidas de US$ 95 bilhões. A pendência agora é menor, na ordem de US$ 3,5 bilhões, mas assusta pelas consequências à imagem da Argentina e porque poderia repercutir no Brasil.
O alerta de calote ecoou na terça-feira, quando a agência de classificação financeira Fitch rebaixou em cinco degraus a taxa de risco da Argentina, para “moratória provável”. Nesta quarta-feira, a presidente Dilma Rousseff viajou às pressas para a Argentina. Oficialmente, para participar de uma conferência da União Industrial Argentina (UIA), mas o gesto também foi interpretado como de solidariedade a Cristina Kirchner.
O sufoco começou a tomar forma no dia 23, quando um juiz federal de Nova York, Thomas Griesa, determinou que o governo argentino pagasse US$ 1,3 bilhão em títulos de uma dívida que remonta a 2002 (rescaldo da moratória). O governo apelou, segunda-feira, pedindo “tratamento de urgência” para que fosse suspensa a cobrança.
Agora, o cronograma de negociações dá prazo para o governo argentino enviar a apelação até 28 de dezembro. Em 27 de fevereiro, as partes devem apresentar seus argumentos de forma oral. O ministro da Economia, Hernán Lorenzino, já sinalizara que não pretendia quitar a dívida, cobrada por fundos especuladores. Os fundos recusaram a renegociar entre 2005 e 2010, quando 92% dos credores aceitaram receber pagamentos com até 70% de desconto em relação ao previsto antes da moratória.
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Um eventual calote argentino não abalaria o Brasil, cuja economia é mais robusta, mas prejudicaria as exportações nacionais para o vizinho. Com a experiência de quem esteve no epicentro da moratória brasileira de 1987, quando era embaixador nos Estados Unidos, o ex-ministro da Economia Marcílio Marques Moreira lembra que a Argentina segue parceira de negócios, apesar das barreiras que Cristina Kirchner impôs nos últimos meses.
– Afetaria as exportações, principalmente as de bens industrializados – avalia Marcílio.
O risco de moratória fez as ações despencarem na Bolsa de Buenos Aires. A economista Lia Valls, da Fundação Getulio Vargas (FGV), concorda que as exportações brasileiras podem ser afetadas, levando-se em conta que a Argentina é o terceiro mercado nacional na venda de manufaturados. Do Estado, a Argentina é o segundo maior cliente.
– As exportações já estão caindo. Mas podem ser afetadas, sim, de forma setorial – observa a pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV.
Analistas opinam que Cristina Kirchner, se resolver pagar a conta, irá regatear e adiar ao máximo a decisão. É possível que peça o apoio de colegas do Mercosul e use a situação para obter o apoio da população. Um dos receios, para o governo, é que a sentença da Justiça americana abra um precedente. Credores que já repactuaram suas dívidas poderiam exigir valores idênticos aos obtidos pelos chamados fundos especulativos.
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*Com agências de notícias
Crise aqui do lado
A origem da dívida de US$ 3,5 bilhões está na moratória de 11 anos atrás:
A moratória de 2001
Sob grave crise econômica e social, o então presidente Fernando de la Rúa renuncia e seu substituto, Adolfo Rodriguez Saá, decretou moratória – suspensão do pagamento da dívida – de US$ 95 bilhões em 2001.
A renegociação
Entre 2005 e 2010, o governo argentino propôs renegociar a dívida, conseguindo redução de 70%. Dos credores, 92% aceitaram as novas condições.
Fundos abutres
Quem recusou o abatimento, incluindo os donos de fundos abutres (compram os chamados títulos em baixa para exigir pagamento completo depois em tribunais internacionais), iniciou uma batalha judicial contra o governo argentino. A cobrança chega a US$ 3,5 bilhões.
Sentença americana
Na semana passada, a Justiça de Nova York confirmou decisão que obriga a Argentina a pagar 100% das dívidas com os fundos abutres. Determinou que a primeira parcela, de US$ 1,3 bilhão, seja quitada até 15 de dezembro.
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Novo prazo
Quarta-feira à noite, a Justiça dos EUA decidiu suspender a cobrança no dia 15 e anunciou um cronograma para as partes apresentarem suas apelações e recursos.