*Por Becky Ferreira
Depois da Terra, Marte é o planeta mais explorado do sistema solar. Com todos os nossos visitantes robóticos enviados para lá, descobrimos que é um mundo muito seco, frio e radioativo para suportar os humanoides conspiradores ou os invasores com tentáculos que já foram imaginados pela ficção científica.
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Mas nossas viagens a Marte abriram uma janela para o passado longínquo do planeta vermelho, quando as condições eram muito mais propícias à vida.
Agora, a Nasa lançará sua sonda mais recente, a Perseverance, em uma viagem de sete meses a Marte. Como a Curiosity, sua antecessora, a Perseverance vai pousar no leito de um antigo lago marciano. O que ela encontrar lá – ao lado das missões lançadas pela China e pelos Emirados Árabes Unidos – poderia nos ajudar a entender como Marte era em sua juventude há cerca de quatro bilhões de anos e se a vida já floresceu em sua superfície.
Quão habitável era Marte no início?

Pense em uma imagem serena: um rio fluindo para um lago amplo que preenche uma bacia de crateras. Ondas batendo na costa; sedimentos empilhados em um delta. Um leito de lago coberto de argila.
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Esse é o tipo de ambiente aquático que pode suportar a vida, e que já foi uma visão familiar em Marte.
“As evidências de lagos e rios são incontestáveis”, disse Ken Farley, cientista do projeto Perseverance e geoquímico do Instituto de Tecnologia da Califórnia.
Embora Marte já tenha sido um planeta úmido, há um debate substancial sobre as origens, a extensão e a vida útil de seus corpos de água há muito perdidos.
Por exemplo, o início de Marte pode ter sido aquecido pelos gases liberados de vulcões ativos, que engrossaram sua atmosfera e causaram o derretimento do permafrost marciano. Os impactos cataclísmicos de asteroides também podem ter desencadeado tsunamis imensos de até 275 metros, que inundaram o terreno do planeta. Há até evidências controversas de que um oceano já cobriu suas planícies do norte.
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“Foram eventos estranhos, curtos e transitórios, ou havia um oceano? Eu diria que não há consenso. Há muitas ideias por aí, e realmente precisamos de muito mais dados para resolver isso”, comentou Farley.
Uma questão importante diz respeito à longevidade da água líquida de Marte. Ninguém sabe quanto tempo é necessário para a vida emergir em um planeta, inclusive na Terra. Mas, quanto mais tempo os corpos de água permanecem estáveis, mais chances existem de a vida se formar.
Durante a jornada de oito anos da Curiosity através da Cratera Gale, um antigo leito de lago, a sonda descobriu sedimentos que sugerem que a água esteve presente por pelo menos alguns milhões de anos. Compostos orgânicos também foram detectados, ingredientes-chave para a vida como a conhecemos.
“O que aprendemos com a Curiosity sugere que Marte era habitável”, disse Dawn Sumner, geóloga planetária da Universidade da Califórnia, em Davis, e membro da equipe científica da Curiosity.
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Claro, “habitável” não significa necessariamente “habitado”. A superfície de Marte está exposta a radiação solar e cósmica prejudicial, o que poderia ter reduzido as chances de que uma vida complexa e multicelular se formasse. “Se a vida existisse em Marte, haveria uma forte força evolutiva para que ela se tornasse resistente à radiação”, explicou Sumner.
Existem micróbios extremófilos na Terra que podem suportar radiação intensa, muitas vezes curando seu próprio DNA na hora. Portanto, não é improvável imaginar que possa ter havido micróbios marcianos que conseguiam tolerar a radiação. Além disso, eles podem ter se escondido no subsolo quando as condições se tornaram particularmente hostis na superfície.
“A grande lição sobre a vida, desde a revolução de poder usar o DNA, é a de que ela é capaz de ir a todos os lugares. É incrível. Vai preencher todos os nichos em que puder se meter, e vai fazê-lo em um período relativamente curto”, disse Farley.
Por que Marte se tornou menos habitável?

Os antigos oásis de Marte são agora miragens de um passado distante, e o planeta atualmente é uma casca seca. A Terra, em contraste, tem sido habitada por micróbios durante a maior parte de sua vida útil e vive uma explosão positiva de biodiversidade há muito tempo. Por que esses mundos irmãos têm resultados tão diferentes?
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Como planetas bebês, Marte e Terra foram envoltos em dois cobertores protetores: uma atmosfera relativamente espessa e um forte campo magnético. A Terra manteve ambos os confortos. Marte não tem nenhum dos dois.
Marte misteriosamente perdeu sua força magnética bilhões de anos atrás. Sem isso para protegê-lo do vento solar, a atmosfera marciana foi se desmanchando ao longo do tempo, embora ainda mantenha uma fina camada de seus céus passados.
Essas mudanças deixaram o planeta relativamente inerte por bilhões de anos, enquanto a Terra se reinventa mediante a atividade tectônica, as mudanças atmosféricas e a engenhosidade da vida.
Isso é ótimo para os terráqueos, pois precisamos desses processos para sobreviver. No entanto, a total morte de Marte nos últimos bilhões de anos poderia facilitar a reconstrução de sua história inicial.
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“A vida foi tão bem-sucedida na Terra que é difícil rastrear sua origem. Aqui, tudo é coberto por matéria orgânica da vida moderna. Uma das coisas muito legais e emocionantes a respeito de Marte é que, por não ter placas tectônicas, grandes partes de sua superfície têm essas rochas superantigas. É um bom lugar para visitar na tentativa de tentar entender como seria um planeta primitivo”, observou Sumner.
Marte poderia sustentar a vida agora?
Os robôs exploradores em Marte descobriram inúmeros fatos sobre o planeta vermelho, mas nunca encontraram sinais claros de criaturas que residam atualmente lá. A vida, pelo menos como a conhecemos na Terra, simplesmente não parece provável na superfície marciana.
“Se existe alguma vida em Marte agora, ela precisa de pelo menos um pouco de água líquida. A superfície atual de Marte está muito seca. Incrivelmente seca. Se há vida lá agora, ela está no subsolo profundo”, afirmou Sumner.
Há algumas provas de que a água líquida está presa em reservatórios subterrâneos, por isso talvez haja ecossistemas sem sol à espreita. Se esses habitats existem, estão além do alcance direto de nossas sondas e naves.
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Detecções recentes de metano e outros gases no que resta da atmosfera marciana são “uma tentadora assinatura potencial”, disse Farley, reforçando a especulação sobre a vida subterrânea. Como muitos micróbios na Terra produzem metano, é possível que os traços do gás em Marte possam ser rastreados até formas de vida alienígenas no subsolo profundo.
A Curiosity, que é equipada com um espectrômetro sensível ao metano, ampliou o mistério ao registrar estranhas concentrações do gás na superfície, que permanecem inexplicáveis.
Infelizmente, os satélites que orbitam o planeta vermelho não foram capazes de fornecer apoio para essas leituras, e as novas sondas da Nasa e da China no planeta vermelho podem não ser capazes de resolver o quebra-cabeça.
O metano também pode ser criado por uma ampla gama de processos naturais que não têm nada a ver com a vida. Alguns especialistas, como Sumner, afirmam que a presença do gás em Marte “não é uma surpresa”, porque o planeta tem todos os processos geológicos necessários para produzi-lo sem vida.
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A descoberta de vida em Marte, seja na forma de fósseis antigos ou de reservatórios subterrâneos, seria um dos avanços mais importantes da história humana. Finalmente, teríamos outro exemplo de um planeta vivo, mesmo que isso só tivesse acontecido no passado, o que implica que, no mínimo, a vida ocorreu duas vezes no universo.
Mas, mesmo que nunca encontremos marcianos, “Marte é um lugar aonde podemos ir para responder a algumas das perguntas sobre a vida na Terra”, de acordo com Sumner. O planeta vermelho continua sendo uma estranha cápsula do tempo da época em que a vida surgiu na Terra e a direção que esta poderia ter tomado se todos os fatores que tornaram nosso mundo possível não tivessem ocorrido do jeito certo.
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