A luta pelos direitos das mulheres mudou ao longo dos anos, conforme as demandas urgentes se apresentavam na sociedade desigual. Do sufrágio feminino e o início dos direitos políticos em 1932, marco na história brasileira, a trajetória dos grupos feministas também passou pelos anos 1970 e 1980 buscando novas formas de liberdade. Em 2023, a demanda indispensável é o respeito pela mulher como ser humano, por seu corpo e integridade. Essas três gerações tiveram diferentes reivindicações, mas gradativamente sempre contaram com o propósito de atingir a igualdade de gênero.

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As questões mais cotidianas para as mulheres contemporâneas, como administrar o próprio dinheiro, trabalhar fora de casa, estudar, se divorciar e até dirigir, fazem parte das conquistas absorvidas pela cultura após movimentos de mulheres que queriam mais do que apenas o papel de esposa do lar. A historiadora Joana Maria Pedro enfatiza que, apesar de muitos avanços terem acontecido com o voto de homens nos poderes, o mérito não deve ser deles.

— Foram coisas modificadas depois de muita luta. Há quem diga que isso foi “doado” pelos homens. Eles estavam no Congresso, e aprovaram aquelas leis pressionados pelas mulheres. O voto foi conquistado pela luta das sufragistas, houve todo um trabalho das mulheres da elite, muitas delas parentes desses homens, que pressionaram para conseguir a lei. É preciso lembrar, não foi fácil — reforça a especialista.

O Diário Catarinense conversou com mulheres de três gerações e historiadoras para entender quais eram as demandas de igualdade em cada época de acordo com as realidades enfrentadas e o que mudou de lá para cá. As mulheres abordam os debates desde o voto feminino até o avanço mais recente: o início do vigor da lei no território nacional sobre a laqueadura, nesta segunda-feira (6), que permite a realização de procedimentos de esterilização voluntária sem a necessidade de consentimento do cônjuge.

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Primeiras demandas femininas no século XX

A luta por direitos das mulheres é e sempre foi contra o que as diminuí como cidadãs, segundo análise da historiadora Gláucia Fraccaro. Esse escopo engloba a busca pela cidadania, autonomia e o reconhecimento como trabalhadoras e partes vitais da sociedade. Conforme as conquistas foram acontecendo, as demandas começaram a progredir para garantir mudança no dia a dia das mulheres.

O primeiro foi o debate sobre o voto e a necessidade de mudar a legislação, no começo do século XX. De acordo com Pedro, isso possibilitou colocar as mulheres nos locais de poder, mas não aconteceu imediatamente. No entanto, foi fundamental para aprovar a legislação que autorizava mulheres a trabalhar sem necessidade de consentimento do marido, sancionada em 1962.

— A minha mãe foi dona de casa apenas, mas sempre sonhou em estudar. Nos anos 50, ela dizia que queria ter menos filhos e que gostaria de trabalhar fora de casa, mas o meu pai nunca permitiu — afirma Pedro.

Maria Helena, de 61 anos, relata que tinha o poder de tomar decisões e ir e vir, também o contrário da própria mãe. Trabalhadora que começou a atuar fora de casa aos 13 anos, ela percebe que, por anos, havia um conformismo e ideais dentro da sociedade que fortaleciam a mentira de que mulheres não poderiam fazer algo.

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— Desde que o mundo é mundo, a mulher sempre foi tratada como submissa. A mais frágil, a que não precisaria de um cargo melhor no trabalho. Hoje as mulheres estão se impondo mais, naquela época era comum aceitar as coisas conforme vinham. Eu assumi as reponsabilidades da casa muito cedo por necessidade, nunca me senti frágil ou que eu não pudesse fazer as coisas porque não me davam espaço — conta ela.

Fraccaro ainda cita que outra demanda que teve uma grande pressão social foi pelo divórcio. No entanto, o tópico era um tabu dentro da sociedade, tanto pela forma que a mulher era vista quando a falta de amparo concedida à ela.

— Antigamente, quando você dizia que a mulher tomou a iniciativa de se separar do marido era sempre ‘o que os outros vão dizer?’. E outra coisa, as mulheres se submetiam a uma relação desgastada justamente porque não tinham como se sustentar, não tinham estudo — relembra Maria Helena.

A partir dos anos 70, outras demandas começaram a surgir, com relação a salários equiparados e direitos envolvidos em questões financeiras, como recebimento de heranças que não era permitido, e da maternidade.

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A falta de autonomia das mulheres impactava também os filhos, visto que o pátrio poder, que concedia a responsabilidade sobre crianças e adolescentes, era do homem.

Combate à violência de gênero

Aos 46 anos, Joana reconhece que é uma sobrevivente da violência de gênero. Presente na sociedade há tanto tempo quanto as próprias mulheres, esse tipo de agressão pode atingir alguém física ou psicologicamente, mas também acontece com cunho sexual e em relação ao patrimônio.

— Eu vivi o meu primeiro assédio com 10 anos de idade, de um estranho. E se a gente, pensar bem, várias mulheres têm essas histórias para contar. Naquele dia, eu me rebelei. Respondi para o homem e fui ameaçada de apanhar. Então, tu não pode nem apontar o erro no homem, porque daí ele vai te silenciar de alguma forma — relata Joana.

Conforme Fraccaro, o começo da conversa sobre violência contra mulher no Brasil começou com o estupro, quando uma legislação formalizou esse tipo de crime. Ela explica que até então apenas havia uma lei contra o “defloramento”, caracterizado como sexo com uma pessoa que fosse supostamente virgem contra a sua vontade. Porém, não contemplava qualquer outro tipo de mulher, nem crianças e adolescentes.

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A historiadora explica que, pelo Brasil ter um histórico violento, anteriormente acreditava-se que não era necessário adotar uma lei específica para a violência contra a mulher. Entretanto, houve pressão e histórias repercutiram sobre mortes e agressões sofridas por conta do gênero. Por isso, a Lei Maria da Penha, sancionada em 2006, é avaliada pela especialista como uma grande conquista.

Luta questionada e proteção dos direitos

Apesar dos avanços, as conquistas e alguns dos direitos estão sendo questionados nos dias atuais, de acordo com Amabile, de 21 anos. Ela observa que, principalmente nas redes sociais, há um movimento para descredibilizar as reivindicações das mulheres e inferiorizar relatos de desigualdade como se não tivessem validade.

— Para mim, a causa das mulheres nem deveria ter discussão. É uma coisa essencial, ainda temos o que conquistar e reforçar que merecemos respeito — confirma a jovem.

Entre os motivos que despertam a vontade de Amabile para dar continuidade à luta estão casos de feminicídio e de violência, que não são incomuns em Santa Catarina. Ela descreve que fica impactada ao assistir notícias e acompanhar situações de desrespeito à vida e ao corpo das mulheres. Ainda menciona que o crescimento de casos de sexualização dos corpos femininos e das atitudes das mulheres é um incômodo e que precisa ser combatido.

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— Para mim, piorou. Porque qualquer coisa, qualquer roupa que você usa, qualquer coisa que você fale ou o jeito que você anda, já dizem que você está tentando sensualizar — critica.

A jovem ainda relata que não consegue imaginar como seria a vida dela, como mulher, há 100 anos atrás e reconhece que os direitos conquistados por quem atuou no movimento antes dela fez diferença para ela viver da forma como escolhe hoje.

No entanto, as historiadoras afirmam que esses direitos não são garantidos para sempre e que podem ser modificados ao longo do tempo, como aconteceu com o direito ao aborto nos Estados Unidos. Por isso, elas alertam que as mulheres precisam estar em ação para evitar retrocessos e reiterar o que é prometido na Constituição e nos direitos humanos.

— A história dos nossos direitos não é um caminho reto e sem desvios. O tempo não é uma chave de resposta — afirma Fraccaro.

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— Direitos nunca são garantidos, por isso cabe a nós continuar na briga — diz Pedro.

Há futuro ideal para as mulheres?

As três gerações de mulheres entrevistadas pelo DC afirmam que, mesmo com avanços no último século, ainda há um caminho a ser percorrido para garantir a igualdade entre os gêneros. Entre os aspectos citados por elas que ainda precisam de atenção estão a ocupação de espaços, principalmente de poder, e o combate à violência de gênero.

— No mundo ideal precisamos de 50% de mulheres em todos os espaços, começa por aí. E não acho que o mundo vai melhorar muito por isso, é apenas uma questão de equilíbrio. O que uma sociedade melhor será quando as mulheres puderem andar nas ruas, em qualquer lugar, a qualquer hora com segurança. Que elas sejam respeitadas e que não seja tão perigoso ser mulher. Essa segurança é uma coisa muito importante e é claro, muda com leis e com a cultura — opina Pedro.

Outra possível solução para Fraccaro, a partir da sua linha de pesquisa, seria o compartilhamento de tarefas com o homem, visto que a mulher incorpora a dimensão dos cuidados majoritariamente sozinha.

— As mulheres que cuidam das crianças, dos mais velhos, doentes e de quem precisa de cuidados especiais. Isso é uma grande massa de trabalho que fica a cargo das mulheres, que não necessariamente precisa ser renunciada, mas que precisa ser reconhecida e compartilhada — explica a historiadora.

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