A casa de madeira é simples, a estrutura está bastante prejudicada, mas é suficiente para Maria Duarte da Silva, 77 anos, ser feliz. O local serve de moradia para a pensionista há 26 anos. Lá dentro ela tem suas coisinhas, como prefere dizer: televisão, aparelho de som e até um fogão a lenha. As fortes dores nas costas a impedem de varrer a casa, mas não de cuidar do que é seu.

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Em uma cadeira de plástico, ela senta ao lado da janela para observar. A única diferença na vida desta idosa em comparação com as demais pessoas, é que a vista dela não dá para rua, nem para o mar e muito menos para um bosque. Todos os dias ela vê centenas de adolescentes passar, junto de professores. Dona Maria mora dentro do pátio da Escola Estadual Presidente Médici, no Boa Vista, e não se incomoda com isso.

A senhorinha do Boa Vista e outras duas famílias de Joinville vivem nesta situação curiosa: eles moram dentro de escolas. Eles vivem por lá desde a década de 80, quando o Governo do Estado usava o serviço de ‘caseiros de escolas’. As associações de pais e professores (APP) construíam casas no pátio das escolas para estas famílias, e eles atuavam como zeladores e como verdadeiros guardiões das instituições. Missão que cumprem até hoje. A situação, no entanto, nunca foi regularizada ou formalizada.

Dona Maria, por exemplo, lembra que o Governo já pediu em duas oportunidades para que ela saísse da casa. Segundo ela, ofereceram uma casa no Paranaguamirim. Mas ela teria que arcar com algumas parcelas do empreendimento. A única renda da idosa é um salário mínimo que ganha de pensão do marido, que morreu há quatro anos. Hoje ela mora na casa de madeira com um filho, de 40.

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– A casa está meio feinha. Mas tenho um outro filho que mora aqui perto que sempre me ajuda, e tem tudo aqui do lado. Farmácia, mercado. Não queria sair da região – explicou.

Acostumada, ela até gosta do barulho dos adolescentes e do sinal da escola. Costuma caminhar pelo pátio e conversar com professores, pais e alunos.

– Se sair um dia daqui, acho que vou até sentir falta – riu a senhorinha.

Dona Maria afirmou que se houver uma casa na região em que possa morar, ela aceitaria se mudar. Mas não tem condições de comprar ou parcelar uma casa pelos programas de habitação.

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Guardiões da Jandira

Dona Albertina Kalfes de Carvalho, 52, e seu Tião Sebastião Lima de Carvalho, 56, não só moram ao lado da Escola Estadual Jandira Dávila, no Aventureiro, como vivem aquela escola. A paixão deles pela instituição não é só perceptível no olhar e na dedicação, mas quando falam de sua vida ali.

– Eu cuido mais da escola do que da minha casa – brincou Albertina.

Os dois ainda são funcionários do colégio. Eles atuam em serviços gerais e estão prontos para tudo. As crianças e adolescentes os conhecem pelo nome. Se alguém se machuca? Chama a dona Albertina. Manutenção? Seu Tião dá um jeito.

– Aproveito para lavar o pátio e cortar a grama nos fins de semana, quando os alunos não estão – contou ainda Tião.

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Há 24 anos que o casal vive na Jandira. Dona Albertina conta que trabalhava há seis meses na escola quando a APP convidou ela e o marido para atuarem como caseiros. Os cinco filhos do casal, inclusive, estudaram ali. Nunca ninguém se incomodou. Os educadores da escola, inclusive, se sentem seguros com a presença da família por ali. O colégio nunca foi arrombado ou roubado. Os dois nunca deixaram a escola. A única vez que a família não dormiu no local, foi quando um de seus filhos veio a morrer.

– A gente se preocupa demais com a escola. Gostamos muito disso aqui – resumiu dona Albertina.

De olho na Elpídio Barbosa

Se o barulho é alto a noite e se escuta arruaceiros aprontando em frente à Escola Estadual Elpídio Barbosa, no Costa e Silva – que fica em um morrinho – o autônomo Rodinei Rogério Lopes, 40, sai de casa para ver e “tocar esse pessoal embora”, como falou. De olho em tudo o que acontece, ele também é uma das pessoas que mora no terreno de uma escola estadual em Joinville. Segundo alguns professores, o morador ajuda a evitar que arrombamentos – coisa que já ocorreu – aconteçam com mais frequência.

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Avesso a fotografias, ele prefere não aparecer. Mas contou que mora há 19 anos na casa de madeira, que é bastante simples. O imóvel na realidade pertencia a sua sogra. Foi ela quem atuou como caseira do colégio. Ele casou com a filha e ficou por ali. Há dois meses se separou e hoje recebe a visita de suas três filhas. Todas elas estudam na Elpídio.

De acordo com Rodinei, pessoas do Estado já procuraram a família para uma mudança. Mas ele não aceitou.

– Eles ofereceram uma casa no Paranaguamirim, mas era muito perto do presídio e não queríamos – observou.

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Hoje, disse ele, ele até tem vontade de deixar o espaço. Mas por enquanto não tem condições.

Sem pressa

A situação destes moradores é avaliada pelo Governo do Estado, através da Procuradoria Geral. Há mais casos parecidos em Santa Catarina. A Secretaria de Desenvolvimento Regional (SDR) tem conhecimento da situação. Mas por enquanto, o caso não é tratado com urgência.

O Estado irá tentar mais uma vez um acordo com as famílias e pedir que eles saíam das casas espontaneamente, já que a situação, perante a Justiça, é considerada irregular. Se não houver acordo, é possível que o caso vá para as vias judiciais, com pedido de reintegração de posse. Mas isto, por enquanto, não tem data para acontecer.