Galopar pelas planícies onduladas que se estendem além do horizonte, atravessar rios, acompanhar os corredores de taipas, dormir em fazendas, ouvir causos ao pé da lareira e matear ao som de um acordeão. Tudo isso fez parte de uma descoberta de três dias a cavalo pela região mais fria de Santa Catarina. Lugar onde os novos vivem como os antigos, foi na história da Coxilha Rica, na Serra catarinense, que o tempo escolheu para fazer um corte. Para seguir os passos dos tropeiros e reviver a história, uma cavalgada, que pode durar entre dois e seis dias, leva turistas pelos rincões serranos para enveredar em meio à natureza e imergir no tradicionalismo campeiro conhecendo a música, a comida, os trajes, a casa, a linguagem e a lida do campo.
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Para viver essa cultura, um grupo de 13 amigos do Núcleo do Cavalo Campeiro, de Concórdia, entre eles empresários, veterinários, construtores, um técnico de telecomunicações e servidores públicos, saiu do Meio-Oeste e seguiu até a Fazenda Chapada, em Painel, numa noite gelada no fim de maio. O local seria o primeiro pouso e o ponto de partida da cavalgada na manhã seguinte.
À soleira do galpão, segurando o chimarrão na mão esquerda e oferecendo a direita, o cartorário e pecuarista Daniel Klein, 36 anos, dono da fazenda, recebeu os visitantes. Trajado da bota à boina, apresentou o rancho, ornamentado com cilhas de cavalo nas paredes. As cadeiras de madeira forradas com pelegos e o fogão a lenha foram guaridas contra o frio. Alguns também recorreram à cachaça artesanal no pequeno barril de madeira e ao pinhão quente para se aquecer. Diferentes de hotéis, as fazendas para os pousos durante a cavalgada trazem um ambiente familiar. Não há relação hóspede-empregado. São lugares que servem de base para os cavaleiros.
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– Abrimos as portas dos galpões para confraternizar, prosear, trocar experiências e dividir a paixão pela vida no campo. Todo mundo se reúne para conversar e comer junto. Nessas reuniões, já fiz amigos com os quais ainda mantenho contato – explica Daniel. Enquanto o chimarrão passava de mão em mão, a mulher de Daniel e mais dois amigos preparavam paçoca de pinhão e vaca atolada para o jantar. De sobremesa, o choro do acordeão e do violão encerraram a primeira noite.
O canto do galo despertou o grupo da cama para a alvorada, no fim da madrugada de sexta-feira. Na rua, a geada fraca se formou sobre os veículos. Após o banho quente e o café reforçado, hora de encilhar os cavalos e trotar pelas coxilhas, palavra que significa ondulações, como pequenas colinas, em regiões de planícies. Uma Ave-Maria marcou o início da cavalgada.
No rastro da história
Poucas nuvens riscam o céu azul. As planícies se ondulam feito ondas e, como no mar, perdem-se no horizonte, variando os tons de verde. As florestas de araucárias centenárias se destacam em meio à vegetação. Os vastos campos amarelados asseveram o contraste de cores. Do topo de uma chapada, é possível contemplar e entender o porquê de a região figurar entre versos de canções regionalistas e divagar sobre a passagem dos tropeiros vindos do Rio Grande do Sul a caminho de São Paulo no século 18 para levar principalmente o gado. Paisagem capaz de persuadir o mais distante dos viventes a atravessar o oceano.
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– Eles (os estrangeiros) ficam loucos com isso aqui: cavalgar por estes lugares, conhecer o jeito de viver do tradicionalista, a fartura na mesa, as comidas caseiras e o ambiente familiar. Tanto que 80% dos grupos que recebo hoje vêm de fora do país. Mexicanos, dinamarqueses e belgas já estão agendados para os próximos meses – ressaltou Robério Bianchini, organizador da cavalgada.
A cachaça em chifre de boi brinda o momento. Linguiça e pé de moleque para despistar a fome. Encilha apertada. O trote ganha ritmo novamente e passa por um pequeno cemitério cercado de taipas e com lápides de mais de 200 anos. Mais à frente, ocas e marcas no chão do que fora uma aldeia indígena. Após três horas e meia e 25 quilômetros no lombo do cavalo, a Fazenda da Ferradura é a paragem do almoço, agora no território de Lages. Ali mora a história oral da Coxilha Rica guardada nos causos de Benjamin Kuse de Faria, 75 anos.
Benjamin é apenas para os documentos. Por essas estâncias, ele é conhecido por Tio Beja, um tradicionalista autêntico. Do bigode à bombacha, da bota à camisa de lã, do colete ao lenço. Homem criado no campo, é referência dos costumes serranos da região. Isso tornou seu recanto em parada obrigatória para as cavalgadas. O estilo simples da casa e as araucárias que a cercam já estamparam capa de lista telefônica. Para este homem do campo, seu cantinho é a morada do tesouro.
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– A vivência na nossa região é um SPA. Você acorda de manhã cedo, pisa no orvalho, recebe os amigos, toma um chimarrão e sente o ar puro. Por isso, é um privilégio morar e trabalhar aqui. E quem vem nos visitar sente isso também – descreveu.
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Revista de Inverno – Cavalgada pela Serra revela a cultura e os costumes do campo