O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, anunciou que até o fim do ano o SUS vai efetivamente incorporar a trombectomia mecânica, técnica que aumenta a sobrevivência e reduz as chances de sequelas em pacientes diagnosticados com AVC (acidente vascular cerebral) grave.
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O anúncio ocorreu no Global Stroke Alliance, evento em São Paulo que reúne políticos e especialistas nacionais e internacionais para discutir o AVC. A adoção do procedimento já havia sido comunicada em portaria publicada em fevereiro de 2021, mas ainda não foi concretizada nos hospitais.
— Sempre existe um intervalo entre saber que tem de ser implementado e implementar de fato, principalmente por causa dos recursos necessários. Além disso, era necessário concluir a portaria que regulamenta o uso, porque não é qualquer hospital, não é qualquer tratamento. Precisamos ter o hospital adequado, com médicos treinados — afirma a neurologista Sheila Cristina Ouriques Martins, presidente da Rede Brasil AVC.
Ela explica que a trombectomia mecânica é realizada quando o paciente sofre um AVC isquêmico grave, ou seja, quando ocorre o entupimento de um vaso sanguíneo cerebral, comprometendo a circulação em uma área do cérebro. Nesses casos, a cada minuto que passa, morrem dois milhões de neurônios e, se o vaso não for desobstruído, a região perdida aumenta.
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Atualmente, é oferecida no SUS a trombólise endovenosa, que consiste na aplicação de um medicamento. Esse tratamento pode ser realizado até quatro horas e meia após o início dos sintomas de AVC, mas segundo Martins não funciona bem quando o entupimento compromete vasos de maior calibre.
— O trombolítico abre só de 10% a 30%, então os pacientes ficam com muitas sequelas — diz.
Já a trombectomia mecânica consiste em um cateterismo para retirar o coágulo que está entupindo a circulação. Os médicos passam o cateter pela perna, vão até o vaso comprometido e aspiram ou puxam o coágulo usando um stent. “Esse procedimento desentope a circulação em 80% a 90% dos casos, uma diferença enorme comparando com a trombólise. Isso aumenta em três vezes a chance de o paciente ficar independente, não precisar de outras pessoas para as atividades diárias”, compara a neurologista.
Os resultados positivos da técnica e a possibilidade de implementá-la no SUS foram apresentados por Martins e um grupo de pesquisadores em um artigo científico publicado em junho de 2020 na revista científica The New England Journal of Medicine. O estudo, financiado pelo Ministério da Saúde, serviu de base para a decisão de incorporar o procedimento.
— Agora o que eles têm de fazer é definir quanto vão pagar pelos dispositivos que fazem o tratamento para os hospitais do SUS que já estão prontos. Combinamos de discutir no ministério os detalhes em relação aos hospitais pré-avaliados e a de reembolsar o custo do equipamento — conta Martins.
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Atualmente, quatro hospitais públicos oferecem a técnica, porém sem recursos dedicados do governo federal. O Hospital Geral de Fortaleza e o Hospital Estadual de Vitória disponibilizam o tratamento com verbas estaduais; o Hospital Municipal São José, em Joinville (SC), recebe recursos da prefeitura, e o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (SP) utiliza de sua verba de manutenção.
— Os outros não têm recurso e estão aguardando a incorporação com o custo repassado — comenta a neurologista, fazendo menção a 15 hospitais que têm capacidade de oferecer a trombectomia mecânica e que foram sugeridos ao ministério para credenciamento.
Com a incorporação das unidades, as equipes do Samu terão mais opções para encaminhar o paciente com AVC grave, respeitando o intervalo aprovado de até 24 horas de início dos sintomas para a realização da trombectomia mecânica.
— O caminho começa pela educação da população para reconhecer os sinais de AVC e saber que deve chamar o Samu. O Samu, ao reconhecer esse paciente como urgente, identificará se há necessidade de trombectomia ou se pode encaminhar para um centro de AVC para trombólise — explica a neurologista.
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Martins conta que a dinâmica já foi testada no Rio Grande do Sul, com 22 ambulâncias, e mais recentemente em Ribeirão Preto. Com esse sistema, diz, o hospital e a equipe, incluindo o neuroradiologista intervencionista que conduz o procedimento, podem ficar preparados e ganhar minutos preciosos.
*Reportagem de Stefhanie Piovezan